sexta-feira, 20 de junho de 2014

E se... Análise do filme "No limite do amanhã"



No limite do amanhã, filme ainda em cartaz com Tom Cruise e Emily Blunt, sai um pouco da repetição do Missão Impossível e do horrível  Encontro Explosivo, uma cópia do anterior, com uma atriz que não sabia que o gênero era ação e não pastelão; ou ainda o esquisito Jack Reacher, que também copia Missão.
A ideia em No Limite do Amanhã já foi explorada de outras formas, mas continua interessante. Talvez porque todos nós queiramos a chance de recomeçar tantas vezes quanto possível e não cair nas mesmas esparrelas, velhos erros – alguns dos quais cometidos repetidamente e nos dá gastura só de lembrar – e, magicamente, anteciparmos o momento zero da escolha fatal e desastrosa e, antes dela, nos safarmos pela direita, como o faria o leão da montanha.
O título em inglês é direto: Live. Die. Repeat. (Viva. Morra. Repita). Não soa tão pretensamente poético como No Limite do Amanhã – uma das poucas vezes em que um título para o mercado nacional supera o título original. Mesmo que tenhamos, não poucas vezes, a clara certeza de sermos repetitivos, em atos e palavras, é porque apenas não aprendemos ainda o que se deve porque, como disse Heráclito, tudo flui e é impossível descer ao rio duas vezes e ele ser o mesmo.
O personagem de Cruise (Bill Cage) é um militar que trabalha como relações públicas das forças de coalizão contra um invasor alienígena. Por alguma razão, acaba no front de guerra, lugar do qual tenta fugir. Até mesmo ensaia uma desobediência, o que o coloca no pior grupo de soldados como castigo e na leva que servirá de bucha de canhão.
Na invasão, que muito se assemelha ao dia D que completou 70 anos (6 de junho de 1944), Cage se vê no meio de um fogo cruzado depois que seu avião cai atingido pelo inimigo. Por pura sorte, escapa de vários ataques e também por sorte acaba matando um líder alfa dos invasores. O sangue do ser cai em seu corpo e o mata, mas também lhe prende numa armadilha temporal. Toda vez que morre na batalha, volta ao exato instante em que se reúne aos seus companheiros. Logo, a cada morte e volta, ele sabe um pouco mais do que acontece.
Incrédulo, ele tenta avisar seus amigos que, claro, não acreditam. Tudo se repete e, mais uma vez, morre e volta. O filme ameaça a ficar tedioso com esta sequência de mortes e retornos como se materializasse o eterno retorno nietzscheano. Um ouroboro que enlaçou o personagem num único dia condenado a se repetir vezes incontáveis.
Se digo condenado, é porque apenas Cage tem conhecimento deste fato aterrador. Nesse meio tempo, ele encontra uma mulher, Rita Vrataski (Emily Blunt), heroína de guerra que teve o mesmo poder, mas que o perdera. Eles unirão suas forças, ajudados por um cientista julgado louco porque fazia experiências com esta realidade.
Por outro lado, o inimigo, o ômega, tem o poder de antever o futuro e pode reagir a cada fato já conhecido, o que lhe dava uma vantagem na guerra que claramente estava sendo ganha por ele. Este mesmo inimigo, ser tentacular, impiedoso, metamorfo, rápido, quase que se materializa do nada, bem simboliza a sensação diante de tantos eventos na vida. A desgostosa percepção de que por mais que se faça o resultado sempre é ruim.
Por ser de ação, o filme não está preocupado em nos fazer pensar que voltar tantas vezes ao mesmo ponto pode ser uma forma de se conhecer. Nós, que estamos condenados a avançar sempre para o desconhecido, vamos às apalpadelas. Talvez haja nisso algo extraordinário e acertar tem sempre a ver com a incrível habilidade adaptativa, armados apenas com a sombra do aprendizado de algum evento anterior. Aí está a aventura da vida.

domingo, 15 de junho de 2014

A Copa



Tentei fugir do tema – a Copa –, mas foi difícil. Ela está onipresente em todos os meios de comunicação. Tenho cá meus senões em relação à sua realização no país. Para muitos, os que pensam como eu, são, no mínimo, não patriotas. Mas em nome da pátria se costuma cometer as maiores sandices. Não à toa o gênio de Samuel Johnson – jornalista, tradutor e escritor inglês do séc. XVIII – argutamente cunhou uma frase lapidar contra os que se refugiam neste sentimento em desfavor da verdade, da justiça e de qualquer outra coisa que se julgue boa, mas renega sua visão de mundo: “o patriotismo é o último refúgio de um canalha”.
Parece que não estou só em meu desconforto. O brasileiro médio – esta entidade que desconheço –, que ajudou a dar nome ao mascote da Copa, escolheu o mais representativo de nossa verve humorística, mas também de nosso desconcerto. O pobre tatu-bola recebeu a alcunha de fuleco. No Nordeste, esta palavra está tão perto de fuleiro que é quase impossível não lembrá-la. Seria isto uma premonição? Aliás, você viu o fuleco na abertura da Copa? Acho que cavou um buraco e meteu-se dentro.
        Vaias e xingamentos cabeludos contra a Dilma – a presidente – e o público levou apenas um ou dois fotogramas para percebê-la escondida, encarapitada na bancada de honra do estádio. No dia seguinte, desacorçoada, carregada de imenso despeito e ressentimento, desandou a discursar platitudes numa inauguração eleitoreira em Brasília. Mais animada no discurso frouxo porque uma banda de colunistas resolveu chamar de mal educados os que lhe sapecaram a estrondosa vaia. Tivesse lido Nelson Rodrigues, saberia que “a grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”. Mas vai tentar convencer um esquerdista disso, eles que padecem de um mal ontogenético: são incapazes de suportar o contraditório.
É, mas o Blatter, presidente da Fifa, também não quis falar por medo de vaias experimentadas na Copa das Confederações e foram, ele e ela, no último minuto do segundo tempo, substituídos por pombos soltos por três crianças representando as três raças que formaram o Brasil. As pombas brancas voaram tontas sobre aquele mar de gente e o barulho infernal que conseguem fazer. Se arrulharam alguma coisa, o microfone estava desligado para elas. Teriam xingado quem lhes meteu naquela enrascada?
        Mas o jogo prosseguiu do jeito que pôde. As luzes do estádio apagando como se fosse uma discoteca. O vestiário da Croácia alagou sem chuva, assim esculhambou o técnico croata com mais uma explicação, esta exótica como seus nomes, para a derrota por  3 a 1. O juiz errou em favor do Brasil. Fred, o pegador da Globo, não pegou absolutamente nada e numa única vez que tocou na bola, no final do 2º tempo, enroscou os pés na brazuca e caiu como uma jaca madura. Cavou o pênalti. Mas cavar, no futebolês ou fora dele, é sinônimo para malandragem explícita. É tudo, menos fair play. Os jogos do dia seguinte, porém, provaram que a Fifa conseguiu escalar o pior time de técnicos do mundo. México ganhou de Camarões, apesar de dois gols legítimos anulados. Em outra frase, Nelson nos lembra: “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.” Ele, que além de frasista foi um incrível observador da vida nacional, sabia que o jogo é metáfora de nós mesmos. Não me refiro ao Fred enganar, mas de nós ignorarmos que ele o fez por que o pênalti nos beneficiou.
        A cereja do bolo, anunciada com pompa e circunstância por meses e depois de consumir 33 milhões de reais de dinheiro público, seria o chute do paraplégico ajudado por um equipamento ultrassofisticado que, não sei por que razão, estava espalhafatoso com luzinhas multicoloridas. Imaginei que o tal robô andaria até o centro do gramado e ali, apoteoticamente, chutaria a pelota. Nada disso. Num canto qualquer, sobre uma rampa, escorado por dois ajudantes, fez a demonstração que durou míseros três segundos. E por que pensei que o robô andaria? Porque ele o faz no vídeo animado de propaganda do feito. Inclusive chuta a bola de trivela. Precisava exagerar?

Zelota – a vida e o tempo de Jesus de Nazaré



O livro de Reza Aslan, escritor de origem iraniana, radicado nos EUA, teria passado relativamente sem chamar a atenção, não fosse o imbróglio em que foi metido. Não o desmereço: ele se inscreve no imenso rol de obras que tentaram desqualificar a fé cristã, ou Jesus, ou a Bíblia, seja por boa ou má intenção. Independente da questão de fé, mesmo apenas se considerando o dado científico (histórico), ainda não será desta vez. O mérito do livro é fazer uma tentativa de esclarecer o Jesus histórico. Peca, porém, na pretensão de querer reinventar a roda.
O livro foi publicado no Brasil pela ed. Zahar este ano e já veio carregado de polêmica, embora em nosso país não conste que tenha havido manifestações ou artigos irados contra suas pretensas heresias. Ou o livro foi ignorado ou nós não estamos nem aí para o que o autor diz.
Nos EUA, uma entrevista no canal conservador Foz News, Aslan foi questionado pela apresentadora que indagava como é que, sendo muçulmano, se atrevia a escrever um livro sobre Jesus. Convenhamos, uma pergunta idiota. Aslan não se intimidou com a saia justa e respondeu que escreveu na qualidade de estudioso com doutorado e especialização em história das religiões e ainda, segundo disse, teria 20 anos de estudos sobre a origem do cristianismo.
À parte, movimentos cristãos repercutiram a entrevista e criticaram duramente o conteúdo do livro que julgaram ofensivo. O fato é que depois desta propaganda inesperada, o livro Zelota explodiu em vendas e se tornou um best seller.
O que tem Zelota de especial? Acredito que o autor é sincero. Fez um bom trabalho de pesquisa. A escrita é agradável e a história flui bem conforme se propôs o autor. Foge dos jargões acadêmicos, afinal, foi pensado para o público em geral. Acerta no personagem, pois se alguém quer se fazer notar, basta escrever qualquer coisa – de preferência questionando a visão da maioria – sobre um personagem reverenciado por um grupo, seja religioso ou não.
Aslan não é muçulmano. É ateu, casado com uma americana que, parece, é de tradição cristã. O livro, como autor faz questão de explicar, está à procura do personagem histórico Jesus, do homem de carne e osso. O Jesus, nas palavras de Aslan, messiânico, milagroso, etéreo, místico e salvador, nunca lhe interessou. Esta afirmação é honestamente demonstrada ao longo do livro. Mais: há uma intenção determinada em desconstruir o Jesus da religião. Quase tudo de suas características são atribuídas aos cristãos e sua nova religião que fazem, segundo Aslan, adaptações, forçam fatos, reinterpretam as Escrituras segundo suas conveniências. Um exemplo. Aslan critica duramente o discurso de Estevão, o primeiro mártir cristão, e diz que está eivado de inconsistências e que chega mesmo a ser incoerente.
Naquele intento, Aslan se anima a interpretar várias passagens bíblicas e, naturalmente, este é seu calcanhar de Aquiles. Toma um texto por si, sem qualquer inter-relação com o todo da Bíblia. Nestes momentos, ele sai do personagem estudioso, fascinado pela figura humana de Jesus como diz, e se torna alguém que tem intenção outra, não confessada. Chega a ultrapassar o razoável ao fazer certas afirmações para as quais não apresenta provas de qualquer espécie. Apesar da grande lista de referências, na maioria das vezes em que interpreta passagens – sem observar as regras mais comezinhas de exegese e hermenêutica – parece ser fruto apenas de um achismo. Na página 154, por exemplo, ele perora sobre Jesus ter dúvida sobre quem era porque, aparentemente, ele se contradiz. É sua interpretação particular das passagens de Mateus 16.17; 20; 17.9-13.
Em vários outros momentos, ele afirma categórico que o Jesus da Igreja Primitiva é meramente uma construção, feita por engendros de mentes fanáticas, gente que mentiu ou aumentou seus feitos. Questiona a autenticidade dos Evangelhos e critica os métodos de Lucas para escrever seu Evangelho e o livro de Atos dos Apóstolos. Superficial, ele insiste em dizer que profetas e milagreiros no tempo de Jesus se achavam a cada esquina. Verdade, o Novo Testamento cita vários destes. Para Aslan, Jesus seria apenas mais um. Talvez mais excepcional que os demais, pois suspeita que ele era um gênio.
Na página 164, uma frase mostra uma de suas conclusões: “Independentemente da forma como Jesus via a si mesmo, a verdade é que ele nunca foi capaz de estabelecer o Reino de Deus.” A frase dispensa comentários.
Vale a leitura? Manter a mente aberta e aproveitar as informações históricas e geográficas que o livro apresenta é uma forma de fazer sua leitura e, como disse Paulo, reter só o que for bom.