quarta-feira, 10 de junho de 2009

De Roboão e louco...


A ironia começa com seu próprio nome. Roboão significa libertador do povo. Cheira a populismo barato, coisa que, suspeito, Salomão sabia praticar como ninguém. Era um perdulário e como faltasse dinheiro para manter o fausto de sua corte, composta de centenas de filhos, setecentas esposas e trezentas concubinas, apadrinhados, ministros, exército, e inúteis de toda ordem, ele aumentava impostos, coisa que não se vê, naturalmente, em nossos dias, menos ainda no Brasil.

Roboão, jovem afoito e acostumado a nada fazer, ou melhor, se divertia a valer com seus amigos, não podia ter assumido em hora mais delicada. Imaturo e, definitivamente, despreparado para a enorme responsabilidade que herdou do pai, um povo cansado das extravagâncias reais, precisava de orientação para começar seu reinado e sanar movimentos populares de descontentamento que fervilhavam nas feiras, nas casas e ruas de Jerusalém e em todo o reino que ia das rebarbas do Egito até o rio Eufrates, o que inclui metade do Iraque moderno.

O jovem rei, diante de tamanho desafio, procurou os antigos conselheiros de seu pai. A iniciativa era boa, mas a forma como a pergunta foi feita denuncia o desligamento do soberano e mais ainda, sua incapacidade de julgamento. "Que resposta vocês me aconselham a dar a este povo?" O pedido "deste povo" era simples: "Salomão, o seu pai nos tratou com dureza e nos fez carregar cargas pesadas. Se o senhor tornar essas cargas mais leves e a nossa vida mais fácil, nós seremos seus servidores." Os conselheiros disseram: "Se o senhor quiser servir bem a este povo, dê uma resposta favorável ao pedido deles, que eles serão seus servidores para sempre."

Roboão queria uma resposta pronta. Mais que isso, desejava uma que fosse pronta e segundo seu raciocínio e desejo, como néscio e voluntarioso que era. Pensou lá consigo: estes caras são uns ultrapassados. Vamos ver uma segunda opinião mais antenada com a realidade, com os novos tempos e com, afinal, um rei durão e poderoso que sou.

Buscou, então, se aconselhar com os mandriões, seus colegas, cuja profissão era pegar suas bigas e sair em alta velocidade pelas ruas, ultrapassar sinal vermelho, fazer farras nos ainda mal afamados arredores de Sodoma, Jericó e bairros menos decentes de Jerusalém. Não trabalhavam e viviam às expensas dos bons postos que seus pais tinham no governo real. A resposta foi, como esperado, insensível, louca e desastrosa. Mas, pasmem, foi a que agradou ao tolo Roboão. Disseram seus amigos de infância. "Você deve dizer assim: Meu dedo mindinho é mais grosso que a cintura de meu pai. Ele fez vocês carregarem cargas pesadas; eu vou aumentar o peso ainda mais. Ele castigou vocês com chicotes; eu vou surrá-los com correias."

O rei entendia que precisava revelar-se forte para intimidar e mostrar quem era que mandava. Conseguiu rachar o reino, não exatamente em partes iguais. A parte que se separou chamou-se Israel e tinha dez tribos. Ele ficou com Judá. Daí advieram guerras, destruição, falência moral e espiritual, ambiente que já estava instalado devido aos "deslizes" de seu pai.

Nossa realidade nos fustiga com o chicote da pressa e tudo hoje pretende diminuir o tempo, automatizar as atividades, com o exato propósito de nos dar tempo. Mas são tantas opções a nos requerer a atenção que, afinal, não temos o tempo supostamente ofertado. Gastamos cada vez menos tempo conosco e com a operosa mão-de-obra da nossa construção. Sem dúvida, investimos muito em conhecimento. O currículo é mais importante que a pessoa. Assim, precisamos de coisas, no que nos dizem respeito, prontas, pois é preciso correr e o velho conhecer-se que produz amadurecimento que vá para as cucuias, porque é melhor uma pessoa prática que experiente como ser humano.

Não é o caso de Roboão, que era um boçal rematado, mas ele sinaliza com nosso costume de querer a vida também automatizada. Enquanto aumentamos o conhecimento, tornamo-nos aprendizes analfabetos em nós mesmos. Não sabemos lidar com nossas emoções e sentimentos que demandam satisfação de várias ordens. Como um aparelho complexo, é preciso ler bem o manual para saber lidar. Lido de chofre, substitui-se processos por atalhos como medicamentos, bebida, droga, diversão. Não admira que um se sinta vazio e perdido.

Pensamos sem nos dar conta. Como já resolvi a parte da realização profissional ou estou absorvido neste intento, as outras coisas eu delego ou quando chegar o momento, resolvo. Quero casar. Contrato um serviço de intermediação de namoro. Quero conhecer alguém. Coloco meu perfil num facebook da vida e espero, angustiado(a). Quero amigos. Monto um perfil no Orkut. De repente tenho lá 356 amigos, virtuais.

Toda esta enorme avalanche de tecnologia que promete maravilhas para as relações humanas, são pura balela se seus operadores humanos não forem aprofundados em si mesmos. Não bastará saber navegar nos mares virtuais, pois este é preciso, viver é que não é preciso Eles são meios, mas se tornam o fim quando não se tem mais tempo para nos trabalhar e crescer, adultecer, amadurecer sem carbureto. Quer dizer, nós temos um modus operandi que o ser se constrói no processo e neste o sentido da vida. Os atalhos nos roboãotizarão e é a forma mais rápida para a falência pessoal.

Como é que um se conhece se este é um dilema que sábios antes de Cristo já especulavam? Ora, este é um desafio pessoal e intransferível e não há uma resposta universal, mas tantas quantas pessoas existem na terra. Certamente há princípios mais ou menos padrão, como relacionar-se, em carne e osso, com as pessoas e isso começa em casa. Um fracasso lá, indica reprovação na sociedade. É preciso cultivar a espiritualidade que aqui neste texto significa estabelecer contato com Deus por intermédio da pessoa de Jesus. Cultivar a humildade e andar na contramão dos modismos intelectuais e comportamentais, pois isso indica que você pensa por si. Isto significa autenticidade. Sou eu, mas não afronto ao outro e isto é um atrativo poderoso para as outras pessoas.

Ser útil. Produzir bens fora do arco monetário e fazer algo, por menor que seja, que dê prazer e satisfação pessoal. Não ser severo demais consigo mesmo. Permita-se uma extravagância de quando em vez. Sapere aude. Ouse saber por si mesmo. Carpe diem. Colha o dia como um fruto de oportunidade. Aprenda com as experiências de cada dia. Tempus fugit. Use o tempo com sabedoria.

São orientações, mas não estão prontas, pois cada uma deverá ganhar a cara de quem o realiza. Num modo único, entre os tantos bilhões de nós.

Obs.: O texto está baseado em 1 Reis cap 12. A mesma história pode ser lida em 2 Crônicas cap 10.

Obs.: Pintura: J. Bosch “A nau dos Loucos”

terça-feira, 9 de junho de 2009

O Casamento dos Sapos


Indianos de um vilarejo no norte do país realizaram um casamento de sapos.

Como reza a lenda na Índia, a união entre sapos agrada o deus da chuva, que em retribuição envia nuvens carregadas para regar as plantações afetadas pela seca.

A cerimônia foi assistida por vários convidados e foi realizada por um sacerdote. A noiva foi presenteada com um colar dourado.

Fonte: BBC Brasil

Aquilo era um acinte. Nem tanto pelo acontecido, coisa comum em qualquer grupo social, mas pelo motivo. Soube-se na comunidade batráquia maranhense – vejam só o que é a globalização da comunicação –, que na Índia, país remoto e exótico, não menos que a terra tupinambá igualmente longínqua e estranha, do casamento de dois sapos, quero dizer, um sapo e uma sapa, a contragosto de ambos, apenas para que chovesse.

Os perpetradores desta inominável arbitrariedade foram humanos, raça dada a desmandos, desde que certas coisas lhes dêem na telha e sirvam a seus propósitos malévolos. Onde já se viu obrigar membros de outra espécie a se casarem forçados, apenas para obter uns reles pingos de chuva e agradar um deusinho qualquer que tem algum distúrbio voyerístico com sapos? E os sentimentos alheios não contam? Claro, fazem estas coisas com membros de castas menores, nem precisa ser um dalit, qualquer um, desde que esteja à mão.

Barruan, um sapo maranhense metido a regueiro, que há muito pensava pular fora do que julgava um casamento desconfortável com sua digna esposa, naturalmente também sapa, a senhora Maya, viu aí uma oportunidade. Pensou ele. Ora, se lá na Índia casaram os seus contraparentes para obter chuva, é de se pensar que um divórcio diminua as monções diluvianas a que está submetido nosso desaquinhoado lugar.

Não que a água lhe fosse problema, mas até um sapo sabe ser solidário, ainda mais se isso lhe rende um dividendo pessoal. Coisa de sapo. Os pobres humanos, afinal, estavam a morrer afogados, tal era o volume de água que lhe caía no cocoruto. A verdade, porém, diziam a boca miúda, há tempos lançava olhares luxuriosos para uma perereca maguinha do Sá Viana que, faceira, dava bola, mas não confiança.

Maya saltou lá longe com aquela conversa fiada de ajudar humanos, pobrezinhos. Que jinongonongo é esse, Barruan? Pois os humanos que se virem. Que que tem a ver nosso casamento com o aguaceiro? Assim, de chofre, nada. E de mais a mais, só pode valer se humanos fizerem o descasamento e em nossa comunidade isso é impossível, porque há que ter um motivo forte para uma separação. Minha mimosa anfíbia, isso se arranja, dar nó em leis e regras é com os humanos mesmo, aliás, este nosso lugar tem nome de Maranhão por causa das maranhas e patranhas, vale mais a vontade irresistível de quem manda do que qualquer aparato legal. Mais, eles precisam que as chuvas parem ou vão tudo para o brejo, conosco. Não consta que gostem muito de nossa companhia pegajosa.

Olha, Barruan, seu safado, não adianta balançar estes tererês para mim com esse olhar pidão, sei bem de tuas malandragens e que aprendeste lá pelas bandas da Lagoa. Comigo não, meu filho! Como ficam nossos girinos? A pensão tem que ser gorda, nego. Digo mais, o apartamento é meu, o riquixá é meu, porque não vou ficar sem nada. Que piração é essa, tu és uma sapa – não me leve a mal – que história é essa de apartamento, pensão... Comeste mosca estragada? Meu anuro fofo zoiudo, aprendi com os humanos a quem você quer ajudar. Se tu queres te reger pelas regras deles, então... Depois tu podes ficar com tua ranzinha. Rã, não, perereca.

Então confessas, seu sapo barbudo? Não confesso nada, apenas não é educado trocar o nome das pessoas. E que moda é essa de se importar com educação, tu que fala quase arrotando? Vamos dividir os girinos, fico com cinqüenta e tu com cinqüenta. Como é que vou dar de comer a esse monte de filhote? Aprende papudo!

Legenda da foto: O Casamento do Sapo. Montagem do grupo Mosay de Teatro

domingo, 7 de junho de 2009

Enchentes, desabrigados e governo


Há estreita relação entre as enchentes anuais do Mearim, os desabrigados, o binômio desmatamento de matas ciliares/poluição e governo.
Excetuando-se a cheia deste ano por sua excepcionalidade - nem tanta assim, já houve alagamento pior -, estamos diante de uma história esperada com enredo conhecido. Mais, a catástrofe só foi conhecida e saltou da fronteira maranhense, não por seu tamanho, mas pela dinâmica da comunicação num mundo global, antes disso, fora a região e o governo federal, que era notificado pelas declaração de calamidade pública, ninguém sabia de nada. Este mesmo governo, quando agia, a cheia havia passado tanto era o tempo perdido na burocracia.
A região central do Maranhão, as áreas das cidades mais castigadas pelo Mearim, sofrem com este fenômeno natural há pelo menos 60 anos. Todas as medidas governamentais até hoje foram inúteis e desde então o problema só piora.
O aumento da população às margens do rio, a pobreza endêmica sem perspectiva de melhora, exceto o bolsa família, a falta de um planejamento estratégico governamental, o desmatamento das matas ciliares com o consequente assoreamento do rio, contribuem para o estado de caos presente e futuro.
O ditos flagelados, ainda que pareça cruel, vêem nisso uma oportunidade de receberem atenção e cuidados. As perdas pessoais são mínimas, assim como mínima é sua vida. A cheia quebra um ciclo cotidiano de abandono, falta de trabalho, serviços públicos ruins e falta de horizonte. Há um lucro psicológico embutido que não se contabiliza a olhos vistos, tem que acompanhar o processo para vê-lo. As caras macilentas, os amontoados de pessoas em escolas ou abrigos improvisados, o "escândalo" de pessoas compartilahando o estábulo com cavalos para se abrigar, é seu cotidiano. As lentes e as câmeras e escritos do jornalismo nacional e estrangeiro é que ampliam o que, para eles, é indigência, mas que é parte natural da vida destas pessoas, sem enchente.
Os governantes de plantão seja de que matiz for - ainda existe matiz ideológico? - aproveitam a oportunidade para aparecerem como bem feitores e interessados pelas pobres vítimas. Um efeito colateral, entretanto, da super exposição na mídia é que mobiliza corações sensíveis de várias partes do país e organizações a ajudar e o fazem sem a intermediação deles.
Não há plano para o futuro. Se a mudança climática permanecer, tornando o período chuvoso nesta região sujeita a verdadeiras monções, talvez, aí sim, aja mudança. As pessoas mudariam das margens ou das regiões baixas - que incui quase toda a Trezidela do Vale - e iriam para áras mais altas. O rio, contudo, continuará a encher enlouquecido, porque há tempos perdeu seu caminho natural tal é o maltrato a que é submetido.