sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

HOMENS E DEUSES – o filme


Nas montanhas do Atlas, no Magreb argelino – Tibhirine, uma pequena comunidade vive seu ritmo tranquilo e em paz. Um mosteiro de monges trapistas arrodeada de muçulmanos a quem servem de muitos modos: assistência médica, vestimenta, trabalho. Uma fórmula estranha quase borra a fronteira entre as duas religiões. Descubro que a tal fórmula é o amor e seus frutos de respeito e tolerância.
        De repente, rumores de que fanáticos islamitas, motivados pela fé distorcida e o desejo pelo poder, começam a agir em vários lugares do país. Atacam covardemente pessoas indefesas, homens e mulheres que se vestem de forma diferente, são estrangeiros ou não professam sua mesma visão de mundo. Decapitações e degolas são modos sinistro de infundirem o medo.
        Aos poucos, a comunidade ao redor do mosteiro é tomada de assalto pelo medo e preocupação. Os monges são colocados em cheque: deixar o lugar e voltar para a França ou esperar e enfrentar o inimigo ao lado de “seu povo”? Cada um dos oitos monges terá que enfrentar seus terrores, sua escolha de fé. Angústia, dúvida, medo da morte (sacrifício, martirização), se apoderam deles como demônios que os açoitam questionando suas escolhas de vida.
        Um dos vários momentos bonitos deste filme, Christian, líder do mosteiro e mais dois, conversam com o líder da comunidade mulçumana. Analisam as possibilidades. Este último defende que fiquem, lembra o início do mosteiro e o abrigo que ele sempre representou para eles. Um dos monges diz que são pássaros sem galho para pousar. A mulher do líder muçulmano intervém e diz: nós é que somos pássaros e vocês são os galhos.
        O título do filme, extraído da passagem de Salmos (82.6) – “Eu disse: sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo.” – vai se tecendo nos diálogos em que a fragilidade humana se apresenta mais clara. Deixar-se morrer pela mão de loucos fanáticos ou tentar preservar a vida? A significação do salmo se constrói não na autoalegação de grandeza, orgulho, mas no apequenamento, na entrega. São deuses porque, a despeito de tanta fragilidade, ousam seguir o caminho de Jesus e fazer o que ele fez. Ele sim, a face humanizada de Deus, único  modelo e forma de percebermos AquEle.
        O mosteiro é, por fim, visitado pelo inimigo três vezes. Numa delas, o chefe mujadin pede ajuda médica e remédios. Na segunda vez, eles trazem um ferido que é cuidado. Na terceira, os monges são sequestrados e mortos.
        Não há lógica humana que explique manter-se ao lado da paz quando lhe apontam um fuzil e lhe ameaçam a vida. Não há sentido humano possível em morrer quando se faz o bem ou o que é justo é subvertido em nome de Deus. É uma frase lembrada no filme. Em nenhuma situação os homens fazem o mal com tanto ardor e dedicação, quando o fazem em nome da religião ou de Deus (Pascal). 
Esta história verdadeira e trágica, em meio à insanidade das guerras religiosas de hoje, dá-nos o verdadeiro sentido de Cristo e do amor que Paulo canta em 1 Coríntios 13.

“O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba;”

O duplo


Entre tantos aforismos que preenchem o livro bíblico de Provérbios (15.13), deparamo-nos com um que diz assim: O coração alegre aformoseia o rosto, mas com a tristeza do coração o espírito se abate.” Esta é a versão Almeida Revista e Atualizada. Outras versões enriquecem o texto como se fossem outros ângulos de uma mesma pedra preciosa. A Edição Pastoral, da Editora Paulus, diz ligeiramente diferente: Coração contente alegra o rosto, mas coração aflito deprime o espírito.” A Nova Tradução na Linguagem de Hoje não usa a palavra coração, é mais direta e simples: A alegria embeleza o rosto, mas a tristeza deixa a pessoa abatida.” Por fim, a Nova Versão Internacional colore a mensagem com esta forma: A alegria do coração transparece no rosto, mas o coração angustiado oprime o espírito.”
        Que coração é este de que fala o escritor? A versão Hebraica da Bíblia abarca vários sentidos e é muito mais direta quando trata do tema, pois o que para nós é metáfora, isto é, coração igual a mente, sentimentos, para eles pode ser homem interior, mente, consciência, vontade, sede moral, dos apetites, das emoções e paixões. Resumamos: para este momento, todos estes significados como o conjunto do que compõe o que chamamos de homem interior. É o mesmo sentido em que Paulo usa esta expressão em Romanos (7.22), 2 Co (4.16) e Ef (3.16). A leitura dos três textos nos faz perceber que aí reside o verdadeiro eu de cada um de nós.
        Mas onde está este eu? Carl Rogers, psicólogo humanista, argumenta que uma das nossas fontes de desencontro interno é viver em luta entre um eu ideal – existente na mente, projetado como um sonho, aquilo que eu gostaria de ser – e o eu real – apequenado, disforme, desencaixado, habitante do cotidiano duro e seco. Romanos 7, Paulo encontra-se numa luta interna entre estes dois eus. Diz ele: “Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero, isso não faço, mas o que aborreço isso faço. 
(7:15) Um eu alegra-se na “lei de Deus”; o  outro, nos prazeres da carne. É um mesmo homem. Ambivalente. Incontrolável. Sem saída, apela como que a esmo para quem pode livrá-lo desta morte em vida: “Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?” (7:24).
        Rogers chama esta situação terrível de incongruência. Traduzindo: a incongruência é o processo  em que o autoconceito não corresponde às experiências reais. Penso de mim isto e aquilo, mas vejo outro de mim agindo e existindo, distante do que penso ser.
        Mas voltemos ao escritor proverbiano. O homem interior que assumiu o desafio de ser íntegro, coerente, funcionará de forma organizada. A experiência de vida corresponde ao que é internamente. Neste aspecto, a descoberta de Paulo pode nos ajudar. No versículo 25 ele descobre – pela graça de Deus e por Jesus Cristo – que este homem interior – com seu entendimento – serve à “lei de Deus” e o homem exterior – carnal – serve à lei do pecado. Curioso, não? O que Paulo argumenta em dois terços do livro é que agora, ele e os que creem, estão mortos para a lei do pecado, nascidos sob a graça, mediante a fé, são agora de outro reino. Lei do pecado era a lei que determinava a condição de ser humano caído, separado de Deus.
Por outro lado, o homem interior (coração) triste, sofrido, afligido, dorido, destroi o espírito. Sim, espírito significa o hálito de vida, o sopro da vida. A centelha da existência estará, literal e irremediavelmente perdida ou sem o alento que anima o corpo. O homem interior desconjuntado, incoerente produz semblante triste. E não há como ser diferente. O rosto é o espelho da alma. Dizem que os os olhos o são, mas eles, certamente, desenham todo o resto.
Uma das coisas que produzem esta tristeza é viver em conflito sem buscar saída. Ou nem tanto. Alguns estão tão anestesiados que não sabem quem são. Contentam-se em refletir os outros. Quero ser aquilo que não sou. Visto-me da melhor forma. Uso palavras e modos que agradam aos outros. Esforço-me por ser igual aos demais. Sigo a moda. Renato Russo cantou em “Quase sem Querer” que mentir para si mesmo é sempre a pior mentira. A música fala de alguém que vive pelo padrão alheio. Quer agradar a todos e nesse intento infeliz se faz em mil pedaços, desperdiçando muitas boas chances porque estava ocupado demais tentando provar para todo mundo que não precisava provar nada para ninguém.
Mário Quintana, poeta gaúcho, reflete em “O Velho do Espelho”: “Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse /
Que me olha e é tão mais velho do que eu?” Amanhã você se olhará no espelho. Aquele(a) que você verá, quem é?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Elefante papagaio


Um elefante da Coreia do Sul tem surpreendido os visitantes do Everland Zoo por conseguir imitar a fala humana. O animal diz palavras em coreano que são facilmente compreendidas por quem entende a língua. Para tornar o fenômeno ainda mais incomum, Koshik vocaliza com a tromba em sua boca.

Fonte: Globo Ciência 1/11/2012

         Papagaios, periquitos, corvos, cacatuas e até araras, falam. Isso todo mundo sabe. Então, foi uma surpresa “descobrir” que um elefante falava. Coreano, mais precisamente. Não seria inglês, coisa que qualquer um hoje fala. Português, com sua sonorização melódica. Não, meus caros, o bicharoco fala uma língua gutural, cheia de nuances que basta uma pequena mudança de entonação e o sentido muda radicalmente. É como a piada do fanho.
        Vá lá que a eloquência de Koshik não seja das melhores. Diz cinco palavras, que se sabe. Mas, dizem, tem discurso escrito e treina atualmente para entrar na política. Aqui no Brasil. Pois na Coreia políticos que pisam na bola costumam cair em tal desgraça que alguns, por vergonha extrema, se suicidam. Não senhoras e senhores, o costume ainda não pegou por aqui e, pelo visto, nem com o mensalão pegará.
        Dr. Doolitle 1 e 2 já sabia que os bichos são uns faladores. Mais recentemente, “O Zelador Animal”, outro filme babaca, um sujeito conversa com os animais para resolver suas pendengas de vida chifrins. Neste caso, o bobão precisa de conselhos amorosos e, compadecidos por tamanha antice, os animais resolvem dar-lhe umas boas dicas de como reconquistar a menina, coisa que só fizeram por que ele lhes tratava bem. Antes deste lançaram os horrorosos “Alvin e os esquilos” 1,  2 e, arre égua, 3. Mas eles ameaçam seguir indefinidamente. Não é pelos esquilos falarem, a música destes e a atuação dos atores humanos é que é uma lástima.
        Estudiosos desacreditados afirmam desde sempre o que você suspeitava e mais que isso, tinha certeza. Afinal, horas e horas conversando com seu cachorro nunca foi novidade. Especialmente – parafraseando Drummond – naqueles dias em que talvez pelo efeito da lua, solidão, o conhaque tenha lhe deixado comovido como o diabo.
        Você se acha anormal porque conversa com seu gato ou cachorro? Duvido. Não vale incluir aquela sua tia solteirona que sempre conversou com suas samambaias e ainda dizia que o segredo do viço das plantinhas eram as horas dedicadas a conversas só para saber da vida. Claro que as plantas tinham muito a dizer, defendia ela. Ou você acha que só quem tem neurose é você? Desafiava a tia. Mas fora alguns experimentos esquisitos em que as plantas emitem um zumbido contínuo, ainda não se provou fala nenhuma, daí que sua tia pode estar simplesmente alucinando. Mas nada perturbador. Botemos na conta da excentricidade.
        A literatura e o cinema sempre usaram o recurso da fala nos animais porque desde que o mundo é mundo os bichos falam, sim, senhor e senhora! Ninguém viu nem notou, mas um desenho perturbador – “O Segredo dos Animais” – revela o que o George Orwell, em “A Revolução dos Bichos” tirava o véu de mistério. O primeiro inspirou-se, certamente, no segundo. Com a diferença clássica, os porcos comunistas orwellianos são, no Brasil, petistas. A metamorfose se explica por si só. Eles chegaram ao poder. Logo, tucanos ou quaisquer outros animais politizados se transformam em porcos arrogantes, gulosos, cínicos e indiferentes. Bom mesmo só o bacon e as costelinhas fritas... deles, por suposto.
        Voltando ao vocabulário de Koshik. O que alguém faz com apenas: olá, sente-se, não, deite-se e bom? Imagine você reduzido a isto? Curiosamente, o pobre paquiderme só fala aquilo que faz parte do circo em que trabalha por um pouco de palha. Não sei se ele troca a ordem das palavras. Quero dizer, emprega na hora errada. Quer comer Koshik? Olá. Tá apertado? Bom. Mas a descoberta não revela que o elefante seja burro. É só monoglota pentavocabular.  A expressão não existe, inventei.
        Não nos esqueçamos do grilo falante. É um sábio! Dá conselhos incríveis ao Pinóquio cabeça de pau, ainda por cima mentiroso. Sugiro, inclusive, que o grilo se torne figura arquetípica do mundo falante animal.
        Não sei vocês, mas prefiro, muitas vezes, a fala animal  do que de certas pessoas. Lembraram daquele(a) amigo(a) chato(a) que não para de falar um único minuto, não é? Tem gente compulsiva, quando se trata de falar. Metralhadoras. Falam assim sem pensar e porque não querem pensar.
Vão contando uma história após outra, todas banais. Ou simplesmente são narcisistas ao extremo e só eles tem o que dizer. Você é só plateia. E se indignam se você, abusado e zonzo de tanto lero-lero, vira a cabeça distraído. E você ali, esperando o infeliz respirar para cortar a conversa e ele: patati, patatá, blá-blá-blá. Ô gente de fôlego comprido! Será que já tentaram mergulho em apnéia? Tenho certeza que ganhariam o campeonato mundial fácil.