A beleza, dizem os entendidos, tem tudo a ver com simetria. Quanto mais simétrico, por exemplo, é um rosto, mais atraente será a pessoa. Segundo os experts, independente de cultura, é por este, por bem dizer, atributo, que nós humanos admiramos a beleza uns dos outros. Evidente, as idiossincrasias culturais determinarão qual parte do corpo é a mais bonita.
Arrodeio com esta conversa porque me deparei com uma nova pesquisa, publicada na revista científica Evolution and Human Behaviour, que constatou que homens com face simétrica tem menos chance de sofrerem demência na velhice. Atentem para isso. Mulheres não têm este tipo de problema, pelo menos a equipe pesquisadora não foi capaz de detectar o mesmo padrão no gênero feminino. Uma das possibilidades é que as mulheres são mais dedicadas aos retoques que consertam as rugas gerontólógicas. Um botox aqui outro ali, um fio de ouro, uma plasticazinha, não se conte as muitas juras de que sua juventude é fruto da genética familiar e uns cremezinhos...
Mau sinal. Embora tenha metade da idade dos pesquisados, pego-me apalpando o rosto, esticando as bochechas, os cantos dos olhos como que a dar simetria ao defeito de fábrica. Na hora da colagem das bandas, como fazem em bonecos, um funcionário mais desastrado, talvez em fim de expediente ou com outra urgência inadiável, juntou as partes sem tirar as aparas e sem checar a junção perfeita. Não fez por maldade, nem se sabia à época que este descuido poderia acarretar problemas futuros.
Aqui no canto da boca, um grande vinco de expressão de sorriso. Não está do outro lado. Sorrio enviesado? Não notei. Busco fotos antigas. Na maioria tenho uma cara incógnita. Não dá para saber. Achei uma! A marca premonitória está lá. Mas por que ria de forma tão arregalada? E se eu não rir mais, contará como fator preventivo? Assim, como se deixa de comer gordura?
Se olho bem, todo o rosto está a alguns décimos de milímetros desalinhado. Que susto! Esta pesquisa com ares frenológicos está praticamente prevendo meu futuro. Explica então porque me faltam as lembranças boas quando delas preciso – assim como a Jeremias que desejava trazer à memória o que pudesse lhe dar esperança –, porque agonizo ante um número telefônico, o nome daquela pessoa cuja fisionomia não me é estranha. Só consigo minha metade perfeita se bebo agachado no riacho ou se encosto o espelho ao lado, ele não me negará o defeito do que reflete.
Deus é simétrico. Está lá em sua Palavra. Ele é justo. Justeza tem a ver com retidão, nem sombra, nem variação de mudança como bem cita Tiago. Embora nós teimemos em dizer com o ditado calejado que Ele escreve certo por linhas tortas. É nosso olhar enviesado, é nossa assimetria de alma. É nosso modo de dizer, quem sabe, que no final tudo dará certo. Uma afirmação empenada de nossa esperança.
Ele que não se desvia nem para a direita nem para a esquerda em seu fazer, criar, amar. E assim nos fez. Mas, diz o escritor de Eclesiastes (7.29): “Tudo o que aprendi se resume nisto: Deus nos fez simples e direitos, mas nós complicamos tudo.” Nós, corrijo, eu, que nem sempre acerto com tanta retidão, o que explica que muito para além de minhas imprecisões fisionômicas, carrego comigo as ambigüidades de ser gente, caminho entre o desejo de me parecer com o Deus-homem e as armadilhas de acreditar que peguei o jeito de sê-lo.
Deus é perfeito. Se olho sua versão humana em Jesus, aprendo que não tergiversa com a verdade, afronta o mal no ser compassivo e misericordioso, inclusivo e acolhedor. Ele é a distância entre aquele de mim que quer fazer o bem e aquele que se agrada do mal. Revela minha incongruência, o que me alegra por que isso, me parece, é andar em verdade. Saber que sou dúbio, não no caráter comum, mas numa atávica atração para o mal ao qual devo repelir a cada sugestão que me faz.
Esmoreço às vezes porque me decepciono. Mas se me frustro é porque, por momento, esqueço minhas zonas de sombra, pois é lá que estão à espreita aquele de mim que não se alegra, não se compadece, não pede desculpa, não acalenta, não acode, não doa, não se desprende. Muitos diriam: é o diabo. Assim descartam sua própria responsabilidade. São pobres vítimas, acreditam. Mas a força do ser vil é proporcional ao meu desejo e descrença. É aí que ele se imiscui. Ele cria o palco, às vezes as falas e cenário, mas nada pode contra meu (seu) “não” decidido, nem contra o “sim” da submissão ao Cristo.