segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A câmera apaixonada



As câmeras de monitoramento da Guarda Civil Municipal (GCM) de Araraquara (SP) têm sido usadas para espiar mulheres e casais. Um vídeo divulgado por uma vereadora na quarta-feira (11) revela que os responsáveis pela vigilância focalizam partes íntimas de mulheres nas ruas, quando deveriam monitorar situações suspeitas. A denúncia foi apresentada ao Ministério Público, que acompanha a funcionalidade dos equipamentos. A Prefeitura condenou o tipo de conduta e disse que aguarda análise do material para abrir uma sindicância.

Fonte: Felipe Turioni Do G1 São Carlos e Araraquara (12/12/2013)

A velha frase “sorria, você está sendo filmado” parece ter perdido seu sentido. Nunca entendi se era para ser engraçado ou porque queriam dizer de forma simpática que estavam bisbilhotando sua vida. Naquele tempo longínquo, havia a suposição de identificar pessoas, mais que segurança, exceto em alguns lugares onde haviam coisas de valor, como nos bancos que são velhos usuários da tecnologia.
Não sei se o barateamento da tecnologia das câmeras e sua multiplicação vertiginosa em tudo quanto é aparelho possibilitou este mundo orwelliano em que vivemos, o fato é que andando por São Paulo você pode ser filmado até 28 vezes num dia. Em Londres, cidade que levou o sistema de vigilância ao paroxismo, com mais de 1,5 milhão de câmeras o cidadão pode ser filmado até 300 vezes num único dia.
Ninguém liga. O olho eletrônico está ali, fixo, à vista ou discretamente disfarçado de planta, e você abstrai sua presença e simplesmente faz o que quer. Às vezes se toca quando quer fazer mais do que deve numa subida ou descida de elevador, se está acompanhado da mulher ou namorada. Outros, descarados, geração exposta desde o nascimento – sim, filmaram sua mãe em trabalho de parto e sua cara amassada saindo do útero – adora câmeras e tem relação resolvida com elas. Provoca, inclusive, com atos antigamente reservados à privacidade do banheiro ou dos quartos.
Pior de tudo, os onipresentes celulares – o Brasil tem agora mais de um celular por habitante –, todos com câmeras. Sempre tem um engraçadinho ou atilado filmando tudo. Ninguém mais pode falar ou fazer nada, pois será exposto à ridicularização pública ou algo parecido. Um descuido e haverá alguém armado com uma destas infernais traquitanas apontando em sua direção.
Outro dia, recebi um vídeo filmado no interior de um metrô de SP. A moça até bem apanhada entra e começa a fazer uma limpeza geral no nariz. Já é feio o suficiente. Nojento. Causa ascos e arrepios em alguns. Mas é comum, todo mundo faz. O danado é que ela comia a meleca. Limpos os dois orifícios, ela ficou sem fazer nada. Então atacou os cantos dos olhos para retirar a remela seca e, naturalmente, como da primeira vez, as comia. E tudo foi milimetricamente filmado sem escapar um único quadro.
Cidades inteiras,  como já mencionado, se tornaram o próprio romance 1984 ao vivo e em cores e elas têm gastado bilhões do suado dinheiro público. Sai de seu bolso e é suado, imagino, a menos que você seja político na acepção brasileira do termo. Tudo em nome da segurança. Neste particular, a dirigente do Maranhão acredita que um helicóptero alugado a peso de ouro resolve. A conflagração em baixo e os caras dando rasantes. Seria algum tipo de síndrome resultante de tanto assistir filmes americanos? Se não fosse tão caro e inútil, daria para fazer piada. O fato do momento, no entanto, não é este disparate maranhense, é a filmagem de mulheres com certos atributos, é bom que se diga, e namorados mais ousados – lembram daqueles que não estão nem aí?
Em Araraquara, o voyeurismo ganhou contornos de absurdo. Um sujeito, apenas se supõe, pois o tal operador gostava de perseguir mulheres com as câmeras municipais e se deliciava com namorados sem noção. A loura anda displicentemente perdida lá em seus pensamentos. Um short mínimo, blusa decotada e ela é bem nutrida tanto indo como vindo. A câmera enlouquecida a descobre no meio de milhares de anônimos e imediatamente começa a perseguição. Que se dane a segurança e a vigilância!
Foco no colo. A câmera está hipnotizada. A mulher caminha e entra na loja. O zoom descomunal não perde a loura nem dentro da loja. Por entre araras e estantes de roupas, pessoas que por ali se amontoam, mas ela está lá agarrada como cão perdigueiro. A loura não acha nada que lhe interesse e então sai e a câmera enlouquecida e apaixonada a segue agora com closes generosos no traseiro.  A mulher caminha e a câmera faz movimentos desesperados, queria sair correndo atrás da loura, mas está encarapitada no topo de um poste. A loura, aos poucos, vai saindo da zona de alcance. A câmera faz zoons, estica-se toda para agarrar a última fagulha da imagem que se esvai. 
Ah, há um casal de namorados no meio da praça, parecem estar fazendo mais que conversando. Que mão boba é aquela? E a câmera logo esquece a loura e começa tudo de novo bem no quadril da namoradinha.