terça-feira, 17 de julho de 2018

Contradição e cegueira moral

Imagine a seguinte personagem. Ela teve sete filhos. Moradora de rua. Dependente química. Grávida do oitavo filho, a promotoria abriu processo para submetê-la a uma laqueadura. Laudos do centro de assistência social e de uma psicóloga subsidiaram a decisão da justiça.
Além disso, a mulher tem passagem pela prisão por tráfico. O documento de consentimento para a laqueadura foi assinado pela mulher. Mas...
A prefeitura de Mococa (SP) entrou na justiça para impedir o procedimento cirúrgico que foi acatado pelo Tribunal de Justiça, mas  a morosidade da justiça chegou tarde. Procurada por reportagem, a mulher negou que tenha consentido com a laqueadura e bastou para se tornar um grande imbróglio em debates acalorados pelos defensores do direito da mulher sobre seu corpo. A OAB da cidade, entretanto, afirmou que em visita à mulher na prisão, ouviu que ela concordou com o procedimento.
A mulher, no centro das atenções momentaneamente, recém saída da prisão onde estava desde novembro/2017, talvez única moradia estável que tenha tido, tornou-se uma grande vítima. Disse que não teve direito de olhar o “rostinho dela”, pois a criança foi encaminhada para adoção.
Mas vejamos este amor maternal. Os sete outros filhos estão assim distribuídos: 3 sob a guarda do pai do primeiro relacionamento, um dos quais internado por dependência química. Da relação atual, 5 filhos, três foram adotados, uma adolescente está em um abrigo social. A última é a bebê do problema atual.
O juiz e o promotor foram expostos pela reportagem do Fantástico como se fossem verdadeiros nazistas eugenistas, inclusive com declarações que serviam a manchar suas condutas por anteriores envolvimentos em supostas questões polêmicas. A edição é mais verdadeira que a verdade.
Então retomemos. Independente dos graves problemas socioeconômicos da família, o fato concreto é que as crianças precisaram ser abrigadas ou doadas por negligência dos pais. Aqui não cabe indagar as razões da prolificidade ou da irresponsabilidade paternas. As crianças são mais importantes que qualquer coisa.
Os autodenominados progressistas e politicamente corretos de todos os matizes logo apareceram com sua verborragia em defesa dos direitos humanos. Togados fissurados apenas na letra seca da lei gritaram a ilegalidade do ato. Instaurações de processos investigativos pela conduta do magistrado e do promotor seriam realizados para verificar a violação da lei sacrossanta.
Uma tal coordenadora-auxiliar do núcleo especializado de promoção e defesa dos direitos da mulher da Defensoria de São Paulo, vociferou que o planejamento familiar é de livre decisão do homem e da mulher por isso houve ilegalidade. Independente dos laudos e testemunho do juiz que ouviu a mulher mais de uma vez. A pergunta que se faz é: que decisão livre pode fazer uma dependente de drogas?
Mas o mundo é feito de contradições brutais. Quanto mais partidários de uma ideia, mais fácil cair nesta armadilha. Os progressistas, grande parte do judiciário, em especial as defensorias, ultra sensíveis a direitos humanos, são os primeiros a gritar pelo direito da mulher escolher abortar. Defendem como se fosse um valor que sobrepuja o direito à vida do feto. As razões são as sociais, econômicas e pelo simples fato da mulher não querer aquele filho seja lá a razão que esboce. Quer dizer, matar pode, mas impedir uma mulher de continuar colocando filho no mundo que não tem a mais remota condição de cuidar, o que acarretará sobrecarga à sociedade, não pode.
Os abortistas absolutizam o ato como algo moderno, democrático e que, acima de tudo, respeita os direitos humanos, mesmo que seja à custa da morte de alguém que não pode se defender e que, nascido, poderia ser encaminhado à adoção, caso a mulher continuasse rejeitando o filho que gerou. A tal sub da defensoria paulista argumenta o direito de escolha do método anticoncepcional, tenho certeza que ela inclui o aborto, se não ela em pessoa, o órgão que representa.
Não pode haver absolutos de qualquer espécie quando a vida está em jogo. Não vale o argumento da defesa vitimista das mulheres que escolhem aborteiros em recantos imundos das cidades. Há múltiplas saídas possíveis para este problema, que não o assassinato consentido e legal, basta a sociedade querer.

PS. As reportagens sobre o caso da mulher circularam no início de junho/2018.

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