Manhã de
domingo ensolarada em São Luís. O tempo conspirava a favor. Ao chegar à Litorânea e ver a multidão – um
outro mar, mas este verde e amarelo –, senti meu coração bater mais forte.
Revivi em segundos meus verdes anos e histórias de outras marchas em que, no
frescor da juventude, acreditava que podia mudar o mundo. Não penso mais assim,
por óbvio. Carrego comigo pretensões mais modestas. Modesto não quer dizer
indiferença, apatia ou a incapacidade de se indignar.
Ali estavam famílias
inteiras – pais e filhos –, idosos, jovens caminhando num congraçamento poucas
vezes visto em São Luís. Por estranho que possa parecer, havia alegria, mesmo
para gritar palavras de ordem motivadas pela raiva que produziu o ludíbrio, a
mentira deslavada de quem acha que qualquer manobra vale a pena para ganhar uma
eleição. Ouso dizer que grande parte dos adultos ali presentes foi outrora,
como eu, admiradores de um PT que talvez, de verdade, nunca existiu, posto que
camuflado em nosso sonho, escamoteado por palavras como liberdade, democracia
que era, nos anos 1980, uma criança que aprendia a andar em nosso país.
Chocamos um ovo de serpente.
Espanta-me a
tosca tentativa de desconstruir este movimento espontâneo, que colocou tantos
nas ruas embalados por seu sagrado direito de manifestação e pela decepção que
carregam. Ouço argumentos de bonecos de ventríloquo que dizem: elite branca.
Eleitores inconformados. Ricos e cevados no bem-bom, mas também já se
esculhamba a classe média. Ouço o som azedo de um tal Sibá que, delírio
bolivariano, afirma que as marchas em todo o país tem o dedo da CIA. Um homem torpe
e bizarro esse Sibá.
Eu não sou
branco. Aceito qualquer resultado das urnas, desde que ganho no voto pela
maioria que pensa diferente de mim. Sem enganos, sem mentiras, sem estelionato.
Sem cinismo. Sem descaramento. Estou longe de ser rico. Sou classe média. Esta
categoria sem direitos, sem bolsa-qualquer-coisa, sem cotas, extorquida por
impostos e agora, é de pasmar, também sem direito de manifestação ou opinião,
particularmente se discorda de que trapaça em eleição é errado. Se esperneio
contra a corrupção que virou, no dizer de um delator, prática
institucionalizada nos governos petistas. Se estrilo pela incompetência bruta,
associada ao populismo mais tosco. Estão aí as contas de energia que não nos
deixam mentir. Sou classe média que compro carro em incontáveis prestações a
juros escorchantes. Tenho um teto sobre minha cabeça igualmente suado e com
trinta anos para pagar.
Um qualquer
diz que não se viu pobre nestas marchas. O curioso é que os pobres que viraram seu
domínio exclusivo, mantidos a cabresto curto com as bolsas-miséria, não foram
às ruas defender o governo na sua pantomima de sexta-feira. Sim, foram alguns,
mas à custa de trocados, tubaína e, em São Paulo, pão com mortadela. Ainda
assim reuniram quatro gatos pingados, avermelhados pela doutrina socialista que
eles espreitam nos cantos escuros para impingir ao Brasil. Parafraseio seu
lema: No pasarán!
Eis um
contraste de cores brutal entre os dois momentos. Aquele qualquer um também
disse que as pessoas têm que obedecer à ordem e sem violência – referia-se às
marchas do domingo –, mesmo dizendo entre dentes a frase maldita em suas bocas:
é da democracia. Repetem como psitacídeos enlouquecidos que, naturalmente, não
sabem o que recitam. Para constar. Não houve um único incidente. Nem um vidro
quebrado. Nem um saque.
As massas
mstistas invadem prédios públicos, destroem propriedades privadas, atacam
pessoas, se armam de paus e pedras, foices e facões, mas são só pobres
requerendo direitos, dizem. Na boca do Lula, o MST é aquilo que só
desconfiávamos, mas agora sabemos: uma milícia disposta a tudo e que se
sustenta com dinheiro dos nossos impostos.
Eles
continuarão negando sua incúria boçal. Eles se mostrarão tenazes em desmentir o
mal feito exposto em praça pública. Eles manterão o samba de uma nota só de que
quase metade da população, que não votou neles, é gente farta, barrigas-cheias,
branca de olhos azuis como disse o apedeuta num xingamento. Tentaram vestir
calça de veludo, mas rota, estão com a bunda de fora. Isto é mera reação de
quem odeia o contraditório. Que acha que tem a patente de todas as certezas.
Continuarão apostando na divisão da nação como celerados que são. Zarolhos,
míopes, só veem uma banda que lhes aplaude, como se governassem para uma classe
e não um país.
Às pessoas, qualquer um, que
ainda pensam por si mesmos, que querem um país decente, meritório, livre, com
oportunidades, escravo da lei, democrático, honesto, meu mais sincero respeito.