Fonte: Stacy Teicher Khadaroo - The
Christian Science Monitor Estadão (26/07/2014). Tradução de Celso Paciornik
Ainda outro
dia, escrevi aqui sobre um movimento contra o fiu-fiu. Um grupo de mulheres
resolveu fazer guerra contra as piadas, os psiu e as cantadas públicas feitas pelos
homens. Um site recebe as reclamações e ali mesmo se finca uma bandeirola
digital num mapa do Google. Pronto, aquela região está condenada como um lugar
em que magotes de homens ou caçadores solitários espreitam mulheres para lhes
dizer asneiras como: Princesa, linda, fofa, gostosa e frases engraçadas.
Não estão
distribuindo tasers ainda – aquela pistola elétrica –, mas acho que tem um kit
spray de pimenta com apito para as ditas vítimas atacarem os conquistadores de
meia pataca. É um desbunde de manifestações entre as quais se encontra a Marcha
das vadias e toplezaços – públicos, naturalmente – com o fim de denunciar uma
laia machista que trata a mulher como coisa, segundo dizem.
Um pouco mais
velho, um livro de 2003, de certo Mike Domitrz,
defende que em relacionamentos – ele só fala entre seres de sexos diferentes –
todo ato deve ser antecedido de um pedido. Desde então, o homem ganha a vida
dando uma palestra que tem o sugestivo título: "Can I
Kiss You?” Em tradução macarrônica, entenda-se de minha própria lavra, seria:
Eu posso beijar você?
Nosso descobridor dos sete mares da intimidade
arrisca dizer que a prática de sua receita evita, vejam só, o custoso exercício
da leitura da linguagem corporal que, segundo alerta, pode levar a equívocos.
Como geralmente cabe ao macho humano a investida, pobre que não teria a
habilidade de interpretar feromônios, estes indubitáveis. A fêmea disposta a
acasalar sempre exala o cheiro e pronto. Não é o fato. Há fêmeas humanas que se
divertem com a linguagem dúbia. O sim é não. O não é sim. E ainda existe um
meio termo que sabe-se lá o que significa.
Então, antes de cruzar a linha Maginot inadvertidamente,
em particular aqueles embalados pelo criador de coragem universal, o álcool,
melhor acertar tudo antes. Aliás, a regra de ouro de Domitrz, sabedor que
aquilo de bêbado não tem dono, é que o encontro só pode acontecer com ambos
sóbrios. Entre uma solicitação e outra, nosso especialista afirma que as
pessoas se sentem melhor quando as regras são claras. O diabo, dizem os sábios,
mora no detalhe. Imagino que seja impossível definir todos os limites possíveis.
Só para o caso de alguém querer se precaver.
A lista seria, virtualmente, de léguas. Talvez
minimizasse a insegurança de alguns, mas correria o risco de se tornar aquele
personagem que gosta de tudo muito bem explicadinho. Então, a mão aqui pode?
Pode onde? Aqui, ó? Para aí. Mão congelada. Deixa eu ver no acordo. Você está
quatro centímetros dentro da zona proibida. Melhor afastar um pouquinho. Assim?
É... não, deixa aí mesmo. Tem certeza? Melhor não, né? Aqui diz que só depois
de roçar a perna pode por a mão aí. Então voltamos para o passo 2? Qual é o
passo 2? Aquele que cruza o dedo desse jeito e cutuca o cotovelo. A gente pode
pular esse passo? Achei estranho. O quê? Cutucar o cotovelo? É.
Aperto?
Não muito. O que é “não muito”? Vai apertando que eu digo a hora de parar.
Assim tá bom? Você é muito inseguro. É que não tenho um medidor no braço. Não
precisa ser ignorante. Mas eu só quero acertar o aperto. Vamos parar? Tentemos
um beijo, então. Mas já? Eu falei tentar. Tentar é fazer, não é? Mais ou menos.
Tudo bem, podemos tentar. Vai língua? Na terceira fase. E tem fase? Tem, você
não leu o acordo? Encosta só o lábio. De longe ou de perto? Como assim? Posso
chegar o resto do corpo ao seu corpo? E como é que vamos beijar distantes? Sei
lá, só quis saber. Deixa rolar. E o manual? Que se dane.