domingo, 28 de abril de 2013

Fantasmas virtuais


O Google acaba de lançar mais uma de suas ferramentas inovadoras, o “Gerenciador de Contas Inativas”. Ela permite que suas contas inativas sejam excluídas a partir de um tempo determinado por você, que pode escolher entre três a doze meses.

Fonte: Pavablog (16/04/2013)

Ela chegou e, sem mais nem menos, perguntou: você permite que eu inclua seu email entre as minhas dez pessoas de confiança? Era inusitado para mim que, sim, a conhecia, tinha certa proximidade, mas alguém a ser incluído no seu seleto grupo de confiança era um pouquinho demais. Eu não imaginava que era tido em tanta conta nesta amizade. Temi o peso da responsabilidade. Quis saber a razão do pedido.
Ela esfregava as mãos, o rosto denunciava aflição. Puxava o ar com dificuldade e lá pelas tantas, botou a bombinha. Daquelas que pessoas com asma usam. Eu também não sabia que ela tinha tal problema. Sem que perguntasse, explicou. É que quando fico nervosa, tenho crise asmática. Mas havia várias outras doencinhas das quais se queixava: tinha ou julgava sentir. Em suma, era uma hipocondríaca e tanto mais a ansiedade estivesse presente.
Explicou que o Google havia notificado sua página da rede social e email em que ofereceria algo muito prático e útil para as pessoas. A besta Google apelidou o tal dispositivo de “Gerenciador de contas inativas”. É a possibilidade de matar seu perfil, fechar email, dar um fim nos milhares de posts – a verdadeira história de sua vida – e milhões de fotos, lista de contatos e outro sem número de badulaques.
Segundo o monstro Google, havia uma singela preocupação com os perfis – e outras tantas formas de existir na internet – fantasmas. O proprietário morrera ou simplesmente abandonara às moscas sua participação, alimentação e atualização de sua presença no mundo virtual e eles vagavam como espectros de vidas passadas. Se de mortos, atormentando os vivos com – sabe-se lá por que razão – contatos imediatos de milésimo grau, posto que vindo supostamente do além – algumas destas aparições falecidas enviam e-mails como se vivas estivessem.
Não fossem também uns desavisados que insistiam, explicava o Google, em manter contatos com estes eflúvios fantasmáticos por pura demência, pois não se davam conta de que seus mantenedores haviam desaparecido ou abandonado a página à própria sorte entre bilhões de outras, anonimadas, esquecidas, mortos vivos de lembranças e historinhas insignificantes da vida igualmente medíocre de quem os fez.
Tuta (apelido daquela amiga) estava inconsolável. E eu precisava saber como funcionava a coisa, pois para quê mesmo eu deveria ser colocado naquela posição de confiança de que falou? Tornaria-me um guardião do Hades eletrônico, eu que tenho pouquíssima parecença com o cérbero? Disse-me que funcionaria assim: antes de morrer, ela poderia programar a apoptose de seu site, blog e o escambau do que fazia parte e cuidava com zelo obsessivo.
Dez pessoas (de confiança, fez questão de enfatizar) receberiam seus dados, como se faz com as cinzas de um cremado. Então, o site se autoimplodiria. Antes, porém, num primor de delicadeza e atenção, cerca de um mês antes do dia fatal, o Google enviaria um email perguntando se a pessoa estava viva ou morta ou se apenas tivesse dado um tempo do saco que é alimentar indefinidamente este tipo de coisa. Isso para que fossem confirmadas as exéquias do site, blog, perfil, etc, etc.
Aí residia seu desespero. Queria se preparar para o pior e não deixar, afinal de contas, sua vida, ao léu como defunto sem choro ou cova sem flores. Com os tais guardiões de seus restos mortais eletrônicos estava quase resolvido, eu era o último deles, caso aceitasse a incumbência. Mas que data marcaria? E se o email de averiguação chegasse e já estivesse morta? Diante de minha estupefação e já dando com o meu aceite sem que eu respondesse, finalizou: que bom que você aceitou, agora só preciso saber como mando um email do outro lado. Minha cara de espanto provocou nela a necessidade de explicar-se, o que disse com certo enfado: Para confirmar que estou morta, né?