A proposta era para parecer tentadora. No canto superior esquerdo da tela da página na internete que, segundo os especialistas, é onde primeiro se olha, portanto um local privilegiado para as propagandas. Claro, foi onde meu olho bateu. As chamadas se seguiam a cada tantos segundos e uma delas me convidava: “que tal uma partida de Pacman para animar sua segunda-feira?”
Por que eu não havia pensado nisso antes? Quantas segundas-feiras cinzentas eu vivi, carreguei inultilmente, agora percebo, as pequenas agonias que o tédio constrói na mesmice dos dias, como remédio bastaria uma pequena tela, um labirinto, uma cabeçorra amarela com uma bocarra devoradora de fantasminhas para que aquele enfado enorme sumisse. O computador se tornaria aquelas caixas de mágico que se entra e desaparece como que por encanto para algum lugar qualquer. Guaporé, quem sabe.
Então, por momento, fui assomado por uma sensação de deja vú. Como me curarei do meu próprio labirinto entrando noutro? Perguntei-me, agastado. De fato, eu não me animaria jogando, seria distraído. Anestesiado, se preferirem assim. O barato é a anestesia. Aquele instante em que o tempo se congela e se perde a perspectiva do antes e do depois. Qualquer droga faz isso. Apaga a dimensão temporal e tudo se torna um presente esticado como um alfenim, mesmo que ele seja a máxima vertigem. Empanturrado de fantasmas, eu devoraria a segunda-feira. Se ainda eles se tornassem projeções de medos que escondo cuidadosamente...
Olhei para os lados e abri a boca, não queria ser pego em situação estranha, ainda que pudesse fingir um bocejo. Ouvi o leve estalido do maxilar quando abro a boca ao máximo. Mantive-a aberta por momento. Senti-me esquisito e ridículo. Que fazia eu? Tentava ser um pacman. Como se não engolisse meus próprios pesadelos cada dia. Mas se a vida é esta coisa cheia de obviedades e previsibilidades cotidianas, estreitada em corredores, correr dentro de um labirinto é a suprema metáfora disso. E eu já estava em um.
Sei, parece que estar em um labirinto é estar perdido. Não é. Eis o que é. Pode-se conhecer o labirinto, saber, inclusive a saída, mas por culpa, senso de responsabilidade, amor, lealdade, vergonha, pode-se optar por se deixar estar. Aceitar que aquilo é, de algum modo, a parte que nos toca e a grandeza não está em fugir dali, mas permanecer, a despeito dos becos sem saída, de trilhas muitas e muitas vezes repassadas. O labirinto é o caminho estreito.
Caminho estreito tem uma coisa interessante. Sabe-se exatamente onde se está. A posição relativa é entre outros. Um pé ante pé. Um dia de cada vez. O que nos leva a algo que Jesus disse certa vez aos ansiosos deste mundo. “Basta ao dia seu próprio mal”. É que nos encantamos ora com os dias passados, ora com os futuros e no meio negamos os males vindouros e sofremos para esquecer os engolidos.
Devorarei os fantasmas de hoje. Não há opção, nem saída, pois a passagem é estreita, mesmo que o meu assombro seja de aparições feitas de fluidos. Pedaços delas se incrustrarão em minhas roupas e dentro de um tempo já não poderei passar pela estreitezas, daí que não me resta nada a não ser comê-las, degluti-las e metabolizá-las, tornando-as parte de mim.
Um looping inteiro girou até que o convite voltou à tela enquanto eu, distraído, lia chamadas de notícias. Li novamente: “que tal uma partida de Pacman para animar sua segunda-feira?” Mas a esta altura eu já era outro bicho, talvez um fantasma e não estava a fim de ser devorado. Dá muito trabalho.