quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa

A Justiça decidiu que a Band deve indenizar com R$ 102 mil a atriz pornô Pamela Butt. Convidada do "CQC" em 2009, foi chamada de "prostituta" por Marcelo Tas e de "puta" por Rafinha Bastos na bancada do programa.
Fonte: Folha de São Paulo

Não é isso que digo? As coisas estão estranhas. Como é que alguém vai separar uma atriz pornô de uma prostituta? Alguém aí sabe explicar a diferença? Talvez seja melhor se aconselhar com o filósofo-cantor Falcão, pois já diz sua música: “porque homem é homem,/ menino é menino,/ macaco é macaco e...”  pra que falar o resto?
Quando menino, o supremo xingamento com o qual poderíamos contemplar um desafeto de mesma idade, era chamá-lo de “filho de rapariga”. A pronúncia, de fato, saía algo como “fiderapariga”. Evidente que tamanho palavrão dava vez a brigas e a defesa até sangrenta da honra ofendida. E de nada adiantava um adulto mais apaziguador vir com a estória de que o dicionário afirmava, do alto de sua sapiência, que rapariga é uma simples mocinha. Algumas, inclusive, poderiam até ser virgens, donde não havia porque zangar-se.
Tampouco haveria qualquer apaziguamento se o metido a pomba da paz indicasse que na terra que nos legou o idioma, rapariga é tão somente uma moça, feminino de rapaz, e que não há, nem em sonho, qualquer conotação de que a dita cuja pratique qualquer ato libidinoso ou venda suas partes pudendas por uns cobres.
Se bem pensasse o que foi xingado, de fato, tratar-se-ia de um agraciamento que recebia a senhora sua mãe. Estes argumentos, porém, ainda que verdadeiros, não acalmavam nem de longe a sanha do aquinhoado com o epíteto “deselogioso” à sua genitora.
Lá pela adolescência, era moda chamar aos colegas pelo nome da mãe. Havia um quê de malícia nisso, embora, aí não houvesse qualquer violência entre os que assim se chamavam. A rapariga, não sei por que motivo, ficara perdida em algum lugar no passado, pela simples razão de que as palavras se desgastam. O significado se carcome e as pessoas deixam de usá-las, como quem joga algo imprestável num canto para ser esquecido. Neste caso, rapariga não era mais puta, que era a má intenção com a qual a pobre palavra sofria aqui na terra brasilis.
Confesso, tenho muita pena das palavras que não são mais faladas, qualquer uma, o que inclui as palavras feias também. É uma espécie de morte e que macula que ousa ressuscitá-las. Basta falar uma mísera gíria de sua adolescência perto dos jovens para virar motivo de chacota. E com a ignorância galopante, nem se ouse falar quase qualquer coisa, a maioria só entende: aí, ó, uh. As gírias novas, então, são algo como um novo idioma, que num átimo de tempo faz você se sentir meio ultrapassado e analfabeto.
Assim que hoje vive-se num mundo da imagem, da rapidez, de vidas contadas em 140 caracteres, mas também de palavras que se tornam, de algum modo, amaldiçoadas. São trocadas por frase inteiras que querem explicar aquilo que a palavra condenada fazia sozinha, mas por ser direta, feria. Quer ver? Antes: Cego. Agora: Deficiente visual. Ops, não pode mais dizer “deficiente”. Também não sei o “certo”.  
A coisa, entretanto, é mais grave. Não são as palavras que ganham novos significados ou desbotam aquele que possuíam. Isto quando não caem num índex do politicamente correto. São as próprias condições de ser ou exercer certas atividades que mudam o tempo todo e assomam a status estratosféricos, por mais inúteis que sejam. Imagine você tendo que explicar que prostituta não é a mesma coisa que atriz pornô. Nem depois da Bruna Surfistinha é possível separar.
Pois uma pornoatriz, indevidamente alcunhada de prostituta, apoquentou-se e processou um programa televisivo que a tratou de forma desconstrutiva, afinal, tinha uma carreira, um nome a zelar. O juiz acatou. E danou-se com a defesa. Desfaçatez, disse, por não saberem separar alhos de bugalhos. Penso cá na minha bruta ignorância. Não é o caso de ter tratado as meninas quengas com preconceito?