segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Macarrão sem perna

Agentes da Polícia Civil encontraram uma perna mecânica que seria do traficante conhecido como Macarrão, integrante da facção criminosa suspeita de ordenar os ataques em série no Rio. A prótese foi encontrada nesta sexta-feira (26) durante operação na Vila Cruzeiro, na Penha, no subúrbio do Rio. Nesta noite, não havia informações se o traficante tinha sido baleado por policiais (Foto: Marcelo Piu/ Ag. O Globo)

Fonte: Do G1 RJ
José Pereira da Silva, 28, pardo, instrução fundamental incompleta, sem ocupação formal desde os 11 quando trabalhou como engraxate e depois como vendedor de picolé nas praias cariocas. Aos quinze, foi recrutado pelo tráfico. Apesar de altura razoável, não tinha carne para encher a estrutura. É dessa época o apelido de “macarrão”. Alcunha nada assustadora para um assassino frio que atirava até em cachorro ou qualquer coisa que se mexia, quando estava de plantão na boca, só por diversão.
A frieza e crueldade lhe garantiram subida meteórica na estrutura do tráfico. Além disso, sempre contou com uma coragem quase suicida. Aos dezessete, era gerente de boca. Contava então, com quatro mortes. A primeira numa festa porque queria impressionar uma menina. A segunda, num assalto, a vítima espirrou. A terceira, um traficante de um grupo rival e a quarta, outro traficante, que se esqueceu de pagar o que devia. Aliás, esta morte lhe garantiu a gerência.
De gerente, “macarrão” tornou-se administrador de várias bocas. Neste período, com outros colegas, meteram o chefe no microondas para assumir o poder. Criou sua própria facção que denominou Morro Feliz. Num enfrentamento com a polícia, em fuga alucinada pelo morro, caiu de um barranco e destroçou a perna, mas dentro da vala, não foi visto pelos policiais. Companheiros o resgataram e o levaram a um hospital clandestino, mantido pelo tráfico, onde amputou a perna. Desde então, anda com uma prótese mecânica.
A vida mudou muito. Além das brigas por áreas de venda com outros bandidos, o que faz parte do negócio, enfrenta os milicianos – policiais bandidos – também precisa encarar a polícia que criou a ocupação permanente dos morros. A vida era mais simples. Como dizia Lúcio Flávio, seu herói, antes bandido era bandido e polícia era polícia. Agora é uma confusão dos diabos. Ele anda meio macambúzio. Perdeu o morro onde morava e vendia seu produto calmamente, agora vive num buraco e só sai à noite como um rato. Acostumou-se, é verdade, mas o último acontecimento, para ele foi a gota d’água.
É certo que “macarrão” passou poucas e boas com a perda da perna. Mas consolava-se: guerra é guerra. Era como um troféu no corpo, afinal. Ganhou até mais respeito. Para sua idade, no tráfico, era decano. Manteve relativo poder, mas a polícia estava infernizando sua vida. A prótese, por outro lado, era quase uma namorada. Companheira querida. Sabia que com ela podia contar, menos, é evidente, para uma carreira desabalada por vielas das favelas. A prótese, que ele apelidou secretamente de lucinha, devolveu-lhe a sensação de ser homem. Não no sentido sexual, mas na inteireza. Até esquecia que não tinha perna.
Dormia com lucinha, momento em que até podia se separar da prótese, mas macarrão sentia falta, além de achar um desrespeito. Seria justo deixar lucinha num canto, à noite, no frio? E se ela sentisse medo? Pensava. Aquela, sim, era carne de sua carne, não aquelas interesseiras que só gostam da grana do traficante. Ao vê-la pendurada nas costas de um policial que tomou seu último refúgio, doeu fundo. Era por tudo. A perda de lucinha era outra amputação. Sofreu pela desfeita de vê-la carregada como coisa qualquer. Exposta em sua nudez, banalizada, como um troféu barato. Aquele homem, certamente, não tinha coração.