sábado, 21 de março de 2009

Estado terminal e a religião


A pesquisa aconteceu no Instituto do Câncer Dana-Faber, de Boston, Massachusetts. Foram acompanhados 345 pacientes em estágio terminal de câncer até a hora da morte. Descobriu-se que os pacientes religiosos rezavam (oravam) demonstrando querer que os médicos prolongassem suas vidas o máximo possível. Inclusive, este grupo, estava mais disposto a submeter-se a tratamentos intensivos com o objetivo de ganhar mais tempo, três vezes mais que os demais que não eram tão religiosos.

Outro detalhe que a pesquisa sugere é que a morte das pessoas submetidas a tratamentos que prolonguem a vida, é mais difícil. Pode-se inferir que a determinação de viver, mesmo a alto custo físico e emocional, beira a distanásia, se não é a própria.

Também no grupo religioso, foi bem menor o número de pessoas proibindo as medidas de ressuscitação que utilizem todo o arsenal tecnológico hoje disponível. Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh descobriram que tratamentos como a respiração com ajuda de aparelhos e ressuscitação, alimentação com o uso de tubos e quimioterapia não paliativa estavam associados a mais sofrimento físico e psicológico. Outras pesquisas apontam para redução na qualidade de vida dos pacientes que são submetidos a tratamentos intensivos nos últimos dias de vida.

As descobertas são interessantes e devem ser objeto de discussão por parte de todos os que lidam com pessoas em estado terminal, especialmente psicólogos.

É admirável a contradição encontrada na disposição dos religiosos de permanecerem neste mundo a despeito do alto preço de desconforto e praticamente inocuidade das medidas num caso terminal. A lógica seria esperar que a religião lhes desse a quase ousadia para enfrentar a morte. A motivação para a vida eterna que dizem crer.

O apego a esta vida soa dissonante no contexto religioso. Seria a posição radical de fundamentalistas contrários a qualquer tipo de atitude de deixar morrer aqueles que não têm mais chance de sobrevivência? A opção radical pela vida estaria na ética que norteiam o ponto de vista destas pessoas? Da perspectiva religiosa, o tipo de ensinamento a respeito do paraíso, vida eterna, descanso eterno, esperança de ressurreição estariam negligenciados? Esta atitude de apego à vida reflete mais as forças sociais presentes do que a religião que professam?

As questões foram levantadas, mas não há respostas. Os pacientes brasileiros em iguais condições reagem desta mesma forma? Considerando que no meio evangélico a maioria aderiu a um tipo de religiosidade de resultados, talvez a resposta seja a mesma.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Para que nos serve um milagre?


Sentado atrás de sua mesa, o velho pastor, calejado por anos de experiência no mundo pentecostal, já havia visto de tudo. Perguntei-lhe sobre um estranho acontecimento ocorrido dias antes diante de milhares de pessoas numa cruzada que sua igreja promoveu. Pastor, e aquele milagre do homem que andou ao sair de sua cadeira de rodas? Ele fez um ar desolado e disse: Oh, meu irmão... Demorou-se por momento, como se procurasse uma resposta e por fim completou: Aquele homem (o que andou) eu conheço há muitos anos, ele anda. Tem uma doença que dificulta o andar normal, por isso tem a cadeira, mas anda. Não sei como terminamos a conversa. Ele era muito discreto e estava visivelmente constrangido porque o pregador daquela noite era muito conhecido, homem de destaque, missionário, experiente em pregar por diversas partes do mundo.

Quer dizer, o “milagre” foi uma espécie de ópera bufa, de um pregador em decadência tentando de todas as formas legitimar sua fala, dar-se importância, mostrar que Deus ainda agia por seu intermédio. Esta história tem quase 20 anos.

A diferença entre este relato e os homens e mulheres na mesma posição hoje, é que estes são infinitamente mais ousados. De fato, quase nenhum evento dispensa, em sua chamada nos meios de comunicação, a palavra milagre. É como um chamariz, açúcar para moscas. Não fazê-lo é correr o risco de não ter público, porque não há nada melhor para agitar um destes rega-bofes religiosos do que um milagrezinho. Quem não os faz, ou, os mais comedidos, que apenas sugerem ser o canal pelo qual eles acontecem, não está com nada.

A palavra milagre foi absorvida pelo nosso dia-a-dia. Assim, sofre distorções, exageros e é banalizada. O teólogo e escritor R. C. Sproul comenta: “O termo milagre tende a ser usado levianamente hoje em dia. Um gol no futebol, uma situação em que se escapa ‘por um triz’, ou a beleza de um pôr-do-sol são rotineiramente chamados de milagres.”

Nas versões evangélicas (ou tidas como) mais vistosas no Brasil, transformaram milagre em arroz de festa. Em seus eventos contam-se aos montes. Eles estabeleceram um padrão em que muita gente está viciada. Afinal, a vida deles precisa é de milagres, não de trabalho, não de luta, não de entrega, não de devocional sincero, não de leitura temente da Escritura, não de palavra vivificadora, não de simplicidade e de serviço ao outro. Tão somente isto: milagres.

Tecnicamente, milagre refere-se a atos de Deus contrariando o que é natural. Mas porque, nestes tempos, se necessita tanto deles? Há dois tipos de viciados em milagres: os curiosos. Querem apenas satisfazer sua incredulidade e mesmo diante do inaudito, acharão uma forma de denegri-lo. Os fariseus e escribas fazem parte deste grupo (Mt 12.38,39); o outro grupo compõe-se dos débeis na fé, jamais querem deixar essa posição porque lhes é cômoda. Imaturos, nunca lhes chegará a responsabilidade, pensam. Em João 6 seguidores questionam Jesus: Mestre, quando chegaste aqui? E a resposta desconcertante: “Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes.” (Jo 6.25,26)

Jesus mesmo é nosso milagre. O Espírito Santo que O comunica, que presenteia Sua presença a cada qual que crê, é nosso milagre. Não precisamos de intervenções espetaculares de Deus para que entendamos quem Ele é. Tampouco Ele será mais forte, poderoso, glorioso se nos mima com milagres espetaculares, menos ainda se acontece sob a luz dos holofotes de pregadores megalomaníacos e personalistas. Não nos faz tremer o dito àqueles que fizeram tantos milagres e profecias e, no entanto, ouvirão do Senhor: Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade.? (Mt 7.23 – ARA)

Pobre de mim se tão somente crer porque recebo milagres. É como se vendesse minha alma por preço barato. Qualquer milagre, no máximo, altera as circunstâncias momentâneas para um fim específico, mas que dizer do que é eterno? Será que Deus mesmo se presta a este leilão? A Palavra já não é o bastante para comunicar a verdade, trazer à luz gente renascida? É preciso ser acompanhada por atos miraculosos para autenticá-la?

A espetacularização da fé cristã mata a fé, porque esta se alimenta da presença de Deus por meio de Jesus na vida do que crê. Onde acontece a vida? No dia-a-dia cheio de lutas, desafios, negações, dores entremeadas de alguns risos e nisso ela (a fé) se fortalece. A fé advinda porque vi um milagre ou fui alvo dele pode se esvair tão rápido ou ser transformada num amuleto.

Parece-me sugestivo que Elias, escondido dentro da caverna, veja um vento tão forte que quebra pedras, terremoto, fogo e em nenhum deles Deus estava. Ele aparece num cicio tranqüilo e suave e daí sua voz (1 Rs 19.11-13). Com milagre ou sem milagre Deus é e se se manifesta em simplicidade ainda aí será plena a sua glória.

Vem Senhor Jesus, com tua doçura e santa presença, apenas isso me é suficiente. Nada digas, nada faças, tão somente tua santa presença, teu olhar que me diz que me conheces e que por tua graça e misericórdia sou aceito tal como sou. Sê meu sustento, minha força para que eu suporte a mim e aos que caminham comigo e neste caminhar ganhe a tua face em mim porque fui salvo e redimido pelo teu sangue na cruz e aperfeiçoado pelo Espírito.

terça-feira, 17 de março de 2009

Uma charge vale mais que mil palavras


Na calada das noites. Nos subterrâneos do poder.  Nos becos sujos dos conluios. Nas esquinas mal faladas do apadrinhamento. Nos corredores do Congresso em Brasília. Nos salões do executivo. Debaixo da togas das vestais do julgamento.
É assim que acontece.

Charge: Angeli - Folha de São Paulo - 17/03/09 

segunda-feira, 16 de março de 2009

A excomunhão


Dezenas de pessoas se debruçaram sobre este inacreditável acontecimento. Uma menina de apenas 9 anos é estuprada pelo padastro, engravida de gêmeos, mas o corpo demulher ainda informe, não aguenta a gravidez dupla e ameaça matar a pobre garota, de algum modo com uma parte morta, sua inocência. 
Em perigo de vida, o médico faz a única coisa possível diante da difícil escolha, tenta salva a garota pela maneira possível nas circunstâncias, o aborto dos gêmeos. Ato contínuo, um cardeal, que não se manifestara em momento algum em favor das milhares de meninas mais ou menos da mesma idade estupradas pelo país, excomunga o médico e a mãe da garota. Pormomento não se sabe quem praticou o crime infamante, a mãe, o médico, a menina, o padastro? 
Repercussão indignada daqueles que, pelo senso comum, percebem que a questão ética do aborto, neste ligeiro momento, está em segundo plano, posto que em primeiro está o salvar a vida da menina. O que parece óbvio a todos não sequer cogitado pelo cardeal, afinal ele, guardião da lei canônica, está diante de um dilema: defende sua lei ou exerce misericórdia? Será que ele esteve diante deste dilema? Impávido, decreta: excomunhão.
Constrangimento na igreja,  titubeio na CNBB, desconforto no Vaticano.  Primeiro palavras brandas. O cardeal está certo, afinal ele cumpriu a lei canônica. Mas... Por fim, o Vaticano envergonhado, decide: critica excomunhão no caso de aborto de menina de nove anos.
A cada vez que a igreja tiver que ser satisfeita em sua lei, seu dogma e o valor humano tomar um segundo lugar, esta igreja terá falhado fragorosamente em sua missão de religar este homem a Deus.

Peixe é que morre pela boca (cachorro também)


Uma lavradora de 31 anos foi presa na terça-feira (3) por suspeita tentar matar o marido, também lavrador, de 37 anos, com uma coxinha envenenada em Conchal, a 184 km de São Paulo. A informação é da Secretaria da Segurança Pública do estado.
Fonte: G1

 

Clarimunda não era mais a mesma. E olha que homem para se dar conta das coisas, demooora. Didu percebia que sua mulher mudara, mas em quê exatamente? Isso não sabia e como a desconfiança com ela ia e vinha como mosca, que teima em sentar no mesmo lugar, ele deixava passar. De todo modo, era preciso manter as antenas ligadas.

Desde o namoro, ela era dada a rompantes de raiva, tornava-se agressiva, mas aquilo, pode se dizer, temperava a relação. Bastava uma pequena contrariedade e ela atacava. Ele ganhava uns beliscões, umas unhadas, era quase divertido ter que inventar desculpas para as perguntas das pessoas próximas sobre as agatanhadelas. E a brincadeira consistia em ele desdobrar-se para amansá-la. Sentia-se o próprio domador de uma égua chucra. Paixão cega. Mas os sinais estavam lá, aquela mulher tinha um instinto assassino.

Inventar historinhas aumentava o segredo e criava uma sensação de transgressão que eles apreciavam. Riam juntos, quando ele contava as improváveis causas das injúrias na pele aos curiosos. Algumas vezes, ele pressentiu que brincava com fogo, mas logo arranjava várias desculpas para uma relação que era, afinal, moderna, explorava sensações diferentes.

Mas esse tempo havia passado há muito. A rotina se estabeleceu e perderam-se os dois na luta pela sobrevivência e até conseguiram amealhar umas coisinhas, incluindo casa, um carrinho usado (é horrível dizer semi-novo), uma poupança para emergências. Os jogos amorosos entre eles perderam a graça, mas Clarimunda manteve uma queda pelo trágico e o mórbido. Alguns bichos de estimação morreram ou desapareceram sem deixar vestígios. O último fora um galo de briga que Didu tratava a pão de ló.

Dia desses, Didu chegou em casa no final da tarde e Clara – preferia esta forma do nome ao verdadeiro –, cheia de mesuras, ofereceu umas coxinhas. Os quitutes ainda estavam fumaçando. Nisso ela era muito boa, talvez explicasse a longevidade do casamento. Quisesse matar Didu, era oferecer umas coxinhas que ele adorava tomar com cerveja.

A mulher ficou em pé, olhando ele pegar a coxinha, esfregava as mãos e mostrava um riso estranho, nervoso. Ele encheu a boca com um grande pedaço e... cuspiu. Ô Clara, a coxinha não está boa não. Vixe, será que castiguei no tempero? Vem cá Flunxo, toma. Dá pro bicho não, demorei tanto pra fazer. Vou comer outra, quem sabe tá melhor? Flunxo, o cachorro da família, que olhava pidão para seu dono, abocanhou a coxinha de uma vez e... caiu duro ganindo.

Didu, pasmado, com a outra coxinha na mão, olhou para a mulher que se escafedeu para a cozinha. Tinha certeza, um pedacinho de nada ele engoliu. Saiu em desabalada carreira para o pronto-socorro. Uma lavagem estomacal depois, foi para a delegacia. Diante da polícia, Clarimunda confessou. Desviou o dinheiro da poupança do casal para algo que nem se arrancassem suas unhas a torquês ela confessaria, com medo de Didu descobrir. Resolveu matá-lo com a coxinha envenenada.

A senhora não podia simplesmente contar para o seu marido que havia desviado o dinheiro? É. Então, minha senhora, que atitude tresloucada foi essa? Não sei. Não consegui pensar noutra coisa, achei mais fácil matar. Mas a coxinha tava boa, não tava não, Didu? Tirante o tempero...