sexta-feira, 8 de abril de 2011

Aparências, nada mais

Há coisas que são o que parecem ser. Outras parecem, mas não são. Ainda outras, são, mas não parecem e, por último, há aquelas que nem parecem e nem são. Sei que comecei este texto de maneira torta, forçando o leitor, neste domingo, que quer manter a cabeça fria e ler somente aquilo que nada ou pouco lhe exige, a fazer circunvoluções mentais para entender estas frases típicas de pegadinhas lógicas. Relaxe, caro leitor, não é nada disso.
Assumo, é um arrodeio para pegar no tranco um texto que estava meio difícil de moldar. Afinal, dizem aqueles que sabem mesmo escrever e vivem do ofício, que há dias de absoluta sequidão. No meu caso, nem a internete com notícias em páginas cornucópicas – ops, não é o que você pensou – são suficientes para despertar a atenção e facilitar o pobre coitado aqui a preencher o pedaço de página que lhe cabe.
Olha só, cheguei ao terceiro parágrafo com esta conversinha, mas não se avexem, há uma história para contar. Então, porque falei daquelas parecenças acima? Aqui vai. Meu personagem costuma ir a livrarias como um menino que vai à loja de doces. Ali se distrai, folheia um livro e outro, marca alguns como destinados a serem comprados em hora oportuna, quando lhe caem os cobres no início do mês. Se passar lá antes disso, folheará o objeto do desejo umas quantas vezes como a convencer-se de que deve mesmo comprá-lo e deixá-lo-á em estratégico esconderijo, a salvo de algum outro leitor.
Num destes dias que tocou efetivar a compra do esperado livro, estava já à beira do caixa e tranquilamente aguardava sua vez de ser atendido. Enquanto isso passeava os olhos pelos livros nas prateleiras próximas. Já se impacientava com a lerdeza do atendimento quando viu, em cima do balcão, diante da jovem que o precedia no pagamento, um livro cujo título era “101 posições sexuais”. A capa era discreta, estava ilustrada pelo torso nu de um casal, nada demais afora as letras vermelhas do título.
Pergunta-se meu personagem a razão da exatidão da quantidade de posições ofertadas. Ouve bem depois que o 101 tem a ver com um objetivo meramente marqueteiro. Não é 99, são mais de 100 posições. Efeito psicológico no comprador. Envolto ainda neste enigma, percebe que a moça à frente é a provável compradora. Ela não era feia, nem bonita. Era comum. Ele se admira que ela compre aquele livro e nem tente esconder nada, a capa, por exemplo. Sinal dos tempos? Emancipação feminina?
        Será que ela quer apimentar a relação? Alguém é capaz de praticar 101 posições?, indaga-se meu personagem. Pareceu-lhe um tanto exagerado. Convenhamos, é preciso ter um bocado de disposição e arte, porque certas posições são virtualmente coisa para contorcionistas profissionais. Além disso, neste quesito, ninguém inventa nada que o Kama Sutra já não tenha registrado. Quer dizer, não há nada de novo debaixo do sol, e posição não apimenta nada que já não tenha perdido seu próprio calor. Assim, gastava o tempo meu personagem e a moça lá, indiferente com seu ar blasé.
O celular dela toca. Não deu pra ouvir muito, mas o suficiente para confirmar uma segunda teoria de meu personagem. A moça deveria ser uma destas que põem anúncios nos classificados tipo “Kendra. Louca por sexo.” Há de se convir, entretanto, que estas mocinhas sabem coisa do arco da velha e um manualzinho frufru daqueles não acrescentaria nada. Mas quem sabe, funcionaria como um catálogo para os clientes. Fazia sentido. Mas que nome ela teria? Tinha cara de Francilene, será que usaria algo como “Pati, mignon gostosa”?
Em dado momento, ele a ouve responder... “Bruna e Bárbara”. Olha só, elas são três, pensou. E pouco mais adiante a moça garante ao interlocutor. “Sim, Bruna e Bárbara vão pra lá...” Os nomes, como se sabe, são bem comuns como pseudônimos daqueles anúncios dos classificados e, com certeza, ela deve administrar outras garotas. O personagem se orgulha de ser tão perspicaz. Está tudo claro, e tão somente ele viu uma capa de livro e ouviu umas poucas palavras. 
A compra da moça finaliza. Já não era sem tempo. Sem que o personagem tivesse percebido, ela, ao estender a mão para pegar a nota, levanta o saco com seu livro dentro, enquanto o das 101 posições jazia no mesmo lugar. Secamente ela voltou-se para a porta e se foi. Estupefato, meu personagem ainda ria de si mesmo quando a vendedora desmotivada e com ar de enfado lhe pergunta: “crédito ou débito”?