domingo, 14 de agosto de 2011

A terrorista do batom


Com o anúncio de que notas de dinheiro com tinta rosa perderiam o valor pela suspeita de terem sido roubadas de caixas eletrônicos, os brasileiros correram para trocá-las. Em três meses, após a onda de assaltos a esses equipamentos, a maioria das cédulas enviadas ao Banco Central estavam, sim, manchadas, mas por outros tipos de marcas: entre elas, batom.

Fonte: Folha de São Paulo. De Brasília

Bateram à porta com tanta força que ela, assustada, quase se estatela cama abaixo. O coração batia tão alto que sentia a leve e incômoda pressão contra o peito. Tentava raciocinar, aclarar as ideias. Afinal, ainda não sabia se sonhava ou se, de fato, ouvia pancadas na porta da frente.
A noite fora animada e apenas chegara à casa há, por bem dizer, minutos. Quem seria o louco? Pensou o pior. A morte de alguém próximo. Só podia ser. De uma coisa estava certa: não era sonho. Por momento, houve um grande e profundo silêncio. Já se acalmava... então, novas pancadas fortes. Mesmo acordada, sobressaltou-se. Foi à porta e perguntou tímida: quem é? Uma áspera voz masculina falou: é a polícia federal.
Só podia ser brincadeira. Beliscou-se. Não, estava acordada. Tentou acalmar-se. Nada fizera de errado. Não havia nada a temer, pensou. Abriu a porta. Três homens  entraram de sopetão. Um deles deu-lhe um papel sem olhar em seu rosto. Era uma autorização judicial para entrar em sua casa. O que está acontecendo? Eu exijo uma explicação! Outro policial ainda sem olhar para ela. Então é aqui que você se esconde? Eu moro aqui, não me escondo. O que fazem aqui? Vocês estão me confundindo.
O que parecia ser o chefe por fim olha para ela. Não há dúvida, não há confusão. Você é procurada. Procurada por quê? Porque cometeu um delito de lesa pátria. Lesa o quê? Não importa. Aqui está a prova. Mostrou uma nota de dinheiro dentro de um saco plástico. Como essa há muitas mais, todas com seu dna. Um outro exclama: por um trabalho tão nefasto, achei que deveria ter um baita beiço.
Sente-se. Nossa perícia é infalível. Esta prova – a nota parecia manchada de tinta rosa – diz que você tenta desestabilizar o sistema financeiro nacional. É uma terrorista. Pior que o Bin Laden, disse o mais calado. Vocês estão loucos! Saiam da minha casa. Lamento, senhora, seu crime é grave. O peso da lei se fará sentir. Que crime?! Seus loucos! Olha como fala ou será presa por desacato.
Ela chorava, tremia, esbravejava. Estava aturdida. O negócio é o seguinte: os recentes ataques aos caixas eletrônicos levaram os bancos a instalar uma tinta para manchar as notas. Nota manchada nada vale. Deve ser devolvida para ser destruída. Acontece que milhares de notas tem batom com seu dna. A senhora está destruindo as notas que são patrimônio nacional. É pior que batom na cueca, disse um tentando ser engraçado.
A senhora acha que iria sair ilesa? E seus companheiros de delito, onde estão? Não sei... quero dizer, NÃO há companheiros. Eu não coloquei batom em nota nenhuma. Mas lembrou. Tinha a mania de beijar as notas que recebia nos serviços de acompanhante que prestava. Queria fazer um pé de meia rápido. Tinha os apetrechos corporais. Mas pensava em sair daquela vida. Mas não para a cadeia. Negaria, não ia se entregar fácil. A senhora nega? Será muito pior.
Por sua causa as pessoas estão em polvorosa. Sua ação é subreptícia, pior que as dinamites das quadrilhas assaltantes de caixa eletrônico. Ataca na surdina. Quando o cidadão se espanta, tem uma nota sua nas mãos... que não vale mais nada, diga-se. Quantas pequenas economias a senhora destruiu? A coisa está feia para o seu lado.
Olha, o mundo vive uma crise lascada. Os EUA, a Europa, Japão estão todos debaixo de cacete. Só o Brasil segue firme e a senhora tenta destruir o dinheiro nacional. Isso é que não pode. Mas só por causa de uma marca de batom que EU não fiz? E a senhora acha pouco? Sabe quantas notas foram inutilizadas? Milhares e milhares. Dinheiro perdido, riqueza jogada fora.
Vocês não podem me prender. Não acredito na prova que trouxeram. Isso é uma pegadinha, não é? Antes fosse, minha senhora, antes fosse. Não tente nos ludibriar. Sabemos que foi a senhora. Seu grupo quer acabar com o Banco Central Brasileiro. Então, vai assumir ou não? Nunca. Pior para a senhora. Algema a terrorista, Pereira.