sábado, 31 de maio de 2014

Bolsa Viagra



Vida de candidato não é fácil.  Dilma Rousseff teve que se munir de paciência extra para aguentar uma conversa que se estendeu por longos quinze minutos, no almoço em sua homenagem oferecido pela bancada do PP.

Fonte: Seção Radar de Veja – Lauro Jardim (27/05/2014)

Há muito foi incorporado aos diálogos, piadas, enfim, à cultura nacional, a ideia de bolsa governamental para as mais diversas coisas. Nem sempre pelo mérito da iniciativa. De fato, existem legiões contra e a favor do programa bolsa-família. Ou gente que admite o programa, mas com ressalvas. É o meu caso.
Como isso é mais uma jabuticaba, há quem se empolgue com o bolsa para quase tudo na vida. O deputado goiano (Sandes Júnior, PP) estava que não se aguentava com uma ideia que já lhe consumia há dias. Não sabia mais se fora sugestão de algum eleitor ou aquilo viera como uma visão mística e arrebatadora. Ele, homem cunhado na malandragem, tipo folclórico e corrupto – mas aí já é uma redundância em se tratando de políticos nesta Terra de Vera Cruz –, sabia que o populismo mais grosseiro deve trazer em seu íntimo uma ajuda, uma salvação, um tipo de redenção qualquer para uma massa informe de gente, esta entidade metafísica, o povo.
Ele sabia que a presidente amargava reveses em sua tentativa de continuar sentada no picoroto do Planalto. Havia que espreitá-la em ocasião oportuna ou não para levar-lhe a ideia salvadora. Sabia ser um reles, não na esperteza, mas na gradação hierárquica dos antes alcunhados 300 picaretas, antiga denominação recebida pelos deputados por um seu igual em algum momento no passado. Equivalia aos 40 ladrões amigos do Ali Babá.
A sorte lhe caiu um dia que a chefa precisou, contra todos os seus ascos, participar de um jantar justo com o partido do talzinho. Ele estava que não se cabia. Esfregava as mãos de contentamento. Agora era molhar a mão do cerimonial para que sua cadeira ficasse ao lado da presidente. A molhada doeu no bolso, mas haveria de, com algumas notas falcatruosas, incluí-la naquelas verbas para correios e outros etcétera, por suposto, altamente importantes no seu desempenho parlamentar.
Lá estava ele, pimpão, sorridente, mesmo que de vez em quando a mulher lhe lançasse olhares como quem pergunta: quem é este inseto? Que diabos estou fazendo do lado dele? Que mais dava? Ele estava, literalmente, sentado ao lado do poder, ou sua representação mais desafortunada. Em sua mente mequetrefe, a sugestão salvadora que nem o mais arguto marqueteiro seria capaz. Ela lhe agradeceria um dia com cargos e verbas, era o mínimo. Quem sabe um asponato de Conselheiro Republicano, aquele que sopraria seu ouvido para sempre.
Lá pelas antas, entre uma taça de vinho e outra, uma bicada numa cachacinha goiana e uma lambida num espumante, ele tascou no ouvido da mulher, sem a menor cerimônia, perdigotos tantos que lhe lavou a orelha. Ela engoliu em seco. Fez careta, mas havia que suportar: afinal, o apoio daquela ralé sanguessuga lhe garantiria uns quantos minutos a mais na tv.
Presidenta! (acertou na versão que ela adora). Tenho um plano para garantir sua eleição: basta a senhora distribuir gratuitamente (enfatizou a palavra com o dedo levantado como quem sugeria, inconsciente, a postura ereta de outra coisa) medicamentos para disfunção erétil para a classe masculina desassistida da capacidade fornicante. Estava contente consigo mesmo. Disfunção erétil! Treinara a expressão várias vezes para impressionar. E finalizou: viagra não, que é caro pra danar, eeeeu sei, um genérico, disse balançando uma das mãos para enfatizar a desqualificação do produto.
Estava orgulhoso de si mesmo. Os olhos meio bambos pelas misturas que tomara estavam cravados nela, fora o empadão de camarão que, parecia, não havia descido bem. Esperava a resposta. Ela reagiu com o primeiro que lhe veio à mente. Mas deputado, a oposição não iria estranhar? Que é isso, presidenta, vai ser um sucesso! Aliás, a oposição também usa. E, desarvorado pelo álcool, foi pura sinceridade: a gente se encontra na mesma farmácia toda semana. Aquelas meninas da Jeanny Mary Corner são o diabo, nem queira saber!

domingo, 25 de maio de 2014

Post Scriptum sobre o filme Praia do Futuro

A repercussão que o filme Praia do Futuro promove é muito menos por seus méritos – não no aspecto técnico: fotografia, luz, etc –, mas no tocante a ser uma história fascinante que desperte conversas entusiasmadas pelas ideias, lições ou qualquer outro rico ensinamento. Neste sentido, não diz nada de novo ou inteligente. É comum, quase banal. De fato, o filme passaria em brancas nuvens não fosse uma pessoa espezinhar-se com um pequeno incidente num cinema em João Pessoa (PB) que nem de longe questiona o filme propriamente dito e sua mensagem ou o que quer que queira discutir.
Como uma destas sortes que salvam uma lavoura perdida, seu diretor, produtora e personagem principal vivido pelo excelente ator Wagner Moura, se valeram da indignação – exagerada, diga-se – de uma pessoa para transformar o filme naquilo que ele, sozinho, nunca conseguiu: ser relevante.
Wagner chegou a postar uma foto com um cartazinho com os dizeres: “homofobia não é a nossa praia”. Homofobia onde, cara pálida? O fato é que absolutamente nenhuma manifestação que trate do tema gay – exceto o apoio irrestrito à sua causa – é vista com bons olhos. Imediatamente, é rotulado de homofóbico. Não importa se você apenas opinou sobre a cor do paetê do cara.
A produtora, Geórgia Costa Araújo, argumentou: “É claro que escancara (referia-se ao incidente do bilhete de cinema com a palavra “avisado”) a homofobia e o machismo destas pessoas, porque sexo heterossexual e nu feminino tem a rodo no cinema e na TV brasileira e ninguém fica indignado, assim como as cenas brutais de violência que invadem nossas mentes através das imagens de muitos filmes”.
O argumento da tal senhora é primário. Está na linha do despeitado “todo mundo faz, na hora que fazemos, somos criticados”. As relações heterossexuais, que equipara e coloca no mesmo saco, são coisas diferentes. Uma faz parte do natural e a outra se não é antinatural, posto que pessoas a praticam, está longe de ser a norma das relações sexuais, embora se defenda como tal. A relação homossexual sempre existiu e existirá, mas, à exceção de algumas culturas em que é admitida, sempre foi vivenciada num plano paralelo, nunca foi a norma, mesmo nas culturas em que esta vivência é aceita sem problemas.
Comparar às cenas de violência estética ou brutais (será que ela conhece Tarantino?), tampouco se presta para defender seu ponto de vista. Novamente a produtora se vale de uma coisa diferente para justificar seu filme. Mais honesto seria falar dele tal como ela o entende e percebe. Seu valor, digamos, intrínseco, seja lá a mensagem que esperava passar.
Logo em seguida a esta peroração chinfrim da Produtora, ainda em entrevista ao Blogay da Folha de S. Paulo, arrematou com outro argumento que padece de anemia lógica e de convencimento, mas que revela algo inesperado: “A relação do público com um filme é sempre imprevisível, e eu imaginava que poderia ter algum tipo de ação contra as cenas de sexo (que afinal são cenas de amor), mas a reação anti-homofobia foi o mais surpreendente”.
Uma traição à intenção que deveria se manter escondida. As cenas de sexo não são parte de um contexto ou até poderiam ser, mas a cor das tintas foi carregada com um propósito que não poderia ser mostrada em público. Estão lá para provocar algo nos assistentes e, assim, promover o filme de um jeito ou de outro.
O arremate é de uma pobreza argumentativa cavalar: o tal “afinal são cenas de amor”. O reducionismo é brutal. Toda cena de amor só pode ser traduzida desta forma? Cena de amor causa reações de repugna e urticária nas pessoas?
A tais cenas de amor de seu filme é uma licença – nem diria poética – da produtora. Há controvérsias, diria aquele personagem do Milani. Menos ainda taxar o incidente de reação anti-homofobia (queria dizer do tal que abespinhou-se e publicou o bilhete com o “avisado”), simplesmente porque não há nem de longe homofobia no ocorrido. Parece que pessoas como esta senhora padecem do mesmo mal dos esquerdistas: adoram dizer coisas que não ocorrem. Alucinam a suposta ameaça em sua mente tresvariada, intolerante, arrogante e que não admite o contraditório. Pior ainda, vendem o Brasil como se fosse mais grotesco que Uganda – país que recentemente criou uma lei nacional contra o homossexualismo – ou ainda a Rússia que tem uma política velada de perseguição aos gays e ainda mais o Irã que promove fátuas contra gays.
É importantíssimo dizer que o filme no festival de Berlim foi recebido de forma fria, havendo quem tenha saído durante sua exibição por causa das cenas de sexo. Será que os alemães, povo que está entre os mais liberais da Europa – há parques em que as pessoas ficam nuas para tomar sol em várias cidades – se sentiram provocados pelo portento brasileiro?  Questionado naquele momento, Wagner Moura disse que não se importava e descambou para falar asneiras sobre reações homofóbicas.
Quer dizer, lá na Alemanha o filme já foi visto de forma enviesada. Ninguém ousou dizer que os alemães são preconceituosos ou homofóbicos. Silenciaram ou deram de ombros, reação típica de contrariado. Eu entendo a decepção. Esperavam ser vistos como avançados, sofisticados e foram quase ignorados. Não consta que o filme francês “O azul é a cor mais quente” (2013), história lésbica e o “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014) também brasileiro, apresentado no mesmo festival e de temática gay, tenham sofrido reação parecida do público.

Honestidade. É isso que está faltando aos envolvidos no filme. Admitir que o filme é ruim – a bilheteria que o diga – e que tentaram fazer algo bacana do seu ponto de vista, mas não funcionou. 

Avisado

O cliente reclama que seu ingresso de cinema foi carimbado como um alerta sobre conteúdo gay de um filme. Os donos da sala negam e dizem que o carimbo serve de controle para meias-entradas.

Fonte: BBC Brasil em São Paulo (22/05/2014)

O tititi foi grande. Tudo porque a vendedora de ingressos do cinema havia sido orientada a perguntar ao cliente se ele tinha certeza de que queria ver aquele filme. Caso confirmasse, receberia um ingresso com o carimbo: AVISADO. “Tem certeza de que vai querer estar assistindo este filme, senhor? Ele contém cenas fortes de sexo homoerótico.” O simpatizante da causa GLBBTThYZ espezinhou-se com aquilo e postou numa rede social. Em minutos, aquilo virou um meme. A produtora, que não sabia como colocar gente no cinema, aproveitou a deixa inesperada e faturou.
A empresa de cinema, num tempo de gente que se amofina pelas coisas mais comezinhas, teve que vir a público explicar-se que o AVISADO era parte de sua política para sei lá o quê. O debate desandou, mas sem maiores consequências: afinal, suspeita-se que o imbróglio pode ser apenas parte de um golpe publicitário para um filme que não despertou nada mais que bocejos e que, na ausência de uma história empolgante, carregou nas cenas de sexo homossexual. Nota: no festival de Berlim teve recepção fria na mostra competitiva de que participou e não deu nem para saída. Em algumas sessões, as pessoas saíram no meio do filme. Quer dizer, nada a ver com o tal relacionamento gay, é uma obra ruim.
Mas, antes que vocês leitores se entediem com esta conversa morna, imagine a vantagem que seria ter um AVISADO nos muitos bilhetes que você pegou na vida. Sei, sei, você agora se rói porque teve, sim, mas decidiu seguir em frente e quebrou a cara. Até tentou sair no meio da sessão, mas não deu. Teve que amargar todas as cenas até o fim, sem piar.
Diz-se que quem avisa, amigo é. Mas quem se importa? Conselhos ou avisos são ignorados porque cada qual quer ter sua própria experiência de vida. Certo que essa lógica é, na maioria das vezes, burra. Você já disse isso para si mesmo e ainda aguentou os “eu não disse?”
Não aceitar um aviso é, também, fruto de nossa cegueira. O avisador é quase uma espécie de profeta. A experiência e/ou o conhecimento fazem-no ver aquilo que para os demais não está claro. Imagine, num mundo em que se pensa a terra quadrada acreditar por arrazoamentos de um sei lá quem que é redonda. Que o sol estava no centro de nossa galáxia e não a terra.
Como será que eu reagiria, lá nos meus verdes anos, carregado de esperança e desejo de mudança, se alguém me dissesse que o Lula se tornaria o maior mitômano e cínico nuncaantesnestepaiz, eu que o assisti emocionado discursando na Deodoro sobre um outro Brasil que poderíamos ter e ser. Que desancou o Sarney como ninguém o havia feito até então. O avisador acrescentaria: Digo mais, o Lula presidente se aliará solidamente ao Sarney, elogiará este homem, em sua visão, excepcional. Que lhe concederá, de novo, o Maranhão como sesmaria e feudo por meio de patranhas, que dará de ombros às suas misérias por meio de conchavos às sombras escuras do poder.
Bom, eu teria reagido com raiva, teria me indignado com meu avisador. Eu o acusaria de querer minar nossa única esperança em anos. Ele teria rido tristemente e a história seguiria seu curso inexorável cuja realidade, desgraçadamente, assistimos.
Ah, mas como seria bom ter acordado com um aviso de minha mãe ou meu pai. Filho, faça assim. Olha, este caminho e escolha não vai dar em nada. Essa relação é uma roubada! Fica aqui, amigo. Quero-o do meu lado para este projeto. Eu olharia pelo buraco da fechadura e veria a outra vida que aquele aviso me apontava. É como se cada aviso mostrasse uma vida que poderia ser e, agora, é uma história que não aconteceu.

Que bom se nós, na hora do aviso, tivéssemos parado um instante para analisar as premissas, olhado pela pequena janela e visto a paisagem. Vivemos outras vidas e histórias. São nossas e somos nós – Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é... – e você se tornou um avisador e agora se agonia e ri com tristeza das certezas rotas de outros cegos.