Há alguns
anos, logo após me formar em Agronomia, decidi passar uma temporada em Israel.
A um profissional recém-formado era e é um sonho poder conhecer/participar das
atividades agrícolas em um país que desenvolveu as melhores tecnologias de
irrigação e utilização da terra porque tudo é pouco e limitado. Diz-se que a
necessidade é a mãe de todas as invenções.
Naquele tempo,
eu já havia me convertido e tinha intensa atividade na faculdade com a ABU e em
minha igreja. Mas, curiosamente, isso não pesou tanto na minha decisão – embora,
sim, eu lembrasse que estaria na terra mítica e que tantas vezes recriei na
mente em minhas leituras da Bíblia. Após um ano de planejamento e espera,
cheguei a Israel. Naquele tempo havia atentados em ônibus com muita frequência.
Lixeiras eram usadas para disfarçar pacotes-bomba. Eu mesmo estive num lugar em
Tel-Aviv no qual, dois dias depois, um pacote suspeito explodiu.
Numa viagem,
ao subir de Tel-Aviv para Jerusalém, vi no fundo de um abismo dezenas de
bandeirolas de Israel. Alguém me explicou que dias antes ocorrera um atentado.
Um palestino atacou o motorista e o forçou a jogar o carro no precipício.
Morreu mais de uma dezena de pessoas. Uma bandeira para cada morto.
A maior parte
do tempo, porém, vivi no campo. Entre um Kibutz e um Moshav. O Kibutz estava
perto de Sderot, cidade que mais recebe foguetes do Hamas, que naquela época
não existia como entidade política. Gaza já era terra de medos para qualquer visitante.
No Moshav, em pleno deserto do Neguev, algumas vezes tivemos que nos recolher e
não sair para o campo, porque haviam acontecido ataques, isolados, mas ataques.
Um assassinato de um agricultor. Um movimento hostil.
A gente meio
que se acostuma. Mas meu olhar era de estrangeiro. Várias vezes conversei com
palestinos, cada qual com seu inglês macarrônico. Acho que todos demonstravam
verdadeira alegria por conhecer um brasileiro. Queriam saber de futebol, claro,
mas logo para mim que sabia pouco mais que eles. Perguntavam pela Amazônia e
tantas outras coisas, mas sempre eram afáveis. Gente comum. Um vendedor. Um
camponês que vinha de ônibus da Cisjordânia para trabalhar nos plantios
israelenses. O recrudescer das hostilidades, aos poucos, acabou com essa fonte
de renda por medo dos dois lados. No meio, a imensa maioria de famílias,
pessoas simples, que só queriam e querem viver.
Mas se recebi
simpatia de judeus e palestinos, senti o gosto do desprezo e da arrogância
religiosa de um jovem judeu ortodoxo. Ousei sentar ao seu lado no ônibus. Era o
único lugar disponível. Ele imediatamente levantou e ficou em pé. Ri por dentro
meio que estarrecido pela atitude do rapaz.
É verdade, fui
perguntado por que gostava dos israelenses e ouvi “benzonai” de parte a parte.
Cada qual queria me colocar do seu lado certo. Vi israelenses amaldiçoarem
palestinos. Eu simplesmente dizia que não tinha por que odiar ninguém. Fiz
amigos dos dois lados. Vi gente triste e ressentida dos dois lados. Ouvi
histórias de traições, de pessoas que ensinam seus filhos a odiarem sem saber o
porquê. Vi cartilhas do jardim de infância com caricaturas de judeus sendo
afogados no mar. Eu não tinha ideia de quanto ódio estava plantado na Terra
Santa. Que lugar terrível!
Desde então, tudo
ficou muitíssimo pior. Amei os dois lados porque os vi em sua humanidade, tão
parecida à minha. Então, um ato ridículo da diplomacia brasileira desencadeia
fervorosas defesas em favor de Israel. Particularmente por parte dos
evangélicos. Ora, esta diplomacia petista não se confunde com o país, embora
momentaneamente o represente. Do mesmo modo que o Hamas não representa aos
palestinos. É sobejamente conhecido que o fazem à força da expropriação da
vontade das pessoas, da coerção religiosa. O que (ainda) me surpreende é que as
reações do nosso lado sejam igualmente tortas e extremadas.
Orar pela paz
de Jerusalém (Israel) se confunde com a inação ou silêncio pela morte de
milhares de pessoas? Simpatizar com Israel pede nossa cegueira com sua
violência? É nosso dever escarafunchar quem tem razão? E temos como dar razão para
qualquer dos lados? A história é problema de Deus. As pessoas, nossos
semelhantes em sofrimento e dor, são nosso problema. E digo: o palestino
desesperado e desprezado bem como o israelita amedrontado e cansado de guerra.
Um caminho que
inclui a mulher sírio-fenícia, o samaritano, o romano, o grego, o gentio, o
homem e a mulher – nem a circuncisão ou a incircuncisão são coisa alguma – é o
do olhar de Jesus – pareceu piegas, eu sei – é sua atitude de tolerância e
acolhimento. Desafio todos os que se posicionaram unilateralmente ao lado de
Israel ou os que só veem palestinos como vítimas, que conheça os dois lados.
Não o conhecimento das peregrinações deslumbradas que tocam o muro como se
fosse a porta do céu, que carregam folhas de oliveiras, terra e água do Jordão
como se fossem sagrados.
Foto1: crianças palestinas mortas
Foto2: os três adolescentes judeus assassinados (Naftali, Gilade e Eyeal)