segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O jumento do Sarney


O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), usou um helicóptero da Polícia Militar do Maranhão para passear em sua ilha particular duas vezes neste ano. A aeronave foi adquirida no ano passado para combater o crime e socorrer emergências médicas. Foi paga com recursos do governo estadual e do Ministério da Justiça e custou R$ 16,5 milhões.

Fonte: Folha de São Paulo (22/08/2011 – Caderno Poder)

Senhor Presidente e nobres deputados, subo a esta tribuna para defender a honra e a vida ilibada do maior maranhense de todos os tempos. Homem sem mancha, que ama este torrão como uma donzela querida de suas primeiras estripulias amorosas. Ele nos fez a todos, seu exemplo nos inspira e motiva a carregar esta pesada carga, que é servir ao povo do Maranhão.
Permissão concedida, nobre Gari Barcelaudo. Então, quem é este homem? No nobiliárquico salão assembleico ecoou: quem? Quem? Quem? O Ribamar Sarney. Um silêncio profundo e reverente se instalou na platéia de nobilíssimos deputados. Excelências, Sarney, por bem dizer, pariu o Maranhão. Desgastou-se nos mais altos círculos do poder, sem descansar um dia sequer de seus longevos anos de vida, lutando por este estado. Hoje, bem verdade, é amapaense por adoção, mas aqui deixou sua descendência da qual nós somos filhos de través e do qual muito me orgulho. O Amapá, coitado, precisava dele também, não podemos ser mesquinhos.
Agora, vejam só como a humanidade é desumana, ilustres fidalgos: uma única vez que nosso amado líder pisa os pés aqui, naturalmente para nosso enlevo e progresso do nosso estado, usa um helicóptero para deslocar-se e é colocado nas primeiras páginas dos jornais como se crime tivesse cometido. A ousadia dessa gente baixa não tem limites. Ficam à espreita, usam de ratonices, movimentos subreptícios acobertados pelo mato para expor nosso homem como se fora qualquer um zé ninguém desses que infestam nossas ruas.
Que fez ele de tão grave, Excelências? Andou de helicóptero para sua ilhazinha para uma horinha de convescote. Esses ladravazes da honra não tem o que fazer? No ocaso da vida tem que lidar com tamanha traição, que tristeza! Que queriam estes descarados representantes do populacho? Que Ribamar Sarney andasse de jumento? Um jumentocóptero já foi inventado? Queriam vê-lo sofrer nos engarrafamentos e nos buracos das ruas? É isso? Chegam ao cúmulo de dizer que o helicóptero deixou de carregar um coitado acidentado de Alcântara. Pois que viesse de ambulancha, não de helicóptero que não é coisa para gentinha comum.
Mas a coisa não para aí, meus eminentíssimos colegas. Até no salário eles falam. Então, depois de uma vida dedicada a servir esta gentalha, não tem direito a uma pequena compensação? Dizem que ganha mais que os ministros do Supremo, pois que se aumentem os salários dos tais ministros, ora bolas! Que se danem os detratores, Ribamar Sarney anda de helicóptero por que pode. É autoridade, é especial e incomum como disse nosso querido Lula, homem que conhece nosso lume político como ninguém e, por mais que queira, nunca perde a inhaca de povo.
Proponho uma estátua ao Ribamar Sarney. Nomes de cidades e ruas ele já tem muito. Honremos o escritor, o estadista, o presidente, o pai do Maranhão, nosso guia, nosso rei. Evoquemos seu nome, não como a escória o faz. Convido-os a ficar de pé. Digam comigo: Ei, ei, ei, nosso rei é o Sarney! Hora de entusiasmo inaudito. Todos de pé cantarolavam com sorrisos frouxos a mesma cantilena pedida por Barcelaudo.
De repente, um zumbido se imiscuiu no grande salão. O presidente da sessão recebe um recado ao pé do ouvido e pede licença ao falante. Insigne deputado, talvez tenhamos que suspender vosso discurso por momento, estamos a ponto de ser invadidos por uma choldra. Outra personalidade, na plateia, diz: é o movimento dos sem helicóptero e a outra turba é dos que pedem a bolsa-helicóptero. Assim não é possível!, bradou Barcelaudo. Não é assim que digo. Esta raça não sabe seu lugar. Outro atalhou: seremos invadidos. Que se chamem os cassetetes. Que se lhes mandem chuva de bombas de efeito moral. Jatos d’água e que mais seja necessário. Preciso acabar com o meu discurso, fazer meu desagravo ao nosso inominável guru.
Como eu dizia, Ribamar Sarney não prejudicou ninguém, fez o que lhe é natural por direito, conseguido ao longo de seus desinteressados serviços... A turba arrombou a porta. Foi deputado para todo lado. O presidente da mesa pedia ordem. Até que o agarraram pelos fundilhos e puxaram suas cuecas e o jogaram cadeira abaixo. Nas demais excelências jogaram ovos, tinta, bosta e acamparam como sem-terras na Assembleia.