segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bóson ou Bozó: você decide


A imprensa não falou noutra coisa nestes dias. Os cientistas europeus estavam ou estão por um triz de descobrir o, por enquanto, maior mistério da matéria. O bicho tem nome e apelido. O nome clássico é Bóson de Higgs (Peter Higgs, seu idealizador), mas atende pelo apelido de Partícula de Deus.
No maior laboratório de estudo da física do mundo, um círculo com 27 quilômetros de diâmetro, enterrado entre as fronteiras da Suiça e França, os estudiosos atiram prótons uns contra os outros e estudam os cacos que sobram destas colisões. Por aí, em algum lugar nos destroços, este treco de proporções infinitesimais explicaria tudo que você e eu vemos, tocamos, comemos e fazemos coisas outras sobre as quais não se fala em público. A paisagem mais linda, o prato mais delicioso, a garota mais incrível, são cada qual, uma sopa de bósons. Quer dizer, se a arisca coisa for encontrada.
E por que os cientistas o procuram com tamanha tenacidade? Ora, porque é a forma de explicar a constituição das unidades básicas da matéria, os elétrons, prótons, átomos e toda esta fauna (ou flora, você decide) de coisinhas que infernizavam a sua vida no ensino médio e, conforme se acredita desde Demócrito, dizem porque uma estrela é uma estrela, por exemplo. No momento, ninguém consegue dizer com clareza para que servirá a descoberta, mas que será útil para alguma coisa, ah, isso será.
Sobre o apelido um tanto metafísico, há quem defenda que se retire a preposição “de” e se alcunhe Partícula Deus. Vixe! Li por aí que há cientistas, aqueles mais ciosos de que se misturem alhos com bugalhos, que não se deveria apelidar o tal Bóson de Partícula de Deus com ou sem preposição. Temem que os fundamentalistas ou mesmo religiosos menos aguerridos acreditem que, afinal, Deus é mesmo o criador de tudo e que eles sempre tiveram razão. Imagine uma procissão com o cartaz de inspiração futebolística: ah, eu já sabia. Será que os cientistas tem razão? Até posso imaginar duas possibilidades bizarras.
A primeira é que poderia nascer uma nova religião. Falo da casualidade dos denodados físicos acharem o bichinho que primeiro surgiu no Big Bang. Por que sim? Pensem comigo. Alguém poderia dizer que o Bóson é um pedaço de Deus, a prova fatal de sua intervenção no mundo, o tijolo fundamental de tudo. Com a facilidade, pelo menos por aqui, com que se criam igrejas, acho que a Igreja do Bóson Sagrado teria chance. Chancelada pela ciência mais fina, a Bosonlatria uniria as duas coisas, ciência e religião. Coisa ultramoderna, ou não?
A segunda possibilidade. A descoberta precipitaria a que os religiosos, especialmente os monoteístas, se unissem numa guerra santa pela ousadia humana de tocar num pedaço de Deus. Um sacrilégio imperdoável, por suposto. Posso ver em minha imaginação delirante, hostes de cristãos lideradas pelos brutos americanos do Bible Belt e jihadistas xiitas do Irã, unidos contra o mundo que contaminou Deus quando o tocaram. Pior, teriam mostrado alguma coisa debaixo de seu manto celestial.
Mas não tenho grandes expectativas sobre estas minhas previsões. Todo alarde no final das contas, ouvindo-se os próprios pesquisadores, têm-se apenas pistas muito boas de que o Bóson está dentro da sopa de partículas esfaceladas, como um saci danado dentro do redemoinho. Desconfia-se que esteja, sente-se seu cheiro, mas o danado não aparece.
E se não acharem o Bóson? E se a Partícula de Deus não existir e todos os cálculos estiverem equivocados? Como você, leitor, poderá viver sabendo que o Bóson de Higgs, depois de muito dinheiro e milhares de horas envolvidas, é uma história da carochinha? Como explicar a massa das outras partículas atômicas, estas conhecidas e com resultados bem palpáveis, os japoneses que o digam? Mas também quem já fez radioterapia sabe, não é pessoal? Vamos deixar de maldades. Enquanto os estudiosos lambem os beiços, eu que não sei nada de física (não me orgulho disso não, ouviram?), tenho uma solução caso o Bóson se torne um fiasco: chamarei o Bozo ou o Bozó, sumidades que poderão explicá-lo melhor que qualquer um, inclusive a histeria coletiva que virá. Até lá, eu, morto de preocupado, dormirei de galochas na pia, só por precaução. 
(Esta maçaroca de linhas da ilustração, dizem os pesquisadores, é o resultado da colisão dos prótons. Portanto, é dentro desta barafunda que o danado do Bóson de Higgs se esconde.)