A imprensa não
falou noutra coisa nestes dias. Os cientistas europeus estavam ou estão por um
triz de descobrir o, por enquanto, maior mistério da matéria. O bicho tem nome
e apelido. O nome clássico é Bóson de Higgs (Peter Higgs, seu idealizador), mas
atende pelo apelido de Partícula de Deus.
No maior
laboratório de estudo da física do mundo, um círculo com 27 quilômetros de
diâmetro, enterrado entre as fronteiras da Suiça e França, os estudiosos atiram
prótons uns contra os outros e estudam os cacos que sobram destas colisões. Por
aí, em algum lugar nos destroços, este treco de proporções infinitesimais
explicaria tudo que você e eu vemos, tocamos, comemos e fazemos coisas outras
sobre as quais não se fala em público. A paisagem mais linda, o prato mais
delicioso, a garota mais incrível, são cada qual, uma sopa de bósons. Quer
dizer, se a arisca coisa for encontrada.
E por que os
cientistas o procuram com tamanha tenacidade? Ora, porque é a forma de explicar
a constituição das unidades básicas da matéria, os elétrons, prótons, átomos e
toda esta fauna (ou flora, você decide) de coisinhas que infernizavam a sua
vida no ensino médio e, conforme se acredita desde Demócrito, dizem porque uma
estrela é uma estrela, por exemplo. No momento, ninguém consegue dizer com
clareza para que servirá a descoberta, mas que será útil para alguma coisa, ah,
isso será.
Sobre o
apelido um tanto metafísico, há quem defenda que se retire a preposição “de” e
se alcunhe Partícula Deus. Vixe! Li por aí que há cientistas, aqueles mais
ciosos de que se misturem alhos com bugalhos, que não se deveria apelidar o tal
Bóson de Partícula de Deus com ou sem preposição. Temem que os fundamentalistas
ou mesmo religiosos menos aguerridos acreditem que, afinal, Deus é mesmo o
criador de tudo e que eles sempre tiveram razão. Imagine uma procissão com o
cartaz de inspiração futebolística: ah, eu já sabia. Será que os cientistas tem
razão? Até posso imaginar duas possibilidades bizarras.
A primeira é
que poderia nascer uma nova religião. Falo da casualidade dos denodados físicos
acharem o bichinho que primeiro surgiu no Big Bang. Por que sim? Pensem comigo.
Alguém poderia dizer que o Bóson é um pedaço de Deus, a prova fatal de sua
intervenção no mundo, o tijolo fundamental de tudo. Com a facilidade, pelo
menos por aqui, com que se criam igrejas, acho que a Igreja do Bóson Sagrado
teria chance. Chancelada pela ciência mais fina, a Bosonlatria uniria as duas
coisas, ciência e religião. Coisa ultramoderna, ou não?
A segunda
possibilidade. A descoberta precipitaria a que os religiosos, especialmente os
monoteístas, se unissem numa guerra santa pela ousadia humana de tocar num
pedaço de Deus. Um sacrilégio imperdoável, por suposto. Posso ver em minha
imaginação delirante, hostes de cristãos lideradas pelos brutos americanos do
Bible Belt e jihadistas xiitas do Irã, unidos contra o mundo que contaminou
Deus quando o tocaram. Pior, teriam mostrado alguma coisa debaixo de seu manto
celestial.
Mas não tenho
grandes expectativas sobre estas minhas previsões. Todo alarde no final das
contas, ouvindo-se os próprios pesquisadores, têm-se apenas pistas muito boas
de que o Bóson está dentro da sopa de partículas esfaceladas, como um saci
danado dentro do redemoinho. Desconfia-se que esteja, sente-se seu cheiro, mas
o danado não aparece.
E se não
acharem o Bóson? E se a Partícula de Deus não existir e todos os cálculos estiverem
equivocados? Como você, leitor, poderá viver sabendo que o Bóson de Higgs,
depois de muito dinheiro e milhares de horas envolvidas, é uma história da
carochinha? Como explicar a massa das outras partículas atômicas, estas
conhecidas e com resultados bem palpáveis, os japoneses que o digam? Mas também
quem já fez radioterapia sabe, não é pessoal? Vamos deixar de maldades. Enquanto
os estudiosos lambem os beiços, eu que não sei nada de física (não me orgulho
disso não, ouviram?), tenho uma solução caso o Bóson se torne um fiasco:
chamarei o Bozo ou o Bozó, sumidades que poderão explicá-lo melhor que qualquer
um, inclusive a histeria coletiva que virá. Até lá, eu, morto de preocupado,
dormirei de galochas na pia, só por precaução.
(Esta maçaroca de linhas da ilustração, dizem os
pesquisadores, é o resultado da colisão dos prótons. Portanto, é dentro desta
barafunda que o danado do Bóson de Higgs se esconde.)
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