quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Assimetria humana, simetria de Deus

A beleza, dizem os entendidos, tem tudo a ver com simetria. Quanto mais simétrico, por exemplo, é um rosto, mais atraente será a pessoa. Segundo os experts, independente de cultura, é por este, por bem dizer, atributo, que nós humanos admiramos a beleza uns dos outros. Evidente, as idiossincrasias culturais determinarão qual parte do corpo é a mais bonita.
Arrodeio com esta conversa porque me deparei com uma nova pesquisa, publicada na revista científica Evolution and Human Behaviour, que constatou que homens com face simétrica tem menos chance de sofrerem demência na velhice. Atentem para isso. Mulheres não têm este tipo de problema, pelo menos a equipe pesquisadora não foi capaz de detectar o mesmo padrão no gênero feminino. Uma das possibilidades é que as mulheres são mais dedicadas aos retoques que consertam as rugas gerontólógicas. Um botox aqui outro ali, um fio de ouro, uma plasticazinha, não se conte as muitas juras de que sua juventude é fruto da genética familiar e uns cremezinhos...
Mau sinal. Embora tenha metade da idade dos pesquisados, pego-me apalpando o rosto, esticando as bochechas, os cantos dos olhos como que a dar simetria ao defeito de fábrica. Na hora da colagem das bandas, como fazem em bonecos, um funcionário mais desastrado, talvez em fim de expediente ou com outra urgência inadiável, juntou as partes sem tirar as aparas e sem checar a junção perfeita. Não fez por maldade, nem se sabia à época que este descuido poderia acarretar problemas futuros.
Aqui no canto da boca, um grande vinco de expressão de sorriso. Não está do outro lado. Sorrio enviesado? Não notei. Busco fotos antigas. Na maioria tenho uma cara incógnita. Não dá para saber. Achei uma! A marca premonitória está lá. Mas por que ria de forma tão arregalada? E se eu não rir mais, contará como fator preventivo? Assim, como se deixa de comer gordura?
Se olho bem, todo o rosto está a alguns décimos de milímetros desalinhado. Que susto! Esta pesquisa com ares frenológicos está praticamente prevendo meu futuro. Explica então porque me faltam as lembranças boas quando delas preciso – assim como a Jeremias que desejava trazer à memória o que pudesse lhe dar esperança –, porque agonizo ante um número telefônico, o nome daquela pessoa cuja fisionomia não me é estranha. Só consigo minha metade perfeita se bebo agachado no riacho ou se encosto o espelho ao lado, ele não me negará o defeito do que reflete.
Deus é simétrico. Está lá em sua Palavra. Ele é justo. Justeza tem a ver com retidão, nem sombra, nem variação de mudança como bem cita Tiago. Embora nós teimemos em dizer com o ditado calejado que Ele escreve certo por linhas tortas. É nosso olhar enviesado, é nossa assimetria de alma. É nosso modo de dizer, quem sabe, que no final tudo dará certo. Uma afirmação empenada de nossa esperança.
Ele que não se desvia nem para a direita nem para a esquerda em seu fazer, criar, amar. E assim nos fez. Mas, diz o escritor de Eclesiastes (7.29): “Tudo o que aprendi se resume nisto: Deus nos fez simples e direitos, mas nós complicamos tudo.” Nós, corrijo, eu, que nem sempre acerto com tanta retidão, o que explica que muito para além de minhas imprecisões fisionômicas, carrego comigo as ambigüidades de ser gente, caminho entre o desejo de me parecer com o Deus-homem e as armadilhas de acreditar que peguei o jeito de sê-lo.
Deus é perfeito. Se olho sua versão humana em Jesus, aprendo que não tergiversa com a verdade, afronta o mal no ser compassivo e misericordioso, inclusivo e acolhedor. Ele é a distância entre aquele de mim que quer fazer o bem e aquele que se agrada do mal. Revela minha incongruência, o que me alegra por que isso, me parece, é andar em verdade. Saber que sou dúbio, não no caráter comum, mas numa atávica atração para o mal ao qual devo repelir a cada sugestão que me faz.
Esmoreço às vezes porque me decepciono. Mas se me frustro é porque, por momento, esqueço minhas zonas de sombra, pois é lá que estão à espreita aquele de mim que não se alegra, não se compadece, não pede desculpa, não acalenta, não acode, não doa, não se desprende. Muitos diriam: é o diabo. Assim descartam sua própria responsabilidade. São pobres vítimas, acreditam. Mas a força do ser vil é proporcional ao meu desejo e descrença. É aí que ele se imiscui. Ele cria o palco, às vezes as falas e cenário, mas nada pode contra meu (seu) “não” decidido, nem contra o “sim” da submissão ao Cristo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Nova seleção brasileira


TÉCNICO: FERNANDO HENRIQUE – Na teoria é uma maravilha, mas quando jogava não era lá essas coisas.
SARNEY – Excelente para a defesa. Faz muitas faltas, mas nunca é expulso de campo.
IDELI SALVATTI (goleira) – Defende tudo o que vier pela frente, é só o técnico mandar.
RENAN CALHEIROS – Jogador resistente. Apanha, apanha e não cai nunca.
COLLOR – Fôlego incrível. Quando todo mundo pensa que ele está morto, ele ressuscita. O problema é que vive impedido.
SUPLICY – Ótimo para jogadas aéreas, porque está sempre com a cabeça nas nuvens.
HELOÍSA HELENA – Boa no ataque, mas ainda não mostrou resultados.
GILMAR MENDES – Encarregado de soltar o time quando a equipe estiver um pouco presa.
DILMA – Grande esperança de fazer gols, ainda não deslanchou. Joga muito colada em Lula.
LULA – Tem de organizar a equipe, mas fala demais em campo e joga muito para a galera.
MERCADANTE – Faz a ligação de ataque e defesa: vai e volta de suas posições numa velocidade impressionante.
VOCÊ – Sempre leva bola nas costas.
Fonte: ÉPOCA 

(Nelito Fernandes escreve aos domingos.)

Histórias do Bolsa Família que o governo não (nem os jornais) conta (m)

“Uma esmola, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão." (Luiz Gonzaga)
I
O que foi Mariinha, por que essa cara de lagoa cheia? Ô home, é que a cunhã véia da cumade Filoca acabou de me contar uma cercunstança. A pobe tá cumendo uma cachorra insossa. E nóis com isso? Que é isso home, só por que nóis vai mió, não pudemo disprezar nossa aparentada. Tá certo. Tu sabe que a pobre véia é gorada. Ela e cumpade Chiquim num pudero ter fi. Tu mêrmo caçuava dele, dizendo que o coitado num dava conta do recado. Todo mundo fazia. É. A valia é que nóis num faia um ano. Tô o tempo todo ocupada de bucho. Isso num é vida. Mas ó agora, o bolsa famia bem que serve. É...
Intão, eu tava pensando em ajudar a cumade Filoca. Cuma? Num bota ideia na minha cabeça. Baixa o facho home, tá besta? Pois bem, nóis pudia emprestar nosso fi mais novo p’reles. Emprestar como? Eles regista o minino no nome deles pra mode pudê ganhar também uns trocadim do bolsa famia. É mêrmo. Mas o minino continua nosso fi? Ô home sem cunhecimento, fui eu que pari, é só emprestado no papé.
II
O inverno desse ano vai ser fraco. A essas altura e o mandacaru num fulorô. Ê mulê, tô falando com tu, tá môca? Eu já sabia. Intão... A roça vai ser fraca. Nóis agüenta. Ainda tem um mi, arroz e fejão guardado na lata. É, mais eu tava sonhando com uma carninha, nóis pudê comprar. Com que dinheiro? Ora, o do bolsa famia. Ano que vem o Zezim sai da vantage. Nóis pudia incumendar um bruguelo pra garantir. Tu te apega com Nossinhora do Bom Parto, vai que nasce dois. É sorte grande. E se num puder ter mais fi, as regra tão escasseando? Aí vai lascar. E que tal se eu usar a Ziroca. Outro dia ela disse que pra ganhar um dinherim da bolsa ela topava tê um fi. Num disse com quem. Né bão não, vamo ter que dividi. Ô mulé, mió dividido do que nada.
III
Assim não dá mulé, eu tô feito um jumento de trabaiar e esses minino já grande, pudia ajudar. Tu inventa essa marmota de mandar eles pra escola. É obrigado, se não nóis num ganha mais o bolsa famia. Tem inté fiscal. Mas eles já sabe o abecê. Mas eles diz que demora muitos ano pra ficar uma sabeduria só. E quem é que quer isso aqui no meio do mato? Pra que vai servir? Não, eu tô com os quarto que num guento.
E se eles tomá nossa cartão? Cunversa. Cumpade Zé Toim, que é vereador, disse ontonte que o guverno num vai mais cobrar essas ixigência. O presidente disse que num carece. Basta tê os fi e quanto mais tem, mais ganha, ô negocim bão esse que inventaro. Tanto peça eu só voto neles agora.
E as vacina, inda vão cobrar. Isso vão. Mas também se resorve. Cumpade Zé Toim disse que se o posto num tiver vacina, eles tem os carimbo pra botar naquele papé. Tá resulvido.

domingo, 6 de setembro de 2009

O deus deles é o ventre ou os Moloks modernos

“O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas.” (Filipenses 3:19)
“...porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos.” (Romanos 16:18)
O deus deles é o ventre. São ensimesmados. O mundo inteiro converge para si. São iluminados pela própria esperteza escolada nas ruas, nos becos e nas fraquezas daqueles a quem devoram. Não comem arroz, feijão e ovo frito, são gourmets da malícia. Desejam prazeres sofisticados, vinhos envelhecidos, jamons de sete anos. Tem olhos sequiosos por tudo que lhes apeteça. Buscam mentes tolas à quais desvirginam com verdades secretas infalíveis e escravizantes.
Olham-se no espelho para alinhar as medidas de roupas milimetricamente caídas em seus corpos. Mordem os lábios de prazer ao ver carne humana exposta em tolas buscas pelas ruas e avenidas iluminadas, shoppings fosforescentes, que encantam e hipnotizam. Jogam pães às massas que correm ávidas. Comem e nunca se saciam. É pão levedado, causa dependência.
Sua glória alimenta-se de infâmia a qual dão novos nomes indecifráveis. Esquecem-se tanto de si, num abandono febril que tão somente é a indulgência com o mais vil que carregam como se fossem jóias. Não tem vergonha de nada, justificam com a palavra sagrada que sabem com hermenêuticas cozinhadas com esterco. Chamam-na para testemunha de suas façanhas milagreiras. Procusteiam a verdade para caber dentro de suas lógicas mofadas. Galanteiam a mentira com maquiagem colorida.
São forças telúricas. Arrancam força da terra, pesam milhares de gravidades de buracos negros, entortam o tempo e luz onde se assentam. Deles nada sai, apenas comem com sofreguidão sem dar nada em troca, exceto os gritos lancinantes dos devorados que lhes estendem clamores de piedade ou que lhes dê mais dos prazeres esfarrapados. Coçarão até ficar em carne viva, depois lhes negarão os ungüentos.
Suas línguas são mestres em lisonjas. E como agrada-nos que nos estapeiem com palavras deleitáveis, mesmo que se riem mal disfarçando com a mão na boca. Falam “Deus”, embora no secreto de suas mentes a nada se lhes remete a palavra. Não tem raiva de Deus nem alegria, não sabem se existe ou se é uma abstração. É algo que atrai pessoas. Palavra feromônica que remete aos instintos de sobrevivência, de encontro e de salvação, atrai irresistivelmente como lamparina às mariposas até que se imolam no brilho. Aqueles aceitam qualquer um que lhes diga “Deus”, tal o desamparo em que vivem. Deus é um abracadabra.
Eles subjugam almas incautas, destroem seus corpos com a promessa de um paraíso. São os nossos  Moloks modernos à espreita nas esquinas. Que mais dá o corpo que será destruído na morte? Deus não gosta de corpo, gosta de almas, dizem. Dão comida engordurada e com o tempo os devotados vão se tornando um enorme ventre insaciável, movidos vida adentro apenas pela tara da satisfação.
Negam que o corpo é para o Senhor e que o Senhor é para o corpo. Esta relação com um Deus que se encarna é muito complicada, falemos menos disso que é menor, sussurram. Importa a glória do reino nosso de cada dia. Mas corpos não vibram com carne, fremem com misericórdia e graça, acordes que lhes dão música.
Imagem: Ilustração do deus cananita Molok (2 Reis 23.10)