domingo, 1 de setembro de 2013

O caç(ss)ado

Mesmo preso há dois meses por formação de quadrilha e peculato e sem possibilidade de recorrer da decisão, o deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) livrou-se da perda de mandato na noite desta quarta-feira. Em votação secreta, apenas 233 deputados (dos 405 que votaram) foram a favor da cassação. Eram necessários 257 votos para a cassação.

Fonte: Valor Econômico (28/08/2013)

Os meninos ficavam inquietos às quartas-feiras. Era o dia em que professor Ostrovilásio contava histórias fantásticas, aventurescas, burlescas e de todo tipo de malasartes de um país distante. Era um Esopo ao contrário, pois não havia qualquer moral a ser retirada de suas invenções. Era entretenimento como ler história de vampiros, zumbis e outros que tais.
Ostrovilásio era uma mistura de professor de história, palhaço e camelô. Seus ditos sempre se davam num país longínquo, que não poderia existir de verdade porque subvertia tudo quanto é norma. Talvez aí estivesse a ”moral”: como não ser uma porcaria daquelas. Não se sabe que atrativo ele exercia nos meninos e meninas, o fato é que eles deixavam até o recreio para lhe ouvir.
Conto assim, de forma aligeirada, disse ele, porque se fosse descascar cada detalhe era hoje que daqui não se saía. Era uma vez um político roto, destes meganhas infelizes que, como seus pares, nascem dotados de uma distorção interna, genética, para os maus comportamentos. Já se tentou identificar e isolar os genes causadores desta anomalia, mas em cada um deles o caso parece único, como se o defeito ganhasse nova cara. Impossível achar antídoto. Então... O menino levanta o dedinho indicador. O que é um político? Ostro coça a cabeça. De repente seu rosto se ilumina. É um Randall Boggs. Nós somos o Sulley. Continuemos.
O talzinho abufelou-se fazendo desvios de altas somas e põe soma nisso. Por artes até hoje não se sabe de quê, foi julgado, condenado e preso. Acontecer isso já era coisa esquisita naquele lugar. Nunca se vira tal acontecido. Como preso, era preciso apear o homem da Câmara Federal onde se homiziava. O que é Câmara?, perguntou um garotinho amarelo da primeira fila. É uma espécie de ninho destes políticos. Quando eles ganham uma penagem nova, se chamam de deputados. Parece que uma regra inventada não se sabe por quem, um deputado pode ser bandido, safado, ladrão, patife, pilantra, tudo ao mesmo tempo. Mas preso, não. E olha que não citei a lista toda. Aqui não cabe.
Por que fessô? Indagou uma pirritinha. A natureza destas características pede liberdade para fazer o que der na telha e ainda alcovitar-se na tal Câmara que funciona como esconderijo, escola onde aprendem a natureza de seu trabalho e ainda tem que bater ponto e receber os honorários de seus relevantes serviços.
O fascinante desta história, o que foge ao natural lá deles, é que com este desinfeliz eles criaram o primeiro espécime que era deputado e preso, logo, ele era como uma maneta, um aleijado, deputado portador de necessidades especiais, porque não podia ser um inteiro de capacidades já ditas. O povo daquele distante lugar estava acostumado aos outros, não com este novo tipo. Havia debates sobre o que fazer. Houve um erro? Seus colegas diziam que estavam com pena, já tinha perdido as asas, engaiolado, andava triste como o diabo. Deixaram ele ser, sem continuar sendo. Um dilema filosófico. O pobre deputado, no dia da decisão, esperou ajoelhado em contrita posição, em genuflexa expectativa. Alegrou-se com a decisão, pois só preso, perdia, momentaneamente, a posição de deputado, mas ainda deputado tinha esperanças.
Seus colegas lhe deixaram falar. Disse que tudo era um engano. Que agradecia ao sindicato – a Câmara funciona como um sindicato pelego também –, que comia mal, pois o prato se repetia e era mal cozido. Que era um acinte andar de camburão e algemado, aquilo lhe doía como alfinete entrando no olho. E, acima de tudo, era inocente. Falava abatido e humilde, como um cão na porta de um mercado.
Como acaba a história, fessô? Ostrovilásio não sabia acabar aquela história. Era uma história sem fim. Era como matar o mocinho depois de ele ter salvado a mocinha no filme e o final feliz está a um passo, mas o burro mocinho dá uma topada, bate com a boca no chão, infecciona um dente, ganha uma sepse e morre “encriquilhado”. Ô história besta, meu pai!