Uma mulher do Colorado, nos Estados Unidos, foi presa nesta semana
acusada de ter atropelado e matado seu marido durante uma briga. Após a prisão,
ela disse à polícia que precisava ter a última palavra na discussão.
Fonte: Do
G1, em São Paulo (15/08/2014)
Imagino que a
maioria das pessoas já viveu situações em que a última palavra se lhe escapou,
pois foi o outro quem disse. Ficou aquele amargor, um desacorçoamento e aqueles
pensamentos ruminando horas e horas trabalhando incontáveis se’s onde o
ruminador vence como se fosse um campeão da retórica. Mas a realidade, naquele
instante – é preciso reconhecer – você é o perdedor e nada pode fazer, exceto
se preparar para uma nova rodada; pelo menos naquela situação, nunca mais vai
ser pego com as calças abaixadas. Vai ser assim: bateu, levou.
Mas não basta
apenas fantasiar que num futuro você terá a destreza, a habilidade, a artimanha
finória para dar um nó no seu adversário. Alguma estratégia é preciso ter. O
sujeito deve saber que existem princípios muito bem assentados para que se
obtenha vitória nestas coisas. Galileu era especialista nesta arte. A igreja de
mente rombuda obrigou-o a renegar a teoria heliocêntrica na qual estava
implícita que a terra – despautério! – era redonda. Negou, mas entre dentes,
murmurada, saiu a frase que a ele se atribui: eppur si muove. No entanto, se movimenta. O faustoso tribunal,
acusadores e detratores ouviram, mas não sabiam do que falava o réu que a esta
altura se ria por dentro.
A última
palavra tem que ter uma malícia, um desconcerto, uma provocação ou de nada
adianta. Deve causar ao outro falante o sentimento de estupor, a surpresa, a
desorientação. Neste particular, melhor ainda quando isso tem que ver com a
incapacidade do tal inquisidor entender por galhofa, por ironia com as quais a
última palavra, bem dita, está eivada até o tutano.
Quem não
lembra as brigas com os irmãos? Ali se aprende a arte de matar na unha, capacidade
que um levará para a vida e suas vicissitudes e mal-intencionados com quem se
conviverá. E o que é matar na unha se não fustigar seu inimigo com aquilo que
lhe irrita como pedrinhas nos dentes? Às vezes, um gesto se torna um porrete. O
outro entende e se rói, melhor ainda quando impotente. Uma autoridade lhe
impede de reagir e você, malino e
pernicioso, repete longe do olhar da autoridade para ver o outro estrebuchar
enquanto se delicia com a maldade.
A palavra que
cala o outro pode não ser uma palavra. Admite-se um ato. Um dedo em riste, o
maior de todos, é clássico. Num tribunal, inquirido e sem saída, especialmente
em CPI’s, um “nada a declarar” funciona que é uma beleza. Mas convém imediato
pedido de habeas corpus preventivo. Os investigadores não engolirão calados.
O namoro
acabou. Ele ou ela abusou de sua estupidez e de sua candura tola. E ainda o
expôs numa rede social num último ato de malícia. O troco. Vai uma foto em
seguida agarrado ao primeiro ser que aparente um ser humano num amasso mais
atochado do que pescador de caranguejo atolado na lama. É tiro e queda. Do
outro lado, o traidor(a) pode até não dar o braço a torcer publicamente, mas
vai se consumir com a sensação da falta, do descomeço, do congelamento de quem
fica sem ação, da respiração no vácuo.
Num casamento a coisa fica
mais complicada. A agora senhorita vivia às turras com o marido. No começo, era
só esculhambação normal. Mas como ninguém cedia, a coisa evoluiu para a
porrada. Quem infligisse o nocaute primeiro, ficava com a última palavra. Mas a
luta andava meio empatada. Tem algo mais chato que empate? É a negação da
disputa. É a desconstrução da briga. A desrazão de qualquer peleja. Depois de
uns sopapos, a agora senhorita estava em desvantagem. Sem poder sair de dentro
do carro, no corner, por assim dizer, era preciso reagir. Ligou o veículo e
passou por cima do agora defunto marido. Entregou-se, não era marginal. Foi no
calor do momento, não havia intenção dolosa, mas ela era dessas pessoas que
precisa ter sempre a última palavra. Eis uma última falante no estado da arte.