domingo, 1 de abril de 2018

Suburbicom

Bem-vindos ao paraíso! Esta é uma frase comercial para atrair ao bairro familiar perfeito no filme Suburbicom. Roteiro dos irmãos Joel e Ethan Cohen, dirigido por George Clooney. Estrelam Matt Damon e Julianne Moore como Gardner Lodge e Rose/Margareth. É que Moore faz o papel de irmãs gêmeas.
O bairro Suburbicon é resultado do incrível crescimento econômico americano no pós-guerra. Milhares de bairros suburbanos apareceram naquele período com suas ruas e casas impecáveis, típicas para as famílias que se formavam, com amplos espaços e todo tipo de comodidade.
Tudo parece funcionar perfeitamente, exceto que nestes paraísos artificiais – ou em qualquer outro – sempre estão cheios de gente e onde tem gente... Em nós o mal se abriga e não é a perfeição exterior que nos transforma em pessoas boas.
Duas histórias seguem paralelas. Um casal de negros e seu filho compraram uma casa no bairro perfeito. Ou seja, eles ousaram querer entrar no paraíso. Ao lado, uma família de brancos. Gardner, o pai, é um típico homem daquele momento: trabalha e sustenta a família, que é formada pela esposa paraplégica, sua irmã gêmea que mora com eles e o filho lá pelos 10-11 anos.
O nome do personagem de Damon sugere uma ironia. Ele é um jardineiro ao contrário, pois transforma o jardim em caos sempre com uma fleuma assustadora.
O filme segue o enredo básico dos Cohen. O que nós vemos não é o real. Há sempre um submundo disfarçado, à espreita. Alguém tenta obter vantagem, obviamente de forma trapaceira e imoral/ilegal. Alguém é um parvo completo ou inocente em suas atitudes e desejos e são estes que se safam, mas por uma ironia de forças desconhecidas.
Os maus são duramente castigados, mas por sua própria ganância e maldade. Eles destroem tudo ao redor e a si mesmos. Nos filmes dos Cohen, a maldade está a olhos vistos, porém, disfarçada. Basta ver alguns deles: “Onde os fracos não tem vez”, “Os matadores de velhinhas”, “Queime Depois de Ler”, “Um homem Sério”. Sim, não há final feliz. Talvez porque a história, a minha e a sua, não acabou. Todo final feliz é precário.
Há uma crueza na exposição dos sentimentos/emoções mais profundos nos personagens. É o caso de Suburbicon. A população de gente branca, religiosa, ordeira do bairro vai numa gradação cada vez mais violenta até explodir em desatinos que, por pouco, não matam a família de negros. O mal em latência submerge. Mas à medida que vem à tona, cada ato ruim parecerá menor ao seu perpetrador. É como uma droga, para dar barato a dose deve crescer continuamente.
Talvez numa alusão a estes tempos loucos em que mentiras tem força de verdade e se disseminam como doença contagiosa que encontram mentes receptivas para crer em todo lugar, a comunidade também acredita em várias teorias conspiratórias que fazem elos de causa e efeito com a chegada da família de negros. Em todo lugar e época as pessoas querem bodes expiatórios para esconder sua própria responsabilidade sobre as desgraças.
Na casa ao lado, a vida de Gardner e família vai sucumbindo a cada ato que desencadeia uma rede de acontecimentos que não podem ser parados. A cada remendo, a situação piora.
Evidente que um filme tem que simplificar bastante para contar sua história. Mas a vida real está cheia de exemplos, quem sabe conosco mesmos em que, tresloucadamente, escolhemos coisas que fazem rodar uma engrenagem desconhecida e nada que fazemos parece melhorar.
A trama urdida por Gardner: matar esposa, ficar com a cunhada, dar um golpe no seguro e se sair bem para morar no Caribe, parece perfeita até que ela é realizada. Infinitas possibilidades podem acontecer. Não temos controle de nada e, em certo sentido, apenas podemos, precariamente, reagir aos acontecimentos que, por si mesmos, engendram outros e outros numa cadeia infinita cujo final é impossível prever.