As câmeras de monitoramento da
Guarda Civil Municipal (GCM) de Araraquara (SP) têm sido usadas para espiar
mulheres e casais. Um vídeo divulgado por uma vereadora na quarta-feira (11)
revela que os responsáveis pela vigilância focalizam partes íntimas de mulheres
nas ruas, quando deveriam monitorar situações suspeitas. A denúncia foi
apresentada ao Ministério Público, que acompanha a funcionalidade dos
equipamentos. A Prefeitura condenou o tipo de conduta e disse que aguarda
análise do material para abrir uma sindicância.
Fonte: Felipe Turioni Do G1 São Carlos e Araraquara (12/12/2013)
A velha frase “sorria, você está
sendo filmado” parece ter perdido seu sentido. Nunca entendi se era para ser
engraçado ou porque queriam dizer de forma simpática que estavam bisbilhotando
sua vida. Naquele tempo longínquo, havia a suposição de identificar pessoas,
mais que segurança, exceto em alguns lugares onde haviam coisas de valor, como nos
bancos que são velhos usuários da tecnologia.
Não sei se o barateamento da
tecnologia das câmeras e sua multiplicação vertiginosa em tudo quanto é
aparelho possibilitou este mundo orwelliano em que vivemos, o fato é que
andando por São Paulo você pode ser filmado até 28 vezes num dia. Em Londres,
cidade que levou o sistema de vigilância ao paroxismo, com mais de 1,5 milhão
de câmeras o cidadão pode ser filmado até 300 vezes num único dia.
Ninguém liga. O olho eletrônico está
ali, fixo, à vista ou discretamente disfarçado de planta, e você abstrai sua
presença e simplesmente faz o que quer. Às vezes se toca quando quer fazer mais
do que deve numa subida ou descida de elevador, se está acompanhado da mulher
ou namorada. Outros, descarados, geração exposta desde o nascimento – sim,
filmaram sua mãe em trabalho de parto e sua cara amassada saindo do útero –
adora câmeras e tem relação resolvida com elas. Provoca, inclusive, com atos
antigamente reservados à privacidade do banheiro ou dos quartos.
Pior de tudo, os onipresentes celulares
– o Brasil tem agora mais de um celular por habitante –, todos com câmeras. Sempre
tem um engraçadinho ou atilado filmando tudo. Ninguém mais pode falar ou fazer
nada, pois será exposto à ridicularização pública ou algo parecido. Um descuido
e haverá alguém armado com uma destas infernais traquitanas apontando em sua
direção.
Outro dia, recebi um vídeo filmado no
interior de um metrô de SP. A moça até bem apanhada entra e começa a fazer uma
limpeza geral no nariz. Já é feio o suficiente. Nojento. Causa ascos e arrepios
em alguns. Mas é comum, todo mundo faz. O danado é que ela comia a meleca.
Limpos os dois orifícios, ela ficou sem fazer nada. Então atacou os cantos dos olhos
para retirar a remela seca e, naturalmente, como da primeira vez, as comia. E tudo
foi milimetricamente filmado sem escapar um único quadro.
Cidades inteiras, como já mencionado, se tornaram o próprio
romance 1984 ao vivo e em cores e elas têm gastado bilhões do suado dinheiro
público. Sai de seu bolso e é suado, imagino, a menos que você seja político na
acepção brasileira do termo. Tudo em nome da segurança. Neste particular, a
dirigente do Maranhão acredita que um helicóptero alugado a peso de ouro
resolve. A conflagração em baixo e os caras dando rasantes. Seria algum tipo de
síndrome resultante de tanto assistir filmes americanos? Se não fosse tão caro
e inútil, daria para fazer piada. O fato do momento, no entanto, não é este
disparate maranhense, é a filmagem de mulheres com certos atributos, é bom que
se diga, e namorados mais ousados – lembram daqueles que não estão nem aí?
Em Araraquara, o voyeurismo ganhou
contornos de absurdo. Um sujeito, apenas se supõe, pois o tal operador gostava
de perseguir mulheres com as câmeras municipais e se deliciava com namorados
sem noção. A loura anda displicentemente perdida lá em seus pensamentos. Um
short mínimo, blusa decotada e ela é bem nutrida tanto indo como vindo. A
câmera enlouquecida a descobre no meio de milhares de anônimos e imediatamente
começa a perseguição. Que se dane a segurança e a vigilância!
Foco no colo. A câmera está
hipnotizada. A mulher caminha e entra na loja. O zoom descomunal não perde a
loura nem dentro da loja. Por entre araras e estantes de roupas, pessoas que
por ali se amontoam, mas ela está lá agarrada como cão perdigueiro. A loura não
acha nada que lhe interesse e então sai e a câmera enlouquecida e apaixonada a
segue agora com closes generosos no traseiro.
A mulher caminha e a câmera faz movimentos desesperados, queria sair
correndo atrás da loura, mas está encarapitada no topo de um poste. A loura,
aos poucos, vai saindo da zona de alcance. A câmera faz zoons, estica-se toda
para agarrar a última fagulha da imagem que se esvai.
Ah, há um casal de
namorados no meio da praça, parecem estar fazendo mais que conversando. Que mão
boba é aquela? E a câmera logo esquece a loura e começa tudo de novo bem no
quadril da namoradinha.