terça-feira, 27 de julho de 2010

Confundiram-me com um Pacman

A proposta era para parecer tentadora. No canto superior esquerdo da tela da página na internete que, segundo os especialistas, é onde primeiro se olha, portanto um local privilegiado para as propagandas. Claro, foi onde meu olho bateu. As chamadas se seguiam a cada tantos segundos e uma delas me convidava: “que tal uma partida de Pacman para animar sua segunda-feira?”
Por que eu não havia pensado nisso antes? Quantas segundas-feiras cinzentas eu vivi, carreguei inultilmente, agora percebo, as pequenas agonias que o tédio constrói na mesmice dos dias, como remédio bastaria uma pequena tela, um labirinto, uma cabeçorra amarela com uma bocarra devoradora de fantasminhas para que aquele enfado enorme sumisse. O computador se tornaria aquelas caixas de mágico que se entra e desaparece como que por encanto para algum lugar qualquer. Guaporé, quem sabe.
Então, por momento, fui assomado por uma sensação de deja vú. Como me curarei do meu próprio labirinto entrando noutro? Perguntei-me, agastado. De fato, eu não me animaria jogando, seria distraído. Anestesiado, se preferirem assim. O barato é a anestesia. Aquele instante em que o tempo se congela e se perde a perspectiva do antes e do depois. Qualquer droga faz isso. Apaga a dimensão temporal e tudo se torna um presente esticado como um alfenim, mesmo que ele seja a máxima vertigem. Empanturrado de fantasmas, eu devoraria a segunda-feira. Se ainda eles se tornassem projeções de medos que escondo cuidadosamente...
Olhei para os lados e abri a boca, não queria ser pego em situação estranha, ainda que pudesse fingir um bocejo. Ouvi o leve estalido do maxilar quando abro a boca ao máximo. Mantive-a aberta por momento. Senti-me esquisito e ridículo. Que fazia eu? Tentava ser um pacman. Como se não engolisse meus próprios pesadelos cada dia. Mas se a vida é esta coisa cheia de obviedades e previsibilidades cotidianas, estreitada em corredores, correr dentro de um labirinto é a suprema metáfora disso. E eu já estava em um.
Sei, parece que estar em um labirinto é estar perdido. Não é. Eis o que é. Pode-se conhecer o labirinto, saber, inclusive a saída, mas por culpa, senso de responsabilidade, amor, lealdade, vergonha, pode-se optar por se deixar estar. Aceitar que aquilo é, de algum modo, a parte que nos toca e a grandeza não está em fugir dali, mas permanecer, a despeito dos becos sem saída, de trilhas muitas e muitas vezes repassadas. O labirinto é o caminho estreito.
Caminho estreito tem uma coisa interessante. Sabe-se exatamente onde se está. A posição relativa é entre outros. Um pé ante pé. Um dia de cada vez. O que nos leva a algo que Jesus disse certa vez aos ansiosos deste mundo. “Basta ao dia seu próprio mal”. É que nos encantamos ora com os dias passados, ora com os futuros e no meio negamos os males vindouros e sofremos para esquecer os engolidos.
Devorarei os fantasmas de hoje. Não há opção, nem saída, pois a passagem é estreita, mesmo que o meu assombro seja de aparições feitas de fluidos. Pedaços delas se incrustrarão em minhas roupas e dentro de um tempo já não poderei passar pela estreitezas, daí que não me resta nada a não ser comê-las, degluti-las e metabolizá-las, tornando-as parte de mim.
Um looping inteiro girou até que o convite voltou à tela enquanto eu, distraído, lia chamadas de notícias. Li novamente: “que tal uma partida de Pacman para animar sua segunda-feira?” Mas a esta altura eu já era outro bicho, talvez um fantasma e não estava a fim de ser devorado. Dá muito trabalho.

Político que reza, não se salva

O ex-deputado distrital Júnior Brunelli, flagrado no vídeo da "oração da propina", foi expulso do PSC. Segundo a assessoria do presidente da sigla, Vítor Nósseis, Brunelli foi expulso por improbidade e por ter tentado registrar sua candidatura a deputado federal (DF) sem a permissão do partido.

Fonte: Folha de São Paulo

Escrevo esta carta aberta aos meus fiéis eleitores que certamente ficarão decepcionados com tamanha violência que sofro nesta hora. Digo com imensa tristeza d’alma que nosso trabalho que tanto tem engrandecido o povo brasiliense, não poderá mais ser realizado. E por quê? Faço esta pergunta retórica para que todos saibam exatamente o que acontece. Fui expulso do Partido Social Cristão porque demonstrei minha fé. Quer dizer, fiz aquilo que o partido carrega até no nome, mas que infelizmente, é só gogó.
Que atire a primeira pedra quem nunca na vida fez uma oração para agradecer uma bênção. Pois é exatamente por isso que fui agredido em meu direito de me candidatar e manter a influência cristã no meio político. Orei, sim, pelas bênçãos que recebi. Falam em propina, mas a verdade é que exerci minha fé e o dinheiro ganho é porque sou abençoado. Ademais, a palavra propina não condiz com os fatos e enxovalha a mim como crente fervoroso. Houve uma troca de favores entre o executivo e o legislativo que, como se sabe, precisam andar ali, juntinhos, no cuidado da coisa pública.
Um deputado tem muitas despesas. Não queiram saber o desespero que é. Ajudamos muita gente. É um pede-pede infeliz. Um não tem sossego. E alguém pensa, por acaso, que o povo que pede quer um aperto de mão? Não senhores, querem dinheiro. Nosso governador Arruda – pode não ser pra outros, mas é pra mim, pois foi eleito pela vontade do povo – sempre foi sensível à demanda popular de nossa bancada e sabe o que é ajudar a população mais carente.
Nosso sábio presidente Lula já disse que Jesus, se estivesse na política, faria acordo com Judas e o criticaram. Esta imprensa elitista que distorceu as palavras do presidente, do mesmo modo avacalharam as minhas. Isto é preconceito religioso. Então não posso orar e agradecer uma coisa boa? É assim que começa. Hoje criticam uma oração, amanhã jogarão pedras nas igrejas, depois de amanhã vão mandar os crentes usar uma cruz amarela que nem os judeus na Alemanha da Segunda Guerra.
Sem falsa modéstia, sou um mártir político-religioso. A exemplo de nosso Senhor, até quis subir numa cruz, para mostrar minha dor e em nome dos que foram injustiçados assim como eu, mas minha mulher desaconselhou porque estou um pouco acima do peso. Vocês entendem, não é? Já me perguntaram se tenho vergonha da oração. Não, mil vezes, não. Expressei minha fé pura e sem mistura. Qual é a vergonha nisso?
Olhem se isso não é coisa do fim dos tempos. Deram um nome à operação que, nada mais, nada menos, se trata de uma mulher que tem pacto com o coisa ruim. Pandora é o nome dela. Esta mulher foi uma invenção dos deuses para castigar a humanidade. Pela curiosidade terrível que tinha, abriu uma caixa onde estavam guardadas toda miséria e desgraça. Olhem só o resultado? Agora imaginem o que vai acontecer daqui pra frente.
Os mal intencionados dizem que participei de um tal mensalão, coisa que nem sei o que é. Participei, sim, da oração. O que sei, caros eleitores fiéis, é que nossa luta continua. Confio na justiça divina, porque a dos homens está contaminada pela choldra que conseguiu distorcer e corromper nossos briosos senadores e deputados a editar uma lei que apelidaram de ficha limpa e não passa de perseguição a quem quer trabalhar. Eles que se cuidem, pois se eu orar de novo, mando descer fogo do céu e ai deles, ai deles... Amém.