terça-feira, 24 de abril de 2012

Toma que o filho é teu!


Biólogo morto em 1972 é suspeito de ter usado os próprios espermatozoides para fertilizar óvulos de pacientes ao longo de 20 anos.
O dono de uma clínica de fertilidade, aberta nos anos 1940, em Londres, pode ser pai de cerca de 600 pessoas, segundo reportagem do jornal inglês "Telegraph".

Fonte: Folha de São Paulo – caderno Saúde (11/04/2012)

Esta é uma destas coisas que demora a gente se acostumar por aqui. A passagem do tempo. De fato, mal nos damos conta desta medida a qual Eistein incluiu como quarta dimensão. Encontrei-o outro dia... não, parou com a mania de botar a língua para fora. Aquilo foi só uma traquinagem.
Enfim, conversamos longamente, em alemão, vejam só! Eu que não sabia um “a” nesta língua, aqui sei todas. Ele explicou relatividade, teoria do espaço-tempo e até ensaiou me inteirar sobre o princípio da incerteza de Heisemberg. Acontece que nada disso faz qualquer sentido por aqui, ou faz todo sentido, sei lá. Disse que não vê a hora de conversar com o físico aleijadinho inglês (Stephen Hawking). Aquele da cadeira de rodas elétrica! Como é? Fui politicamente incorreto? Dane-se!
Mas me perco. Eis que chegou deste lado um velho conhecido que viveu até os noventa e tantos anos. A primeira coisa que fez foi me dar uma reprimenda. Claro, eu não entendi nada. Mas como ele ainda estivesse em processo de adaptação, entendi que fosse um jet lag, afinal é uma viagenzinha danada de longe com um fuso horário completamente louco. Parece que estamos no verão num dos pólos, é sempre de dia e sem sol, de modo que é impossível saber as horas.
Esperei meu velho amigo recuperar-se, mas para minha surpresa continuava cismado comigo. Disse que o traí. Estava boiando. Até que, num ímpeto disse que eu era pai do filho dele. Bom, aí a coisa enrolou de vez, pois se teve uma coisa que nunca me atraiu foi a ilustre tribufu com quem ele se casou. Não a desmereço como pessoa, entendam, apenas era um ser humano desprovido de qualquer atributo estético relevante. Nunca entendi o que ele viu nela. Pedi que meu amigo explicasse melhor. Ele, já refeito, disse que o buchicho do momento, pouco antes dele chegar, é que certo biólogo, dono de uma clínica in vitro, usava o próprio esperma para fecundar os filhos alheios. Trocando em miúdos. O tal tarado, louco, sem vergonha, fui eu.
Cara, isso doeu. Primeiro, porque havia esquecido esta história. Segundo, porque fiz isso para ajudar aquelas famílias desesperadas. Terceiro, fiz por amor à ciência. Agora, querer me tratar de Roger Abdelmassih, isto não aceito. Como é que eu sei da história deste patife? Vocês estão pensando o quê? Que ficamos tocando harpa e não se faz mais nada? Aqui tem a CNN cósmico-espiritual. Sem contar que cada um que chega, conta histórias do arco da velha. Eu mesmo, cada dia me convenço, melhor estar do lado de cá.
Voltando ao tema. À época, meu amigo suplicou que eu ajudasse a que ele e a distinta dama, sua mulher, engravidassem. Pô, só quis ajudar! O cara tinha os piores espermatozóides da paróquia. Que mal haveria se eu, secretamente, contribuísse para a felicidade de sua casa? Nasceu um menino forte e saudável, agora ele vem todo amuado queixando-se de traição. Pai é quem cria, não estou certo?
Ele disse que há uma verdadeira força tarefa fazendo exames de dna para provar que sou o pai biológico de mais de 600 pessoas. Tiveram o despautério de revirar meu esqueleto para retirar dna. Disse-me ele que a conta vai pelos 348 filhos e a fila só aumenta.
Deixa eu explicar. Um pioneiro tem que se sacrificar. Conversei com o Freud sobre isso. Ele deu lá umas boas explicações. Que eu incorporei – mentalmente, pessoal – o pai da horda primitiva ou coisa parecida. De fato, o episódio com meu amigo abriu as portas do dilúvio e inundei as placas de petri, os tubos de ensaio e sapequei, sim, espermatozóide de boa qualidade naquele óvulozinhos lindos.
Eu era o próprio macho alfa cumprindo o mandamento bíblico de encher a terra. Não é para me gabar não, mas se tinha que encher o mundo, por que não com uma prole de um sujeito inteligente e bom camarada? Não me arrependo. Só vou fazer uma coisa, aquele meu amigo é danado de fofoqueiro, com certeza vai contar para a Matilda, minha mulher e sócia na clínica. Vou logo pedir desculpas por este pequeno deslize que cometi, se não o pau vai quebrar quando eu chegar em casa.