terça-feira, 24 de maio de 2011

Leva eu, eu também quero ir

O destino de cães e gatos de estimação após o dia do Juízo Final, que alguns cristãos fundamentalistas garantem que acontecerá agora, tem sido motivo de preocupação para muitas famílias, mas um grupo de empresários ateus dos Estados Unidos já oferece a solução. Em 26 dos 50 Estados americanos, os empreendedores abriram um negócio que oferece serviços de resgate e adoção dos animais dos cristãos que forem selecionados para subir aos céus.

Fonte: UOL Notícias (AFP) 18/05/2011

Mestre, a congregação, quero dizer, alguns membros da congregação querem saber se a data está mantida. Ele, que lia algo, estava absorto, alheio mesmo. Possuía um ar alumbrado. Um sorriso pequeno emoldurava seu rosto. Enigmático. Fosse pintado, faria concorrência ao sorriso da Monalisa. O grupo permaneceu num silêncio inquieto, enquanto aguardavam que ele acordasse daquela espécie de torpor.
Santo mestre! Sim. O senhor ouviu nossa pergunta? Por favor, não se indigne conosco, não temos sua força, sua fé... que mais? Entreolharam-se à procura de palavras. Alguém atrás do grupo disse: sua sapiência. O líder e portavoz dos demais ouviu a sugestão a contragosto, mas por falta de palavra melhor. Sim, sua sapiência. Os outros balançavam a cabeça em concordância.
Repita, filho. O que vocês querem. Queremos saber se a data do arrebatamento está mantida. Mas como não, eu por acaso mudei a data? Algum outro declarou coisa contrária? Mas é que o sábado está bem aí. E daí, minha criança? Pois mantenho a data, sim. Mestre, perdoe, mas é que o senhor errou a outra data. Confundiu-me o ano bissexto e um erro de um dia não é nada. Mas as conjuminâncias celestiais precisaram rodar um ano mais para que todos os portais divinos se alinhassem. De agora não passa. Vocês sabem lá o trabalhão que dá marcar um juízo final?
Fiquem calmos. Ouçam! Repentinamente todos ficaram espevitados, assuntando sons inaudíveis que ainda não sabiam o que era. Profeta, desculpe, mas o que devemos ouvir? Disse o líder um tanto sem jeito. O som das trombetas, meu filho!
Novamente eles se entreolharam, mas se o mestre ouvia, quem ousaria dizer que não. Eram surdos certamente para as coisas elevadas e divinas. O assunto parecia encerrado, mas diante do mestre que olhava para cima e mantinha a cabeça levemente inclinada para o lado como que a ouvir uma melodia encantada, olhos fechados e aquele sorriso na boca. Era preciso esperar, quem sabe dali não sairia uma palavra divina.
Já cansavam de esperar. Estavam avexados. Queriam sair e ninguém se atrevia acordar o mestre do seu transe. Então, ele abre os olhos repentinamente. Sim, mas vocês não vieram apenas perguntar pela data. O que os aflige, meus filhos? Quem cuidará de nossos bichos? Ora, vossos parentes increús, os não escolhidos como nós. O senhor me desculpe, mas não confio no traste do meu irmão. Aquilo é um come e dorme. E minha mulher, mestre, atalhou outro, aquela mulher onde pisa o capim morre.
O mesmo da sugestão sapiente anterior gritou. Eu sei como resolver o problema. Meu primo é ateu, um debochado. Sabia que a gente ia se mandar (desculpem). Enfim, que a gente seria levado. Ele tem uma empresa que pode cuidar dos nossos bichinhos. Eu mesmo já paguei R$135 pelo Mundico. Mundico!! Meu jabuti. Muito pior é o Zé que tem um camaleão chamado belzebu. Nem meu primo quis o bicho.
Alías, o meu primo ateu está ganhando um dinheirão. Tem um monte de irmãos que já contraram o serviço de resgate. Ele só não pega bicho grande, violento, que nem a onça da sogra do Paulão. Ninguém riu. Qualé, pessoal, que falta de senso de humor.
Uma vantagem é que o contrato vale por dez anos. Quer dizer, vão cuidar dos bichinhos até morrer. O mundico é diferente, meu primo é meio afeiçoado a ele, então se ele viver um tico mais, ele cuida assim mesmo. Agora, se sábado a gente não der no pé, ele nem devolve o dinheiro nem manda recolher os bichos. Claro, né?
Os irmãos estavam estupefatos. O mestre rilhava os dentes de ódio. Como é que uma pessoa tão perto da viagem podia ser tão heresiarca?! Daquele jeito vai ficar fora dos 200 milhões de eleitos, é isso que ele tá querendo. Mas o mestre controlou-se, apenas disse que eram motivo de chacota por causa dos tolos irmãos, amantes de bichos. Um desperdício de tempo, já que a terra inteira seria torrada.
Percebendo que o mestre superara sua ira santa, o esperto disse: pessoal, quem fizer o contrato com meu primo ganha desconto e eu um trocado de comissão. Não para mim, em absoluto, é para minha mulher que me disse que prefere ficar. Tenho pena da pobre, sabe...
O mestre explodiu. Chacais! Abutres! Hienas! A congregação se mantinha em silêncio obsequioso e amedrontada. Vocês só pensam em cachorro, gato, macaco, jabuti? E como é que eu não tive a ideia destes infiéis ateus de colocar uma empresa para cuidar dos bichinhos dos irmãos, já imaginou quanto é que nosso igreja iria faturar? Alguém do grupo indignou-se: mestre, nós vamos ou nós ficamos. Nós vamos, meus filhos, nós vamos. Sábado sem falta.