sábado, 19 de maio de 2012

O morto-vivo


Eu não sei se rio ou se choro. Para os outros certamente será motivo de riso. Agora, experimente estar morto e depois viver de novo e você verá como é difícil. Isso me causou tanto dissabor que um psicólogo com quem fui forçado a conversar disse que desenvolvi um transtorno qualquer que agora não lembro o nome. Não gosto de médicos em geral. Sei, sei que psicólogo não é médico. Mas, imagine, você está lá com um problema e até se aguenta, então chega alguém dá um apelido médico ou psicológico. Pronto, você está como que fichado, melhor dizendo, ferrado como gado. Aquela coisa não desgruda mais de você. Doravante será conhecido como o fulano do transtorno tal. É assim que penso.
Imagino que você está confundido com esta história de morto-vivo. Claro que não sou um zumbi. Estou bulindo, mas estou morto. Eis minha história. Casei-me jovem. Vivemos bem durante um ou dois anos. Mas danei-me com aquilo, estava farto. Simplesmente fui embora sem dizer nada  e nunca mais dei notícia. Sabe aquela história de: vou bem ali comprar cigarro? Éramos pobres de doer. A pobreza explica sem vergonhice e atos desesperados.
Minha mulher amigou-se com um sujeito. Ela era pobre, mas não burra e tinha um quê de malandra o que faz de toda inteligência adubada pela necessidade uma arma. Quinze anos se passaram e eu soube que ela havia morrido. Como estou meio no zero, pensei: vou ganhar pensão da falecida. Levei um atestado de óbito que pedi a um amigo para fazer em minha cidade. Queria acelerar o processo, ora pois! No INSS, o cidadão disse: lamento, o senhor não pode se habilitar porque está morto. Foi um susto. Protestei, por suposto. Mas o funcionário foi totalmente cego e intransigente. Sem contar que me acusou de forjar uma certidão de óbito de minha falecida ex-esposa que, assim, agora havia morrido duas vezes.
A situação ficou cada vez mais esquisita. Eu gritava dizendo que estava vivo e o homem simplesmente disse que se havia um papel, registrado em cartório, dizendo que eu estava morto, o papel valia mais e que era melhor procurar ressuscitar para falar com ele. Agora me digam, como é que uma pessoa ressuscita?
Para esclarecer esta situação fui procurar aquele pé de pano safado que viveu com minha mulher. Não é pé de pano? Como não? Vivendo no pecado com minha falecida, quer dizer, quando viva estava? Adulterinos, isso sim. Aprendi esta palavra lá no INSS. Bonita palavra: adulterinos... Enfim, o tal me disse que eles passavam por aperto, como eu tivesse sumido sem deixar vestígios, minha finada teve a ideia de ganhar pensão como minha morte. Conseguiram um atestado de óbito e não é que o INSS, sem investigar nada, deu a pensão. Por anos, viveram da minha morte. Por isso, o bicho está gordo feito um porco, nunca mais meteu a mão na juquira.
Mas a coisa ainda se complica. Como morrasem num povoado, pediram a uma comadre de minha finada que pegasse o dinheiro. Para isso ela tinha uma procuração. Mas, morta minha mulher, ela continuou a receber e sem repassar ao meu pé de pano que, afinal, era o legítimo dono do dinheiro. Assim, na moita, ficou mais de dois anos no bem bom. Ele, burro feito um jumento, acreditou na pilantra da comadre. Todo mundo se dando bem e eu, necas!
Depois que descobriu, ele denunciou a comadre ladra ao delegado que prontamente investigou. Explicou que para cessar a pensão deveria entrar com o atestado de óbito de minha pobre falecida que, a estas alturas continuava viva para o INSS. Ele, então, atestou a morte da defunta minha ex e eu também, mas em meu favor digo que não fiz por mal, tentava ajudar sem saber, pois estava dando descanso a uma pobre alma que, morta, perambulava viva pelo INSS e dando dinheiro a uma farsante.
Meu pé de pano pede indenização, o INSS disse que deu o dinheiro para a que estava viva, pois nada havia contra sua vivência, portanto, um ato legal, não cabe indenização por fazer o certo. Ele que cobre da comadre que se escafedeu para lugar incerto e não sabido.
Minha ex, agora, está morta duas vezes e eu uma. Soube agora, fui indiciado por produção de documento falso, pois disse que a mulher estava morta, quando de fato, já estava. Sou mentiroso por isso, acreditam? Explicam que uma pessoa só morre uma vez. E eu que morrerei duas? Mas sabem, talvez a morte me venha a calhar. Será que a justiça pode mandar prender um morto?

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