sábado, 27 de dezembro de 2014

A restrospectiva



O fim do ano só aparentemente é o fim de um ciclo. Precisamos disso para nos situar. Funciona como um marco psicológico. Zeramos algumas coisas e temos a sensação de começo, onde poderemos usar os erros e acertos para as novas/velhas experiências que virão. É preciso fazer um balanço, dizem, e não sei se é só impressão, este ano há uma ênfase nos sites e revistas os mais diversos sugerindo que as pessoas façam avaliações, quase auditorias, sobre um sem número de áreas de suas vidas.
Curiosamente, os profetas de fim de ano, que obrigam as pessoas a olhar para frente, apareceram pouco. Eles são uma espécie de diversão e figurinhas carimbadas que ajudam a preencher os chatos jornais de fim de ano que repetem à exaustão as mesmas pautas. Compras de última hora, presentes, ruas cheias, comidas, decorações... Mas, onde andarão? Fugiram num circo mambembe?
No vácuo dos agouros, especialistas em bobagens estão dando receitas para as pessoas avaliarem suas vidas emocionais, a estética corporal, trabalho. Um perigo. A maioria corre sério risco de fazer a passagem deprimida. Sim, olharão seu desempenho e reconhecerão que foram medíocres em quase tudo e, pelo andar da carruagem, vão repetir a dose na ficção temporal chamada 2015.
Hão de dizer que distribuo azedume, como um papai Noel nefasto. Longe disso. Realista, diria. O autoengano é uma das habilidades em que somos pródigos e muitos o confundem com fé. Quantos não passaram o ano inteiro injuriados com seus trabalhos? O salário mal seguiu a inflação que galopa a olhos vistos... nas gôndolas de supermercados. Adiaram planos porque a grana insiste em continuar curta. Pensaram em trocar o carro, que dá mostras evidentes de senilidade, mas os sem juros que anunciam aos gritos, são uma piada involuntária. Uma espécie de pegadinha.
Não faltam os chatos do verão que insistem em dizer que você pode preparar seu corpo em quinze míseros dias para desfilar de biquíni minúsculo com uma barriga tábua e uma bunda protuberante e sem o hidrogel da Urach. Prometem aqueles músculos do galã que os comprou em cirurgias estéticas. Mas você não sabe disso. Os galãs agora são músculos ambulantes. Cérebro, capacidade de atuar, necas. São versões toleradas do cigano Igor. Toneladas de hormônio para cavalos não lhe darão os contornos definidos que inveja discretamente nestes zinhos por aí. Mas você começou o ano com a promessa de uma vaga dieta à base de folhas e muito exercício, mas foi protelando, adiando e quando se espantou, lá se foi o ano e a barriga quebrada está aí a crescer com a comilança dos almoços e jantares.
A vida sentimental variou de absoluta escassez a relações sem sal. O príncipe encantado parece que se casou na Argentina com outro príncipe encantado. O vizinho que te dava bola, mas era feio que doía, sumiu e quando apareceu era assediado por três crianças e uma mulher com cara de poucos amigos. Menos mal que você foi seletiva. O último namorado, assim, digamos, que passou de três meses, faz um tempo tão longínquo que quase seria necessário contratar um arqueólogo para identificar a era do acontecido. Ou pior, um legista para exumar o corpo afetivo da relação.
Assim que, talvez não seja uma boa ideia fazer esta retrospectiva. Quem sabe usar o esperancômetro. Pensando bem, aquele olhar bobo em direção ao futuro quando tudo parece possível, é melhor. Não custa um centavo, você esquece na primeira semana de janeiro, não se culpa e não tem ressaca emocional. 

PS. A todos os leitores, obrigado pela companhia ao longo deste ano. Um belíssimo 2015. Que haja saúde e prosperidade e... quem sabe a sorte lhe visite desta vez.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Os espíritos do Natal e o Petrolão



Primeiro delator da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa citou em 80 depoimentos que se estenderam por duas semanas, entre agosto e setembro, uma lista de 28 políticos – que inclui ministro e ex-ministros do governo Dilma Rousseff (PT), deputados, senadores, governador e ex-governadores.

Fonte: Estado de São Paulo (19/12/2014)

Charles Dickens criou “Um conto de Natal” com um motivo menos nobre do que se espera. Endividado, escreveu a história em menos de um mês para quitar dívidas. Acabou criando um clássico. Como estamos na semana do Natal, peguei-me imaginando se os espíritos natalinos que visitaram o personagem Ebenezer Scrooge aparecessem, assim para começar, aos 28 políticos apontados pelo Paulo Roberto Costa.
Antes dos espíritos, os repórteres foram à caça dos indicados nesta incrível peripécia para ouvir suas versões. As respostas foram aquelas de sempre. Tinha relações apenas institucionais com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Nunca vi tal senhor. Desconheço a delação. Todos os recursos usados em minha campanha são legais. Tenho as contas aprovadas. Não fui informado sobre os detalhes da acusação. Nego qualquer envolvimento com a Petrobras. Não acredito que minha filha esteja envolvida nisso. Eu conheço o caráter da minha filha.
Mas, na noite do Natal, daqui a três dias, os espíritos saíram de seu recolhimento para as visitas agendadas. Encontraram alguns dos citados bêbados, o que inviabilizou uma conversa produtiva. Foram sacudidos, assustados, mas bêbado já sabem, é bicho sem qualquer censura, sem noção, sem educação e sem modos. Uma senadora quis tirar a roupa pra distrair o espírito que a abordou. Os outros, deram carteirada nos espíritos. O senhor sabe com quem está falando? Sou ex-governadora do estado mais progressista do país. Sou ministro da República! Dedo em riste, olhar de peixe morto, voz pastosa. Sim, tô cheio da viúva (veuve-clicquot), e daí? Posso pagar e até banhar se quiser. Azar dos paulistas que não tem água pra banhar. Vão se catar, seus, seus... sei lá.
Com estes foi impossível qualquer coisa. Os espíritos desistiram. Alguns, mesmo para um espírito, foi difícil encontrar. Estavam de jatinho pra lá e pra cá, fretados pelo notório Youssef. Achados, deram de ombros e disseram: nada a declarar. A boca cheia de paçoca de peru recheado. Não, declaro que me dei bem, mas foi por competência, trabalho e dedicação ao povo. Sou um homem pobre. Minha única riqueza são meus eleitores.
Houve uns dois que, pegos de surpresa, tiveram um ataque de sinceridade. O senhor foi um político mau, disse um dos espíritos. Sim, fui. Meti a mão. Me locupletei. Faltei a montes de sessões e ganhei jeton assim mesmo. Dei nota fiscal fria. Catei trocados de tudo quanto foi empreiteira. Vendi apoio. Vendi voto. Comprei votos. Negociei desmanches de cpi. Chantageei a presidente que, em troca, me chantageou também. Apoiei leis fajutas pra ganhar emendas gordas pros meus currais eleitorais. Menti muito. Prometi e não cumpri nada. Fui infiel ao meu partido, à minha mulher, aos eleitores, ao meu pai, minha mãe, ao meu cachorro Pimpo.
Para, para, maluco! Os três espíritos ficaram abismados. Sabiam que era político brasileiro que morre negando os maus feitos, mas aquele estava meio que enlouquecido. Quanto foi a dosagem do pó de sinceridade? Acho que fui eu que aumentei um tico assim, porque não estava dando certo com os outros. A noite iria ser um fracasso total. Imaginem o que diriam do outro lado? Corríamos o risco de sermos desmoralizados e ainda perdermos nossa patente. Tudo bem, disse o outro. O problema vai ser fazê-lo voltar ao normal. Mas político brasileiro não é normal sob qualquer ponto de vista de se olhe, esse está apenas um pouco desviante.
Voltaram-se para o senador que estava encolhido, amedrontado. O que vamos fazer com ele? Incutir a honestidade. Tipo lavagem cerebral? Algo assim. Mas e se passar o efeito do pó da sinceridade? Aí a gente volta pra noite do ano novo e aumenta a dose. 

PS. Um Natal muito feliz a todos os leitores e leitoras.