Eu não sei se rio ou se choro.
Para os outros certamente será motivo de riso. Agora, experimente estar morto e
depois viver de novo e você verá como é difícil. Isso me causou tanto dissabor
que um psicólogo com quem fui forçado a conversar disse que desenvolvi um
transtorno qualquer que agora não lembro o nome. Não gosto de médicos em geral.
Sei, sei que psicólogo não é médico. Mas, imagine, você está lá com um problema
e até se aguenta, então chega alguém dá um apelido médico ou psicológico.
Pronto, você está como que fichado, melhor dizendo, ferrado como gado. Aquela
coisa não desgruda mais de você. Doravante será conhecido como o fulano do
transtorno tal. É assim que penso.
Imagino que você está confundido
com esta história de morto-vivo. Claro que não sou um zumbi. Estou bulindo, mas
estou morto. Eis minha história. Casei-me jovem. Vivemos bem durante um ou dois
anos. Mas danei-me com aquilo, estava farto. Simplesmente fui embora sem dizer
nada e nunca mais dei notícia. Sabe
aquela história de: vou bem ali comprar cigarro? Éramos pobres de doer. A
pobreza explica sem vergonhice e atos desesperados.
Minha mulher amigou-se com um
sujeito. Ela era pobre, mas não burra e tinha um quê de malandra o que faz de
toda inteligência adubada pela necessidade uma arma. Quinze anos se passaram e
eu soube que ela havia morrido. Como estou meio no zero, pensei: vou ganhar
pensão da falecida. Levei um atestado de óbito que pedi a um amigo para fazer
em minha cidade. Queria acelerar o processo, ora pois! No INSS, o cidadão
disse: lamento, o senhor não pode se habilitar porque está morto. Foi um susto.
Protestei, por suposto. Mas o funcionário foi totalmente cego e intransigente.
Sem contar que me acusou de forjar uma certidão de óbito de minha falecida
ex-esposa que, assim, agora havia morrido duas vezes.
A situação ficou cada vez mais
esquisita. Eu gritava dizendo que estava vivo e o homem simplesmente disse que
se havia um papel, registrado em cartório, dizendo que eu estava morto, o papel
valia mais e que era melhor procurar ressuscitar para falar com ele. Agora me
digam, como é que uma pessoa ressuscita?
Para esclarecer esta situação fui
procurar aquele pé de pano safado que viveu com minha mulher. Não é pé de pano?
Como não? Vivendo no pecado com minha falecida, quer dizer, quando viva estava?
Adulterinos, isso sim. Aprendi esta palavra lá no INSS. Bonita palavra:
adulterinos... Enfim, o tal me disse que eles passavam por aperto, como eu
tivesse sumido sem deixar vestígios, minha finada teve a ideia de ganhar pensão
como minha morte. Conseguiram um atestado de óbito e não é que o INSS, sem
investigar nada, deu a pensão. Por anos, viveram da minha morte. Por isso, o
bicho está gordo feito um porco, nunca mais meteu a mão na juquira.
Mas a coisa ainda se complica.
Como morrasem num povoado, pediram a uma comadre de minha finada que pegasse o
dinheiro. Para isso ela tinha uma procuração. Mas, morta minha mulher, ela
continuou a receber e sem repassar ao meu pé de pano que, afinal, era o
legítimo dono do dinheiro. Assim, na moita, ficou mais de dois anos no bem bom.
Ele, burro feito um jumento, acreditou na pilantra da comadre. Todo mundo se
dando bem e eu, necas!
Depois que descobriu, ele
denunciou a comadre ladra ao delegado que prontamente investigou. Explicou que
para cessar a pensão deveria entrar com o atestado de óbito de minha pobre
falecida que, a estas alturas continuava viva para o INSS. Ele, então, atestou
a morte da defunta minha ex e eu também, mas em meu favor digo que não fiz por
mal, tentava ajudar sem saber, pois estava dando descanso a uma pobre alma que,
morta, perambulava viva pelo INSS e dando dinheiro a uma farsante.
Meu pé de pano pede indenização,
o INSS disse que deu o dinheiro para a que estava viva, pois nada havia contra
sua vivência, portanto, um ato legal, não cabe indenização por fazer o certo.
Ele que cobre da comadre que se escafedeu para lugar incerto e não sabido.
Minha ex, agora, está morta
duas vezes e eu uma. Soube agora, fui indiciado por produção de documento
falso, pois disse que a mulher estava morta, quando de fato, já estava. Sou
mentiroso por isso, acreditam? Explicam que uma pessoa só morre uma vez. E eu
que morrerei duas? Mas sabem, talvez a morte me venha a calhar. Será que a justiça
pode mandar prender um morto?