quinta-feira, 16 de julho de 2009

Salém é aqui


O barulho é baixo como convém a alguns atos em que a ética e a verdade ou os valores dela derivados, estejam sob ataque ou sendo subvertidos. É assim que percebo o julgamento a que será submetida a psicóloga Rosângela Justino, evangélica – já condenada por uma censura pública pelo CRP-RJ –, por seu posicionamento favorável a pessoas que desejem e procurem, por livre e espontânea vontade, um psicólogo e que a este apresente seu desejo de mudar de orientação sexual, sejam atendidos.

        É sabido que pessoas com orientação homossexual, ao longo do tempo, têm sofrido muitos tipos de agravamento à sua honra, desrespeito e agressões, incluindo a morte. Acontece, porém, que na sociedade brasileira há leis bastante, todas derivadas do famoso artigo 5º da Constituição Federal – este inspirado nas leis universais de defesa do valor da pessoa –, que acima do âmbito íntimo e particular da opção sexual, trata a todos, homens e mulheres, de igual modo, ou seja, basta ser uma pessoa em qualquer dos gêneros, para encontrar nela acolhida e é disso, no fim das contas, que se trata a situação de qualquer um, homossexual ou não. Que se clame pelo império da lei, portanto.

        O movimento pró-gay, entretanto, inverte este paradigma e dá a seus membros um novo status. O fato de uma pessoa se identificar como homossexual na sociedade, automaticamente será alvo de preconceito, é o que se diz. Por este argumento, a pessoa homossexual, homem ou mulher, ganha especial condição, importando nisso uma defesa específica que se equipara à categoria de raça ou etnia vitimizada.

O argumento é tal, que numa reportagem do Bom Dia Brasil, a simpática apresentadora Mariana Godoy começa dizendo que a maioria absoluta de homossexuais já foi vítima de preconceito. Onde achou este dado, não explicou, apenas repetia um mantra. Ela falava a propósito de violências ocorridas na parada gay em S. Paulo. Irônico é que a mesma reportagem afirma que o consumo de álcool no evento bateu recorde.

        Ora, a despeito do debate ainda inconcluso, sobre as razões, sejam elas fisiológicas, genéticas, sociais e psicológicas ou todas juntas, que levam uma pessoa a se tornar homossexual, é de se garantir, antes de tudo, aquilo que é a preocupação básica em todas as sociedades modernas ocidentais: que homens e mulheres recebam proteção, gozem direitos e realizem obrigações de forma livre e sob o manto da justiça. Baseado nisso, cada pessoa, no limite que lhe é garantido, faz aquilo que lhe apraz, inclusive mudar seus hábitos sexuais. Não é válido que alguém, alguns com mais de quarenta anos de vivência heterosexual, mude de sexo cirurgicamente, por que aquele(a) que tão somente pratica o sexo homossexual não pode mudar seu objeto de desejo?

        Nem mesmo o testemunho de pessoas que, tendo sido homossexuais ativos e passivos, mudaram sua orientação, é suficiente para que o CFP entenda que se trata aqui, não de uma violação do código de ética da profissão, nem mesmo de prática charlatã da psicologia como poderiam também sugerir. Trata-se de garantir o direito daquele que deseja mudar sua orientação e daquele que quer e pode ajudar nesta sofrida caminhada, tão grande ou maior que o assumir-se gay.

        Rosângela Justino, como profissional da psicologia, sem dúvida também movida por sua consciência e esta pela sua fé – será este o motivo principal desta caça às bruxas –, apoia, sim, pessoas na prática homossexual que, em angústia psicológica, a buscam ou a outros profissionais, para redirecionar o que lhe torna a existência sofrida. Que quer isso dizer? O que muitos psicólogos Brasil afora sabem e ouvem em seus consultórios. Pessoas que não estão certas de seus desejos e muitas vezes, confusos, se tem à frente um terapeuta ético, religioso ou não, acabam por optar pela heterossexualidade e vivem felizes nesta definição.

        Por que alguém com inclinação homossexual só poderá ser inteiro(a), feliz e realizado nesta opção? Que cânone inflexível, que pesquisas irretorquíveis podem oferecer tamanha certeza se, como se sabe, a pessoa é a maior sabedora de si mesmo? Ou já se sabe mais que o próprio indivíduo sobre aquilo que lhe é mais apropriado, inclusive em área tão sensível?

        A resolução CFP 001/99 (22/03/99) não pode se tornar tão engessada que julgue um profissional sem considerar questões mais amplas, inclusive aquele que deseja mudar. Em vez de punir, como se num estado de exceção vivêssemos, mude-se a resolução. Mas não, estas pessoas, em nome de uma suposta identidade sexual “imutável” se tornam, por este expediente, destituídas de qualquer autonomia, pois ou foram convencidas a mudar por coerção psico-religiosa ou são incapazes completos para decidir sobre a própria vida. O psicólogo – CFP –, é quem sabe o que lhe é melhor e tutelará o sujeito neste particular para que assuma sua verdadeira identidade, pois somente a dúvida já é motivo suficiente para enclausurá-lo ad aeternum naquela condição.

Por outro lado, segundo a resolução, o psicólogo que atende, mesmo guardando os princípios de respeito, sigilo e atenção ao indivíduo, constitui-se, neste ato, um declarado patologizador do homoerotismo, um divulgador e reforçador de preconceitos, um vendedor de ilusões de cura para um estado que, todos sabem (?), não tem volta. Quisera a sexualidade fosse definida assim como quer a resolução. Quisera não houvesse dúvida, nem desejos sexuais conflitantes. Quisera fôssemos todos resolvidos e o grau de sexualidade fosse estático e mais, não se relacionasse com as esferas espiritual e familiar e tão somente fosse ligado ao social e afetivo na exclusiva e hermética individualidade do sujeito.

Rosangela Justino será julgada no próximo dia 31 de julho. Está em jogo um debate sério sobre liberdades individuais, uma posição técnica, valores inegociáveis desta profissional enquanto pessoa e de todos aqueles que buscam num psicólogo ajuda para seus dramas nesta área tão delicada e que o acirramento de posições e o patrulhamento – Clodovil que o diga se vivo estivesse – hoje exercido por grupos do movimento gay não contribui para uma sociedade plural e respeitosa.

Um twitter inteiro é pouco


Eu não caibo em 140 caracteres. Sou prolixo, que fazer? Nem tentei a experiência tão em moda: dizer coisas no twitter, deixar recados, comunicar-me com um mundo virtual, por que mesmo que tivesse centenas de seguidores, pergunto-me, eles o fariam por quê? Que tenho a dizer de tão importante que em 140 caracteres convença, anime, desperte o interesse de quem quer que seja? Eu os mataria de tédio. Não, as coisas me parecem tão complexas, tão cheias de detalhes e nuances que dizê-las em tão pouco é, na verdade, desdizê-las, desconstruí-las em notas taquigráficas que lhes carcomeriam o sentido.

Aqui já me percebo outra deficiência. Não entendo o sintético, especialmente aquele que sofre de rapidez imposta, de uma pressa afobada em nome de valores tão presentes, que tão somente evocam imagens, quando muito, mas tão difusas que apenas entendemos de contornos, no que nos tornamos especialistas. E as cores? E as sombras? Tenho dificuldades com silhuetas.

Como resumir dores, alegrias e contentamento por nada, por exemplo, aqueles nascidos em certas conjunções aleatórias que incluem doses extras disponíveis de serotonina vagantes nas sinapses, um céu absurdamente azul, uma manhã iluminada com um esbanjamento desmedido e uma brisa fresca? Que palavras são suficientes ou tão inteiras que resumam este alumbramento de forma tão cabal?

E aqui me surge outra dificuldade, com as palavras. Qual delas escolher daquelas que arranhariam o sentido maior daquele êxtase? Isso se falo apenas na alegria, mas se falo de males que nos roem o peito? Ora, elas só funcionam em conjunto, em alegre convescote de sentidos a brincar de roda que, juntas, indicam novos significados que só a metáfora pode dar conta.

Eu me atrapalho com a língua virtual que devora letras, subverte palavras em monstros toscos e onomatopéias duvidosas que se parecem a mim como esgares de quem tem uma terrível dor abdominal. Não só as desconheço, sou ajé em colocá-las tão rápido quanto demanda meu interlocutor, que não pensa rápido como poderia sugerir, pensa em imagens pintadas por letras de um alfabeto no qual sou incompetente – falo dos meios de comunicação instantânea, mensenger e iguais.

O risco é calculado, o de ser pensado como um pedante, falso sofisticado que deseja impressionar. Vá lá, que seja. Por outro lado não revelo uma cisma atávica com a tecnologia, da qual até gosto, pois se tem algo bom nela é a esta Babel de aceitação do tosco e do escolado. Isto também é intencional. Revelo sim, uma incompatibilidade com o frugal e fugaz, embora goste do primeiro, revelo-me teimoso com o segundo, porque a cada ato penso permanecer como algo irrepetível, uma pegada fossilizada num chão ao qual não voltarei, porque o tempo, este terá escorrido irremediavelmente, mas se há algo que ele não consegue apagar é o feito, o existido de algum modo marcante. Quem deseja apenas a fugacidade de ser um perfume que desmancha no ar? Queremos a definição pétrea do mármore. Queremos ser marmorizados.

Nisso revelo minha enorme dificuldade em lidar com o tempo em perspectiva que só se concretiza para mim à medida que deixo pedacinhos de pão para poder voltar aos lugares em que deixei partes de mim e aos quais desejo voltar de algum modo, mas, você sabe, as aves do céu comem os pães, e assim nunca consigo voltar quando desejo e se logro fazê-lo, este de mim deixado em algum lugar me é estranho e desconhecido.

Tenho mania de caminhar em pegadas conhecidas. Perdi a coragem da ignorância, esta a tenho guardada em mim de outros modos. Mas a coragem de partir, essa perdi. O que me circunscreve a um horizonte curto, mediado por cada dia aos quais chamo de futuro.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Liquidificaram o homem


Uma equipe de cientistas de Newcastle, na Inglaterra, anunciou ter criado espermatozoides em laboratório pela primeira vez no mundo.

Os pesquisadores acreditam que seu trabalho poderia ajudar homens com problemas de fertilidade.

Da BBC - Fergus Walsh


A carta foi encontrada ao lado do corpo de Astenésio. Ele nunca fora um modelo de beleza ou de qualquer outra coisa. Não pela feiura que lhe compunha, nem mesmo pela falta de inteligência, era mediano em tudo.  E aqui reside a maior desgraça da maioria das pessoas, entre as quais Astenésio era um legítimo representante: ser mediano. Já viu coisa mais sem graça do que ser mediano? É uma espécie de limbo oco, insosso, perdido em horas e dias em meio à azáfama do que fazer, cujo sentido raramente um se dá conta.

Astenésio tinha a seu favor uma gota assim de ilustração sobre muitos assuntos, gostava de ler jornais e era das poucas coisas em que se sentia até importante. Mas lá pela meia idade em que estava, só e com poucas lembranças guardadas no alforje que carregava na cacunda, entre estas um casamento desastrado que não durou mais que meses, sentia dificuldade em encaixar-se num mundo rápido e que caminhava para destinos que ele sequer podia sonhar. Deduzo tudo isso da carta encontrada.

Sim, a carta. Perco-me em devaneios filosófico-psicológicos metidos a besta. Transcrevo-a abaixo tal como me foi enviada pela senhoria do apartamento em que morava nosso personagem:

"A quem quer que leia, saudações finadas.

Economizo vosso tempo em procurar razões para o que muitos dirão: gesto tresloucado! É que confundem o estar vivo com bulir-se daqui prali. Não senhores, isto não é estar vivo. Um corpo animado precisa igualmente do oxigênio como de sentido, do contrário torna-se um autômato, situação na qual eu já vivia, de certo modo. Daí que não julguem meu gesto como algo de um louco, excêntrico, certamente, mas não desarrazoado.

Muito bem, alguns rirão do motivo, mas ele apenas representa um gota d'água na caneca velha que sou, quer dizer, daqui a instantes o verbo deve constar no passado, fui. Fui um fracasso completo. Perdi o bonde. Não me adequei. Não sabia dizer as gírias, nunca fui descolado - não é assim que se diz? -, não aprendi as sutilezas de dizer e desdizer na mesma frase, nunca consegui sucesso com as mulheres. Pagar por prazer sempre achei aviltante, mas, sem jeito, uma ou outra vez tive que recorrer ao expediente. Estive sempre anônimo, quase incógnito entre tantos meus iguais.

Sim, a tal gota d'água que desaguou neste ato final. Acabaram de vez com a função masculina, a última coisa da qual eu tinha certeza. Ora, isso o movimento feminino já previa décadas atrás. A ciência agora dá um golpe final. Está banalizado: por trocados, muitos de nós vendem seu sêmen e mulheres compram para inseminação artificial e tem seus filhos como se por uma cissiparidade fosse. Que importa o pai? Alugam-se barrigas, mulheres tornam-se homem a troco de litros de testosterona, se casam com outra, carregam um bruguelo com barba e bigode por nove meses e depois parem.

Mas faltava a última cartada. Cientistas criaram espermatozóides de células-tronco indiferenciadas em placas de petri. Pensei cá comigo: é o fim. Que mais haverá? Não quero ver o tempo em que um homem funcional e senhor de sua função ancestral tenha que ser caçado em alguma floresta tropical perdida - se sobrar alguma. Se comentasse, muitos diriam: bobagem. A descoberta é apenas inicial e ainda há que provar que o feito é prático.

Que mais provas um quer? Pergunto. A questão não é a montagem da fábrica de espermatozóide, que qualquer uma vá à esquina e solicite numa farmácia um sachê com um menino verde, mas na desconstrução de uma forma de ser que nos explica. E o amor?

Receio que trabalharão para completar o ciclo: uma barriga artificial. Por que sofrer os enjoos, as dores, os antojos? Coloque-se a mistura na cuba eletronicamente controlada e espere-se vivendo a vida, no final basta ir à loja pegar o "produto". Mas há que cuidar da coisa. Contrate-se serviços especializados de babycare. Dê-se um nome ao ente e de quando em vez retire-se da caixa para um momento de lazer com o brinquedo. Ah, eles ficam adolescentes. Um chip na cabeça controlará seus impulsos, suas malcriações, suas teimosias em afirmar-se como gente.

Aceito meu fracasso, sou responsável, mas se é para lá que vamos, eu não quero estar lá. Que ninguém ouse me ressuscitar, se não morre gente."

Curso para melhorar currículo

Convenhamos, nisso os traquinas das casas legislativas são phds, né não?