Há pessoas que nunca querem a luta em si, querem tão somente sua pré-estréia, o anticlímax, a intenção. Seu modus operandi é no conflito, que nem precisa ser real. Fazem querelas por tudo, reclamam, antipatizam. Confrontados, amolecem, refugam, se acovardam. Não sabem funcionar na paz e na concórdia. É como se perdessem um pouco a identidade torta que construíram.
Aqui falo sobre um monte coisas de meu universo de interesse. Filmes, livros, família, política, religião e psicologia. Também reproduzo textos publicados em jornais de São Luís (MA).
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Pelados com a mão no bolso
Uma nova máquina de raio-x que mostra os passageiros “nus” começou a ser testada esta semana no aeroporto da cidade de Manchester, na Grã-Bretanha.
O objetivo da máquina é acelerar o processo de checagens de segurança e procurar armas ou explosivos escondidos, mas o dispositivo já está causando polêmica.
Fonte: BBC Brasil
A tecnologia avança a passos de lebre, empurrada pelas necessidades, pelo capitalismo, guerras, terrorismo. Aliás, por causa deste último, e contra os malucos que pululam pelo mundo, agarrados a utopias enlouquecidas de paraísos alimentados por religiões que abarcam e trituram os seres humanos delas feitos seguidores, desenvolveram um novo sistema de raios X que, dosado ao bel prazer do operador, é capaz de descascar uma pessoa, como o faria alguém com as camadas de uma cebola.
A ideia, como se sabe, não é nova. Basta lembrar o filme de ficção científica (Total recall, 1990), já com ares pra lá de ultrapassado, estrelado por Arnold Schwarzenegger. O herói é detectado com uma arma ao passar por uma tela de raios x quando se preparava para embarcar para Marte. Na tela o que se via era só o esqueleto.
A realidade supera a ficção hoje. Descascar a cebola significa deixar a pessoa pelada mesmo. É aqui que começa nossa historinha. Isso mesmo que você pensou, dá pra ver reentrâncias, orifícios, cicatrizes, gordurinhas e todos os etceteras disponíveis. Vamos que não seja nem uma foto a la Playboy, mas a coisa tem causado um desconforto em muita gente.
Era a primeira viagem internacional de Vanisclécia. Com o dólar no chão é mais fácil viajar para o Quirguistão do que aqui dentro do país. Ela estava que não se aguentava. Ai, nem acredito que vou visitar o Palácio de Buckingham, passear pela Picadilly! Fico arrepiada só de pensar. E a moda inglesa, linda. Adoro o Galiano.
Pois é, Vanisclécia é uma consumista rematada, adora o mundo fashion, estética e só anda na última moda. Antigamente se dizia no último grito. Para isso existe o crediário, ou não? Naturalmente que todos os produtos de Vanisclécia são made in China e não se cansa de dizer: graças a Deus pelos chineses, se não nem sei o que seria de mim. De longe Vanisclécia engana que é uma beleza.
Vanisclécia é uma leitora voraz: Contigo, Caras, Sétimo Céu (não existe mais? Desculpem), Uma, Cláudia. Sempre os números atrasados na cabeleireira, onde bate ponto para fazer a chapinha e dar um grau no amarelo ovo do cabelo. Por causa dessas leituras de décima mão, o look de Vanisclécia tem sempre um ar retrô, um delay temporal devido a rapidez com que um acessório, cor, estampa entra e sai de moda. Mas ela não se importa.
Pois bem, Vanisclécia, que não entende nada de nada de inglês ou qualquer outra língua, deparou-se no aeroporto de Manchester (nem me pergunte por que ela foi parar lá, esperava que fosse em Heathrow, Londres). Convidada para entrar na máquina de raio X, claro que ela deu piti. Pelo sotaque e pelo passaporte arrumaram um tradutor em espanhol. Um passo fora e todo mundo pensa que falamos a língua de Cervantes. Señora, usted necesita entrar en la maquina de raio X. Eu vim foi passear, meu amigo. Que história é essa de exame pelada? Pensa que toda brasileira que vem pra cá quer fazer a vida se vendendo? Pelada, what does this word meaning? Por favor, señora. ¿Usted habla español? Pueco. Muy bien. Esto es un dispositivo de seguridad. Es con el o inspección a la mano. Entre en la maquina. Não entro não, vão ver meus peitos caídos. Ademais, meu filho, estas estriinhas e adiposidades só quem vê é o Francicleudo e olhe lá. No entiendo, señora. Hable despacio y en español. Que espanhol o quê!
O gringo perdeu a paciência e chamou uma segurança 2 x 2, com cara de enjeitada na maternidade e por todos os caras que encontrou pela frente. Vanisclécia foi levada para um canto e apalpada na marra. Terminado o processo de revista, Vanisclécia que nunca perde a pose: Então era isso? My little girl, just ask with love. E para trás deixou uma brucutu enamorada.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Meu nome é legião
A resposta seria desconcertante para nós: Meu nome é legião, porque somos muitos. O diálogo em si, já seria algo fora de prumo, embora os canais de TV mais baratos, naqueles horários da coruja, ainda apresentem – agora bem menos, é verdade – espetáculos dantescos de diálogos supostos entre um exorcista e um endemoninhado com sua voz contorcida e roufenha. Ou os demônios já não posseiam ou foram exterminados pelas ordens e determinações que antes gorgorejavam pelas telinhas. Suspeito, porém, que já não dão ibope.
É sintomático que os demônios tenham saído de cena. Os paladinos dos exorcismos já não clamam exaltados e cheios de autoridade impostas a bordoadas e puxões de cabelo. Os demônios agora sãos outros: os invejosos, os inimigos humanos, que desejam e praticam o mal com suas bruxarias e esconjuros. Algo mais impalpável e sujeito a milhões de versões. O paraíso, nestas contrafações religiosas, não mudou. Ainda se resume a carro, casa, bom emprego e uns dois cartões de crédito que ninguém é de ferro.
Um diabo, mesmo uma legião, é agora só retórico. Já um ser humano como inimigo, em quem se pode projetar todas as mazelas, medos e desconfianças e está ali, ao alcance da mão, ao lado no trabalho, dividindo a mesma cama e teto é melhor, diabo sem chifres, mais satânico que os verdadeiros e a quem se conhece por nome e sobrenome.
Não é irônico que o endemoninhado se sinta atraído por Jesus? Estava ele em seus afazeres: habitar sepulcros, gritar pelos ermos e montes, mutilar-se com pedras, uma terrível desconstrução da figura humana naquele homem. De repente sente-se compelido a correr em direção ao Cristo. Quereria defender sua posse, seu domínio, seu território? Não, antes ele adora, prostra-se. Suplica choroso. Que tenho eu contigo? Não me atormentes.
Reagia à ordem: Sai deste homem, espírito imundo! Surpreendentemente é perguntado: qual é o teu nome? Não implica um colóquio, entabular uma conversa. Saber o nome é dominar. Delinear a fronteira do outro. É reduzi-lo ao seu tamanho real.
A despeito de nomearem demônios desde a Idade Média, estes aqui não se nomeiam, se dão como nome um coletivo. Curioso. Coletivo iguala, não personifica, torna os sujeitos que o compõem uma massa amorfa. Esta é a característica principal dos demônios, não ter identidade, que é o que supõe a pessoalidade, a parecença com algo ou alguém. Referencia, aponta uma origem e um destino de realização. Eles são só uma multidão em desespero e tanto serve o abrigo num corpo humano como numa vara de porcos. É como quem tem embotado o paladar.
Os sem identidade não distinguem também nada no outro nem na paisagem. Não tem sentido estético ou de beleza. Tanto faz uma amanhã de sol como a noite mais escura. É preciso estar constituído, para emitir sentido, variegar vontades, criar, não perder-se.
Os sem identidade trabalham o tempo de forma aleatória. Não percebem as instâncias de passado, presente e futuro. Vale apenas aquele milissegundo ligado ao que seja, única forma de se sentir existente. Os demônios, o texto não sugere, não parecem saber o que acontecerá aos porcos ou se sabem, nada lhes importa, sua existência é parasitária e para efetivá-la qualquer coisa ou lugar onde possam alojar-se é válido, mesmo que ato contínuo à possessão ele se destrua com eles dentro.
Seu rogo de que não os mandassem para fora do país me intriga. Não passeiam pelo mundo como aquele diabo em Jó. Que haveria naquela região que os, digamos, alimentava? Sabiam que havia mais pessoas a quem poderiam, depois, possuir? Que relação haveria entre aquela terra e sua existência, não são os demônios seres espirituais e prescindem, pois, do que é físico?
A reação das pessoas do lugar sugere uma pista. Quase todos casebres vazios prontos para habitação. Os demônios, como se sabe, são os sem-teto deste mundo paralelo que nos tangencia, as casas-gente são sua porta de entrada aqui.
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