quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Lucidez

É preciso abandonar a lucidez - o tipo de lucidez que o ego busca, o tipo de lucidez que me consola e permite que eu pense que tudo o que realmente sou é aquilo que penso que sou, e isso é tudo o que ela pode produzir.

Trecho do livro "Um vislumbre de Jesus - em busca da cura do ódio a si mesmo" - Brennan Manning

Fazer promessas é fácil, difícil é cumpri-las

O texto abaixo foi publicado na Página Gospel do Jornal Pequeno - 29/12/2008

Sabemos mais ou menos o enredo. Final de ano, fala-se quase sempre em renovação, novos planos, objetivos a serem traçados para o ano seguinte daí a poucos dias. Isso se os muitos rega-bofes de que participamos nos deixam pensar um pouco. Não lembro de quase nada que prometi ano passado. Nem tenho o hábito de prometer.
De fato, a maioria de nós que entra nesta onda de prometer, está fadada a quebrar as promessas. De modo que uma promessa de fim de ano vale tanto quanto um centavo furado. Não porque sejamos descompromissados, mentirosos contumazes, mas porque o fazemos por fazer, nem sequer um balanço do que passou foi feito, como queremos já nos comprometer a construir?

O problema, penso eu, envolve algumas questões. A gente se conhece pouco, ou melhor, até se conhece, sabemos que não faremos aquilo com que nos comprometemos, mas como pega bem, a aprovação dos circunstantes é unânime, então acreditamos, embora lá no fundo você grite pra você mesmo: ei, não quero e não vou fazer nada disso.
Outra questão é que a promessa que começa datada ou postergada, tende a não se realizar. É o nosso caso: faremos isso e aquilo, mas depois das festas que no caso de muitos é lá, depois da sexta-feira da paixão. Certo, promessa refere-se a algo num futuro, em data xis ou mais menos ao seu redor. Concordo. Mas promessa também tem que ter raiz no presente quando é asseverada. Tem que ver com o indivíduo, seu contexto, sua capacidade, suas posses, suas ações naquele momento. Raros são os casos em que, aparentemente, do nada surge uma idéia e nós dizemos: farei isso ano que vem.
Promessa (fala e pensamento) está intimamente ligada ao corpo. Palavra e ato trabalham no sucesso do projeto. Não são arrancados do vazio. É como se cada feito nosso precisasse de uma gestação. Excetuem-se os rompantes diante de um imprevisto. O resto precisa funcionar assim. O falado, conectado com o real, com o conhecimento de si mesmo e de sua realidade, traz à existência aquilo que foi apenas plano. Não é o verbalizar a esmo que faz acontecer, mas um processo que transforma a energia do que foi dito em ação. A idéia transmuda-se em feixes de músculos, em tecidos do coração, em alvéolos do pulmão, em sangue a irrigar cada célula.
A parábola de Jesus sobre construir é útil aqui. Incrível é que ele se refere a segui-Lo, porque até aí há o que dimensionar. Primeiro, que o prêmio não está disponível em moeda sonante. Segundo, possivelmente não há qualquer reconhecimento, às vezes perseguição, e terceiro, os valores pelos quais a pessoa deverá se pautar estarão, na maior parte do tempo, em confronto com o mundo.
Ele disse assim: “De
fato, se alguém de vocês quer construir uma torre, será que não vai primeiro sentar-se e calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, lançará o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso, começarão a caçoar, dizendo: ‘Esse homem começou a construir e não foi capaz de acabar!’”. (Lc 14.28-31 – EP)
O não cumprimento de promessas leva a um círculo vicioso ao qual muitos se acomodam. É para ser aceito? É para ser aprovado pelos demais? É para se livrar de um problema ou de uma saia justa? Pois digam ao povo que farei. Isso no aspecto externo. No interno leva à lassidão e à frustração, se ainda nos resta algo de brio. O tempo tratará de transformar este comportamento numa fé ao contrário em si mesmo. Um pessimista. Ah, não dá. Não consigo. Já tentei. Eu sou assim.
Nenhuma promessa deve ser derrogada, mesmo aquelas que se referem ao vulgar compromisso de perder uns quilinhos a mais, sempre dito que foram nas festas e não ao longo do ano inteiro que foram acumulados. Mas energia para realizar pede sempre mais que um bom equacionamento psicológico, uma capacidade de planejar, pede fé que pressupõe a ajuda de Deus e isto envolve outra esfera da vida. Não é o caso de delegar a Deus aquilo que se deve fazer, mas pedir que Ele seja o companheiro na sua construção.
Tomo aqui emprestado uma fala de Paulo que em carta aos crentes em Corinto, atribuía seus feitos e falas a Deus: “E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus; não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus...” (2 Co 3.4, 5 – ARA)
Ele quer dizer que Deus foi sua força motivadora, sua inspiração. Aqueles que conhecem um pouco a história de seu ministério, sabem que foi como diz em outra passagem entre dores de parto (Gl 4.19) que ele cumpriu sua obra de anunciar o Reino de Deus entre as gentes. Uma promessa descuidada não resistiria a tais provações, como em qualquer outra área, não resistirá à provação do tempo, da perseverança, da derrota. Deus é, portanto, imprescindível.
Jesus complementa a parábola anterior com outra semelhante. Fala de um rei que se prepara para a guerra. Ele percebe que seu exército é menor, então envia embaixadores para negociar a paz. Isso nos fala de que nenhum plano é definitivo. Sempre haverá surpresas. É preciso deixar espaço para o inesperado e admiti-lo como parte do projeto, embora não se saiba o que será, mas só o fato de se estar precavido, ajudará a enfrentá-lo.
A vida não é uma linha reta, nem tem a exatidão matemática que desejamos. É múltipla, cheia de curvas, ora deserto, ora floresta luxuriante, é diversa e é isso, afinal, que faz seu encanto. Faça planos, comprometa-se, há muito o que fazer, mas convide o Senhor Deus para fazer parte da aventura que é viver você. Não se preocupe, nada em você lhe surpreenderá, inclusive uma ou outra tentativa de desistir, pois é exatamente nesse momento que Ele fará diferença na sua vida.

Desejo a todos um ano feliz. Saúde e Paz sob a graça de Deus.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Tempo relativo


Os cientistas deram ao agora moribundo 2008, mais um segundo de vida. Serão, portanto, 366 dias e 1 segundo. O que se faz com ou em um segundo? É menos que uma piscadela que leva 1,2 segundos.
Diante da morte iminente, de que valeria 1 seg a mais? No esporte ele tem utilidade e na física de precisão. Na fórmula 1. Massa perdeu o campeonato pela ninharia de 38 segundos. Quer dizer, ele foi campeão mundial por este tempo. E nas corridas, sejam quais forem, as classificações são por diferença de milissegundos, mas a vida não escorre nos interstícios do tempo.
Os físicos acrescentaram este mísero segundo para coordenar os dois sistemas de medida cronológica que existem hoje; um leva em conta a rotação da Terra; o outro toma como base relógios atômicos. Já imaginou se pudéssemos por ou tirar o tempo das experiências que vivêssemos?
A vida, para nós, que a vemos noutra velocidade, um segundo é pouquíssimo. Somos lentos e precisamos de um tempo macro. Pesado em quilos, talvez toneladas. Só sabemos e percebemos a velocidade do tempo quando envelhecemos, mas fisicamente estaremos ainda mais lentos. Será que a tração gravitacional da morte causa estas torções de percepção?
A vida, diz-se, pode mudar em um segundo. Nada! Leva um tempão para mudar porque é preciso construir. Destruir a vida, sim, leva um segundo.
O tempo, disse Einstein (se não disse, deveria) é também relativo. Depende do que se está vivendo, da posição do vivente . Experiências ruins, estar ao lado de pessoas malas, viagem de ida, a fila em que se está, dão a sensação de um tempo sólido. Não desce redondo de jeito nenhum.
Experiências boas, aquela conversa com aquela pessoa, a fila do lado, viagem de volta. Voam. Um segundo? São mais rápidas.E se um gênio lhe desse um segundo a mais de vida? Você tem um segundo a mais de vida. Quê? Acabou.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Você não é nem o que aparenta


Ver um strip está ao alcance de qualquer um onde quer que esteja. Strippers, apenas munidas de um computador, câmera e um acesso banda larga, vendem shows via internete. Algumas chegam a ganhar R$2.500,00 por mês. É só mais um capítulo da transformação das relações neste mundo virtualizado.
A AIDS, dizem, em seu auge, modificou as relações. Sexuais, por suposto. Incentivou o vouyerismo, o fetiche, que explica a substituição do desejo pelo órgão sexual por um objeto. O que se diz, bem longe da moral cristã que resiste como uma curiosidade estranha a este mundo de todas as permissões, é que este tipo de prática, desde que controlada, é normal, até saudável.
Isso lembra algum tipo de dissociação do sujeito em farelos não necessariamente interconectáveis, daí porque alguns conseguem viver vidas paralelas, cada qual com seu personagem que os novos tempos insistem em expor à luz do dia, como novas formas de explorar as multifacetadas possibilidades da existência, mas que no fundo é só um desarranjo do ser.
A internete permitiu a realização destes desejos de forma real, porém, não sólida. Quero dizer, as emoções e sensações por elas produzidas substituem com alguma vantagem a relação física e são vívidas tanto quanto a vida no tempo. Não poucos se perdem neste mundo, presos à fantasia de onipotência. Tornam-se adictos do lugar onde tudo é possível, inclusive eles deixarem de ser eles mesmos.
Um toque num botão e a vida segue, encontra, realiza, morre, mas revive em seguida. Fecha, abre, ama, descarta. Um clique e uma relação termina sem qualquer responsabilidade posterior. Ligar no dia seguinte, por exemplo. Livra a pessoa do trânsito caótico, dos maus humores, das tpms, dos maus dias da pessoa com quem se relacionou. Não há maus cheiros e se houvessem, basta configurar um cheiro de lavanda e pronto.
A questão também nos coloca diante daquilo em que se transforma o ser, enquanto indivíduo. Isso porque, possivelmente, a imagem vista numa tela de MSN ou similar, pode ser – e acontece muito – uma contrafação bem forjada ou um alter ego de alguém que, no mundo dito real, deve ser escondido por vergonha, pela feiúra, pelo status social sofrível. Ou por outra, basta um avatar no Second Life que pelo nome já se vê, é auto-explicativo.
Desta esbórnia surge um sujeito sem identidade, ou ele é sempre precário, num momento, sempre mimetizado em fantasias, agarrado a alguma coisa do mercado ou da moda que é quem, de fato, diz quem ele é.

O sujeito de hoje é um narciso que varia ao sabor das ondulações do espelho, mas a filosofia corrente estimula esta indentidade personalizada que, para ser, entre tantos iguais, necessita alcançar novos níveis de estranheza no corpo, porque a mente continua a mesma, com sede de ser. Este novo homem e mulher é sempre experimental, customiza-se sob demanda, que nunca é sua, é de um outro, fantasmagórico pai ou mãe a quem eles nunca conseguem satisfazer.

Criação e evolução



Por volta dos 12 anos, eu ainda não tinha feito minha decisão por Jesus. Ia à igreja, que era um peso para mim. Não que não cresse, estava descobrindo mil coisas novas e a igreja, ao que parecia, condenava todas elas sob o rótulo de “coisas do mundo”. Ser cristão ou evangélico, protestante, era igual a NÃO fazer isso nem aquilo. A não ir a praticamente nenhum lugar. Praia estava definitivamente vetada. Era lugar de concupiscência dos olhos, diziam. Esporte também era pecado porque mexia com as emoções e as pessoas tendiam a radicalizar, dizer palavrões e ademais, melhor, segundo Paulo, era dedicar-se às coisas do espírito, pois o esporte para nada aproveita. A coroa ou prêmio ou taça do esporte é corruptível, o crente busca a incorruptível (1 Co 9.25). Quer dizer, para um zumbi, os convertidos estavam muito bem.
Na escola, o que aprendia em biologia, se não ia de encontro da Bíblia, tampouco ajudava, menos ainda quando um professor de escola bíblica dizia que todos os fósseis eram uma mentira inventada pelos inimigos do cristianismo. Protestei, disse que havia provas em todos os lugares do mundo. Os dinossauros existiram mesmo asseverei para espanto dos colegas e do professor que ficou numa sinuca. Como conciliar com o Gênesis que apenas mencionava animais “modernos”? Ele se recusou a aceitar e encerrou a conversa com uma censura velada a mim.

Admitir os dinossauros, para aquele professor, seria negar a Bíblia, ou quem sabe, algo ainda pior, negar Deus. O que tem Deus a ver com os dinossauros? A rigor, nada, e tem tudo a ver. A ciência não sabe responder e está muito longe de fazê-lo, se é que algum dia o fará: de onde veio a matéria? Antes do ponto minúsculo inicial, um nada, o que era? A Bíblia afirma que antes do princípio era Deus e que Ele é Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem. (Rm 417) O problema é que os literalistas têm dificuldade no processo porque a linguagem bíblica não é suficientemente clara e nem tinha a pretensão de sê-lo, afinal seu objetivo é contar uma história em que Deus é o protagonista, o homem, coadjuvante, e a terra o cenário.

Tomar a Bíblia ao pé da letra sem dela nada ou pouco conhecer é um perigo e uma insensatez. Do mesmo modo, afirmar a suprema verdade da ciência contra tudo o mais, diante de tantas perguntas sem resposta, é uma temeridade.

Cada macaco no seu galho, mas nem a ciência honesta nega ou agride a Bíblia e nem esta nega aquela. Elas falam de suas áreas de interesse em linguagem que lhes são peculiares, harmonizá-las pode ser uma idéia, mas com muito respeito.

Exploro o tema criacionismo versus evolução não por cisma, mas inspirado na entrevista do pastor Tim Keller, de Nova York, dada à revista Cristianismo Hoje.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Mosquito X9


A polícia da Finlândia acredita ter encontrado o ladrão de um carro graças a uma amostra de DNA coletada de um mosquito que estava dentro do veículo.
Segundo a agência de notícias France Presse, o carro foi roubado em junho passado em Lapua, a cerca de 380 km ao norte de Helsinki, e encontrado pouco depois a 25 km de distância, perto de uma estação ferroviária na cidade de Seinaejoki.
Ao examinar o carro, os policias acharam o mosquito e concluíram que ele havia picado alguém pouco antes. O DNA encontrado correspondia a uma amostra registrada nos arquivos da polícia.

Fonte: BBC Brasil

Essas coisas só acontecem comigo, lastimava-se, enquanto se escorava num canto da cela entulhada de gente. O cheiro azedo de vômito dormido do ambiente impregnava até o tutano, sem contar as olhadas sinistras que lhe davam os companheiros indesejados. A história porque Adrovaldo foi parar na cadeia começa longe, do outro lado mundo, na fria Escandinávia. Um incidente de um roubo de carro levou a polícia de lá à descoberta do autor pela análise do sangue no estômago de um pernilongo que se alojara discretamente entre o estofado e que, faminto, resolveu refestelar-se no azarado ladrão. Yes, na Finlândia tem ladrões e mosquitos, embora a polícia passe mais tempo coçando as partes íntimas, pois o país é figurinha carimbada no campeonato mundial de honestidade no ranking da organização Transparency International.
Nosso belo país, como é sabido, naquele campeonato internacional de honestidade, é o equivalente a um time boliviano de terceira de divisão ou um Vasco, se você preferir. Mas as forças públicas de repressão, aos trancos e barrancos, ensaiam combater esta característica, digamos, filogenética do brasileiro médio. Taí a escapulida de alguns voluntários em Santa Catarina que não me deixa mentir.
Um dirigente policial verde-e-amarelo, mais abnegado que o costume, descobriu que a Finlândia desenvolvera uma técnica de extrair DNA do sangue deglutido por muriçocas como forma de identificar criminosos. Imagine se isso não é o sumo da tecnologia, de ter tempo para pensar em coisas inusitadas de uma polícia dessas? Pois bem, nosso policial entrou em contato com este país de características co-irmãs dos brasileiros pensando lá consigo que isso seria a descoberta da roda. Vejam se não tinha razão. O que será que tem em qualquer lugar deste país, provoca verdadeiras orgias de cama, abala regiões inteiras e no verão está sempre protagonizando o noticiário? Sua eminência, o mosquito, ou carapanã, ou muriçoca, inseto díptero da majestosa família dos culicídeos.
Os filandeses prontamente repassaram a técnica à polícia brasileira que em entrevista espetacular, dizia que esta seria mais uma arma no arsenal de combate à bandidagem. Mas nestas coisas tem sempre um advogado do diabo ou um repórter espertinho, um estraga prazeres que gosta de fazer perguntas cabulosas. O brioso policial, perguntado como é que saberia que um mosquito específico teria sugado o sangue de um acusado, se saiu com esta. Antes mesmo do contato com os agentes nórdicos, brasileiros já haviam descoberto, inclusive foram premiados pelo Ignobel, linhagens de mosquitos que tinham preferência por bandidos, no que os transformavam em policiais em miniatura, embora a maioria das espécies, destaque para os Culex, Aedes, Anopheles, sejam iguais a mafiosos da Cosa Nostra, tal o mau caráter deles. Alguns chegavam, descobriram, a vomitar para não entregar seu mal feito e o malfeitor. Enfim, bastava escolher o mosquito com aquelas características e pronto, uma rápida punção e o meliante iria para a cadeia. Inclusive esta técnica, aceleraria processos engaiolando os malandros rapidamente. É tipo DNA paterno, finalizou o empertigado policial, descobriu, acabou-se, é sustentar o bruguelo, acrescentou para diversão dos presentes.
E o acusado preso, delegado? Não há dúvida, o resultado é cem por cento, ele estava no local do crime. Nossa testemunha, o mosquito, não mente, quero dizer, o estômago dele não pode mentir. Obrigado. Saiu.Mas voltemos a Adrovaldo. Ali, preso, teve tempo para especular. E se eu dissesse que apenas peguei carona no carro? A idéia cresceu e ele pediu para falar com o delegado. Doutor, é muito simples, sou inocente. Eu apenas peguei carona no carro, que não sabia ser roubado. Pois bem, quem lhe deu carona. O Cruzanildo. Sim, mas não há sangue dele no mosquito, só o seu. Como é que o senhor explica isso? Ah, seu delegado, desde pequenininho eu tenho o sangue doce.

Texto publicado na Coluna Eudes Alencar - Jornal Pequeno - 28/12/2008

sábado, 27 de dezembro de 2008

Falar em Ano Novo

Um novo ano se aproxima e, psicologicamente, se não somos tão pessimistas – no caso nem é preciso, os operadores da economia já estão o suficiente – aguardamos boas coisas, pelo menos estamos na torcida.

Os desejos correm soltos. Estes sim, são a mola do mundo, não o dinheiro que só faz sentido se houver algo para ser comprado e este algo passa, antes, por ser útil, que produza prazer, satisfação, dê status, sugira importância para quem o compre e isto tudo mexe é com o desejo.

Planos também, aos montes, são sinceramente definidos, mas à primeira badalada dos sinos das horas do ano novo, serão esquecidos. Na verdade, passarão, primeiro, pelo processo da postergação. No caso do brasileiro, para depois do carnaval. Assim, rapidamente, o ano findará para que planos sejam, outra vez refeitos com a mesma sinceridade dos condenados.

Entre um plano e outro, entre o acalanto de um desejo e um dos muitos rega bofe para fechar a conta do ano, vamos maldizer a má sorte que nos acompanhou, culpar este ou aquele, o governo, a mãe e seja lá quem for, porque tudo, lá no comecinho de janeiro, parecia tão alvissareiro e finalizou assim, murcho, quase do jeito de começou.

Bastarão poucos anos e este que nos parecia ruim, já estará meio desbotado na mente e parecerá menos pior, e pouco mais adiante alguma coisa entre cor de rosa e azul e grudado a eles um certo ar de saudade daqueles bons tempos, até porque o espelho e as juntas, a aposentadoria curta, deverão nos fazer lembrar que o que foi mal dito era uma quase felicidade e não sabíamos.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Natal



E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao
redor deles; e ficaram tomados de grande temor.
O anjo, porém, lhes disse:
Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo
o povo:
é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o
Senhor.
E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em
faixas e deitada em manjedoura.
E, subitamente, apareceu com o anjo uma
multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo:
Glória a Deus nas
maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem.

Lucas 2.9-14

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Criacionismo não é teoria científica


Recentemente a imprensa noticiou com certo alarde, que escolas de orientação cristã no Brasil estavam ensinando o criacionismo aos seus alunos, ao mesmo tempo em que ministravam também os princípios do evolucionismo.

Por todo lado pipocaram vozes de espanto e de alerta. Acusavam estas escolas de copiarem o modelo fundamentalista americano. Outros, alarmados, como Tonny Belloto, escritor e músico, que mantém um blog no site da revista Veja, clamou: “Me assusta saber que escolas tradicionais religiosas, como o Mackenzie, por exemplo, ou o Colégio Batista e a rede de escolas adventistas, estejam ensinando aos alunos a explicação cristã da criação do mundo junto com os conceitos da teoria evolucionista.” http://veja.abril.com.br/blog/cenas-urbanas/

Concordo que a mistura de duas teorias ensinadas como verdadeiras é algo complicado numa escola, como alerta o músico do Titãs. A questão, porém, não é essa, mas a reação sempre presente por parte de quem escreve, como se, ao ensinar a teoria criacionista, o mundo estivesse à beira da volta a um período de trevas, apenas porque alguns fanáticos, segundo pensam, repelem o evolucionismo.

Ora, esta atitude esconde um mal disfarçado preconceito contra tudo que cheire a cristianismo e suas afirmações de verdade, porque a verdade verdadeira única admitida neste mundo secularizado, tem que ser referendada pela ciência positivista: o fenômeno medido, esgravatado, reproduzido em laboratórios e confirmado em códigos matemáticos.

A evolução é, sem dúvida, a teoria científica que melhor se aproxima e melhor sucesso obteve na explicação da origem da vida, mas não é nem uma unanimidade científica, nem muito menos responde a tudo. De fato, possui inúmeros buracos e ilações complementam coisas que os cientistas não podem explicar. Deve-se dizer, porém, que o evolucionimso não, necessariamente, afasta Deus ou o nega. Relembro aqui um renomado cientista brasileiro, cristão praticante, Dr. Estevam Warwick Kerr, que defende o evolucionismo como o instrumento da criaçãod e Deus. Isto é, Deus trouxe do nada o que existe e estabeleceu leis para que a vida se desenvolvesse, no caso, para ele, é a evolução. Mas há, do lado dos cristãos, quem tome a leitura literal da Bíblia e tente sufocar qualquer outra explicação da origem que não se coadune ipsis literis com a Escritura.

A Bíblia não pretende explicar o mundo pelos parâmetros científicos humanos. Incorre em erro quem assim pensa para negá-la, do mesmo modo que vacila no conhecimento quem tenta tomar padrões literários para encaixar o mundo, mesmo aquele em que viveram os autores originais dos textos.

Por fim, creio que negar aos dois o status de verdade em suas áreas, com as respectivas ressalvas, ou tentar misturar os dois no mesmo saco, é um erro que estimula o preconceito, o partidarismo tolo e o confronto que não favorece a causa do Evangelho. Nada pode contra a verdade, exceto a verdade.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Pra que servem os vereadores?


A charge deste post é muito engraçada. Estava na Folha de domingo, 21/dez.
A propósito, alguém lá sabe para que servem vereadores? Não falo no sentido do que é previsto na lei que determina a organização do estado brasileiro e seus municípios. Falo no sentido prático. Existem hoje, no Brasil, mais de cinquenta mil vereadores. O ganho médio de um edil, digamos que seja de R$1.000,00. Temos, portanto, cinquenta milhões de reais de desperdício mensal. A esmagadora maioria não serve para nada. A primeira coisa que fazem é ajuntar-se ao prefeito e arrumar uma maneira de ganhar algum por fora. Uma cambada.
E os senadores, outra cambada de inúteis, querem agora presentear o brasileiro com a conta de mais sete mil e trezentos inúteis. No final serão transformados em cabos eleitorais, que é o único "trabalho" que realizam a cada dois anos, sendo que numa das oportunidades é em benefício próprio.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Que Deus é este?


O texto que segue está na revista Veja desta semana. Reinal Azevedo, autor de "Petralhas" questiona Deus antes as atuais desgraças que assolam vários cantos do mundo, destaque para os refugiados em Dafur, Sudão, África. A foto mostra um grupo de refugiados.

Por Reinaldo Azevedo:
Boa parte das nações e dos homens celebra, nesta semana, o nascimento do Cristo, e uma vez mais nos perguntamos, e o faremos eternidade afora: qual é o lugar de Deus num mundo de iniqüidades? Até quando há de permitir tamanha luta entre o Bem e o Mal? Até Ele fechou os olhos diante das vítimas do nazismo em Auschwitz, dos soviéticos que pereceram no Gulag, da fome dizimando milhões depois da revolução chinesa? E hoje, "Senhor Deus dos Desgraçados" (como O chamou o poeta Castro Alves)? Darfur, a África Subsaariana, o Oriente Médio... Então não vê o triunfo do horror, da morte e da fúria? Por que um Deus inerme, se é mesmo Deus, diante das "espectrais procissões de braços estendidos", como escreveu Carlos Drummond de Andrade? Que Deus é este, olímpico também diante dos indivíduos? Olhemos a tristeza dos becos escuros e sujos do mundo, onde um homem acaba de fechar os olhos pela última vez, levando estampada na retina a imagem de seu sonho – pequenino e, ainda assim, frustrado...

Até quando haveremos de honrá-Lo com nossa dor, com nossas chagas, com nosso sofrimento? Até quando pessoas miseráveis, anônimas, rejeitadas até pela morte, murcharão aos poucos na sua insignificância, fazendo o inventário de suas pequenas solidões, colecionando tudo o que não têm – e o que é pior: nem se revoltam? Se Ele realmente nos criou, por que nos fez essa coisa tão lastimável como espécie e como espécimes? Se ao menos
tirasse de nosso coração os anseios, os desejos, para que aprendêssemos a ser pedra, a ser árvore, a ser bicho entre bichos... Mas nem isso. Somos uns macacos pelados, plenos de fúrias e delicadezas (e estas nos doem mais do que aquelas), a vagar com a cruz nos ombros e a memória em carne viva. Se a nossa alma é mesmo imortal, por que lamentamos tanto a morte, como observou o latino Lucrécio (séc. I a.C.)? Se há um Deus, por que Ele não nos dá tudo aquilo que um mundo sem Deus nos sonega?

Pensamento

"O mundo está num estado perigoso e desesperado atualmente porque temos muito poder e pouca fé"
Alexander Lowen no livro "O corpo em depressão - as bases biológicas da fé e da realidade"

O autor escreveu a frase em 1972, portanto, noutro contexto político-econômico. Fosse hoje ele teria escrever algo mais ou menos assim: O mundo está num estado desesperado atualmente porque há fé em excesso e esta alimentada por delírios de poder.

domingo, 21 de dezembro de 2008

O maior mágico do mundo


Este é o texto de minha Coluna dominical. A idéia parte sempre de uma notícia real e desta desenvolvo uma história.


Um funcionário do ilusionista David Copperfield foi hospitalizado na última quarta-feira (17) com um braço quebrado depois de um dos truques do mágico dar errado no palco. A informação é do site da revista “People”.
O funcionário, não identificado, estava ajudando Copperfield durante a “mágica do ventilador” e teve seu braço atingido pelo ventilador. No truque, o ilusionista parece andar pelo ventilador e desaparece em meio a uma fumaça.
Fonte: Folha Online

O anúncio nos Classificados era lacônico. “Precisa-se de auxiliar para número de mágica. Dos interessados, homens ou mulheres, não se requer experiência anterior. Favor entrar em contato pelo número abaixo. PS. Roga-se que os candidatos ou candidatas tenham boa aparência”. Ele olhou aquilo e pensou lá consigo. Estava na brabeza, sem emprego, o natal às portas, precisava descolar algum. Não que Austregésilo fosse amante do trabalho. De fato, vivia de bico e de pequenos golpes. Pedia emprestado a um, enrolava outro, usava o cartão de um terceiro, pedia que se trocasse cheque que nunca tinha fundos e assim ia levando.
O mundo da mágica lhe parecia algo esplêndido. Não era trabalho pesado, o sujeito estava sempre no palco e sob aplausos. Aquele mundo de ilusão se adequava perfeitamente ao seu estilo de vida. Depois de secar o círculo de pessoas, parentes e amigos, em quem aplicava seus ardis, só fazendo mágica, pensou. Violência não era com ele, sempre foi mofino, mas tinha uma esperteza de dar medo no ramo da mentira e ademais, na última vez que surrupiou uma bolsa pegou tanto pescoção e tabefe que pensava em desistir daquela vida.
Alô, estou interessado no anúncio que foi colocado no jornal sobre um assistente para show de mágica. Quanto é que pagam? Do outro lado, a voz foi receptiva e pareceu atarefada, como se estivesse atendendo outras ligações ou pessoas. Sim, é daqui mesmo. O senhor tem experiência em mágica? Não. Ok, isto não é problema. Que dizer, tenho. Melhor ainda. O que o senhor sabe fazer? Desaparecer coisas. Que tipo de coisas? Porta-jóias, bolsas, pequenos objetos de valor. Nisso não mentiu. Ah bom, então o senhor é especializado em pequenas ilusões? Isso. Sim, mas quanto pagam? O senhor pode passar aqui o endereço é... disse lá o lugar.
Austregésilo, malandro, estava meio desconfiado, mas o que perderia? Quando chegou ao endereço, ficou ainda mais com o pé atrás, aquilo era um pardieiro. Um velho e alquebrado casarão na Rua do Giz. Uma escada tortuosa e balouçante rangia anunciando o visitante. Olá! Entre, por favor. Um sujeito maneiroso com um bigodinho e rabo de cavalo veio serelepe atendê-lo. Austregésilo não estava gostando daquilo. Temos pouco tempo, disse o homem, você é o trigésimo candidato que atendo hoje e só ficarei com o melhor.
Muito bem, a função é simples. O senhor fica encostado nessa tábua e eu lanço facas flamejantes de olhos vendados. Mas não se preocupe, Janjão, meu outro auxiliar, faz aquela fumaça seca e crava a faca no lugar de pertinho. Não há perigo. No outro número, eu serro a pessoa ao meio. Também uma bobagem, Janjão fica numa banda e você na outra. E o número mais legal: faço você atravessar um ventilador em movimento. Austregésilo já pensava em declinar e ir embora, mas, por acaso passou a mão no bolso e estava vazio. O Janjão não ajuda nessa aí não? Claro que sim. Ele liga o ventilador e o resto é com a gente. Não te preocupa, tem um lance de um espelho que confunde o povo e ele jura que tu entrou no ventilador.
Janjão era um atoleimado, meio corcunda, que fazia quase tudo nas mágicas. Era também copeiro, mordomo, limpa botas e que mais fosse que seu patrão precisasse.
Austregésilo via que aquilo tudo era uma roubada, mas miserento como estava, não podia escolher. Senhor Mefisto, quanto ganho? Bem, para começar, cinqüenta contos por noite. Corro todo este risco por cinquentinha, só? É pegar ou largar. Tem fila aqui para o posto. Tá bom, vou topar. É assim que eu gosto. Começamos hoje à noite.
Naquela noite, a casa lotou. Mefisto estava que esfregava as mãos. Começou com o lero-lero de desaparecer lenço, tirar moeda da orelha dos outros na platéia quando a vaia desabou, ele tratou de encenar os números mais perigosos. No último número do ventilador mandou Janjão enfumaçar pra valer. Chamou o assistente Austregésilo que veio numa colante-vermelho- vivo-entrando-na-bunda e a cara pintada. Num gesto apoteótico mandou Janjão ligar o ventilador, entrou no fumacê. Deixou o assistente em pé diante do público e rapou o caixa e sumiu.
Janjão e Austregésilo tomaram uma surra dos diabos quando o público percebeu que era tudo malandragem, sem contar o dono da casa de espetáculo.Um mês depois, Austregésilo ainda apresentava hematomas, uns dois dentes perdidos e anunciava num interior perdido do Maranhão o maior espetáculo da terra. O homem que era capaz de fazer uma pessoa atravessar um ventilador em movimento e contratava assistentes.

A estupidez humana


Na semana passada vi algo que ainda me surpreende na atitude das pessoas. A avenida estava relativamente livre. De repente, buzinadas insistentes do carro à frente me chamaram a atenção. Uma mulher conduzia um Siena prata e tentava chamar a atenção de um outro condutor, que dirigia um Civic também prata.
Pensei, deve ser uma porta aberta, algo caiu... mas logo entendi. As buzinadas eram um tipo de xingamento. A mulher parecia apoplética. Agarrada ao volante, gritava, falava impropérios que, naturalmente, o condutor do Civic não ouvia, pois estava com os vidros todos fechados.
Por mais de dois quilômetros segui aqueles dois. O Civic impedia a passagem da mulher, que aumentava a intensidade da buzina. Num momento, o condutor do Civic quase pára e efetivamente reduziu a velocidade para impedir a passagem do outro carro.
“Sou humano e nada do que é humano me é estranho”, disse Terêncio, Publius Terentius Afer (185 a.C. - 159 a.C.), dramaturgo e poeta romano. Confesso, porém, que me desconcerta este tipo de atitude, sim. Ao mesmo tempo, sei que este tipo de armadilha está sempre à minha espreita. A arapuca da ignorância, da irracionalidade, do medo, da violência. Um labirinto no qual, dentro dele, não conseguimos sair sozinhos.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Estamos em clima de Natal. Começo o blog com um texto que será publicado na Página Gospel do Jornal Pequeno. A PG é publicada sempre às segundas-feiras. O blog trará os textos semanais publicados tanto nessa página como na Coluna Eudes Alencar, que sai aos domingos no mesmo jornal.

Bate o sino pequenino, sino de Belém... Entramos no frenesi do Natal. A palavra não é adequada, porque evoca exaltação ou delírios violentos, o que não encaixa com o espírito de Natal histórico, que lembra uma calma noite de verão nos arredores da pequena Belém de dois mil anos atrás. Bem diferente da Belém de hoje, cercada de muros e disputada a tiros, homens ou mulheres bombas, intolerância e incompreensão, sectarismo religioso.

O mundo virou de ponta cabeça desde então. Não que fosse arrumadinho, mas tratamos de dar ao Natal outros sentidos que o capitalismo resumiu apenas na melhor data do ano para vender e embrulhou em papel de presente e decorações feéricas. Representou por um velhinho de vermelho que voa num trenó puxado por renas mágicas e é ajudado por duendes e vive no pólo norte. E tudo isso soa normal, porque somos ensinados desde pequenos. Lembro bem da emoção de olhar debaixo da rede ou cama na manhã de natal. Não era na lareira ou debaixo da árvore porque não tínhamos ambas, embora em minha mente a paisagem estivesse branca de neve num calor de 35º. Aquela emoção era boa, não o brinquedo que logo estava esquecido num canto.

Mas frenesi é o que se vê nas ruas atopetadas, nas avenidas engarrafadas, nas filas serpenteantes para quase tudo, que as pessoas suportam de forma estóica e até risonhas. E compram, compram como que enfeitiçadas. Feio é não carregar uma sacolinha qualquer, para muitos é quase uma crise existencial. Comprar é fácil, satisfaz ao gozo do poder, principalmente se o produto é uma traquitana eletrônica “da hora” de menos de cem reais que serão pagos em 24 vezes a juros escorchantes, mas quem se importa?

E não é em nome disso, esta fantasia, que todos defendem a magia do Natal? Lembro, porém, que me incomodava não poder brincar no trenó que agora se parece com um carrinho de supermercado cheio de produtos típicos: peru e frutas exóticas, castanhas alienígenas e presentes que a etiqueta me obriga a dar mesmo àqueles com quem quase não falei durante o ano inteiro, principalmente se tenho o azar de tirar este estranho num destes amigos invisíveis. Sinceramente, isso não lhes parece esquisito? Acho que terei que ser abduzido por algum disco voador para entrar neste clima ou voltar para meu planeta... a pé.

Por falar em magia, me culpo por não senti-la. De onde vem mesmo ou o que é isso? Alguém diz que é um clima de alegria, sentimento de paz, uma vontade de fazer o bem. Ei, isso é bom. Desde que não se torne um acerto de contas, uma forma de limpar a ficha e acalmar a consciência por ignorar os outros ao longo do ano. Mas por que se sentir culpado se a vida moderna que construímos é feita de indiferença mesmo, pede distância e reserva porque nesta selva de males no que tornamos nossos espaços urbanos, nunca se sabe quem é este estranho ao lado no ônibus, na fila, na carteira da escola, na sala de trabalho.

Lá estou eu um ano depois sapecando azedume no seu Natal. Desculpem leitores, não tenho paciência com acordos socialmente aceitáveis e mais dificuldade ainda de fazer concessões neste quesito, só a muito custo e se não der para fugir. Sei... é melhor dizer que pelo menos temos um dia no ano para fazer bons atos, reunir a família ao redor de uma mesa farta ou nem tanto, dizer feliz natal para o outro seja entre risos ou entre dentes, e daí? De qualquer modo, importa comemorar esta festa que celebra uma paz que precisamos desesperadamente.

Mas deixem que mude este disco de rabugices. Debaixo deste imenso tapete de consumismo sei que há algo de bom, sim. Muitos se lembram de Jesus e de sua maravilhosa missão entre os homens. Tem gente que se reconcilia porque é Natal. Tem gente que faz coisas legais. Sabe uma que você pode fazer? Atender uma daquelas cartinhas de criança que vão para os correios.

Mesmo que temporário, se você é afetado pelo clima natalino, peça desculpas. Diga “por favor”. Agradeça a todos que encontrar pela frente. Esqueça o machucado que alguém lhe infringiu. Dê preferência no trânsito. Deixe o pedestre passar e não avance sobre ele apenas porque se atrasou na travessia do sinal. Diga “eu te amo” para alguém que precisa ouvir mais vezes ao longo do ano e que você esqueceu. Abrace seu filho ou filha. Dê beijos neles. Faça cócegas em suas barrigas e faça sons esquisitos com a boca para demonstrar o mimo. Os grandinhos farão que não gostam, mas gostam.

Sei que muitos, neste Natal, estarão doentes, tristes, sozinhos e por mais que se encourassem emocionalmente, serão afetados por sentimentos ruins exatamente pela sua condição. Não é correto que alguém se force a ficar alegre só porque é Natal. Mas se entendermos que Jesus dá alegria, cura enfermos das formas mais incríveis – às vezes cura a alma cansada, não o corpo – e é companheiro, então o Natal nasce em seu verdadeiro sentido, porque para além das comprinhas e dos capitalistas ensandecidos com vendas, Natal é ato de amor, pois é isso que significa Deus enviar seu Filho para nós. Quem sabe o Emanuel se torna seu grande presente?

Viva o Natal como um grande parêntese na vida dura que o ano lhe deu, se ele não foi tão bom como esperava. Sei que somos movidos por resultados que podemos computar, medir, tocar. Reputamos como de somenos o alvo de ser melhor como pessoa. A pergunta é: de que me adianta? Alguns acrescentarão: isso não enche barriga. A questão é exatamente esta. Ser melhor como pessoa dispensa bens que tanto valor se dá. Eles são importantes, mas se tornam menores. Agora, não dá para ser melhor na base “vou ser por mim mesmo”. Precisamos da doce presença de Jesus na vida.

Eu quero neste Natal desejar-lhes, prezados e queridos leitores, que as misericórdias de Deus repousem sobre suas vidas. Que a paz de Cristo, que é muito maior do que podemos entender, encha suas casas. Que haja encontros de alegria, e que o Senhor lhes guarde de todo o mal.

Feliz Natal em Cristo.