terça-feira, 19 de julho de 2016

Whats-Constrangimento

“De repente, não mais que de repente...” Sei, emprego a frase de “Soneto da separação” em contexto diverso de seu sentido, mas o faço de propósito. Leitor, retome a frase do Poetinha. Você se dá conta de que faz parte de pelo menos cinco grupos de whatsapp com os quais se relaciona quase como múmia: não esboça nem um bocejo sequer, não fala, e não coloca um único e escasso emoji sorridente para as piadas e/ou imagens esquisitas que as pessoas adoram compartilhar. Não raro, de mau gosto, pois todo grupo parece ter um espírito de porco. Por indiferença às postagens cornucópicas, tampouco tecla o famigerado kkkkk para não deixar a fala de um zinho qualquer no vácuo. Na verdade, você fantasia – e acha ótimo – a imagem dele(a) se contorcendo por causa do silêncio de todos.
Se você é daqueles que, sei lá porque razão, não usa o dispositivo “silencioso”, vai acabar percebendo que está a ponto de ter um surto, pois a cada dois segundos seu celular emite um som. Saiba, isso também inferniza a vida de quem está por perto. São as pessoas postando freneticamente. Ao olhar as mensagens nos grupos, descobre: são centenas de postagens tolas, repetitivas, engraçadinhas ou brigas, digamos, verbais, pelos motivos mais ridículos e que você não tem a mínima vontade de apartar: que se matem... verbalmente.
A certa altura, você tem uma sensação de estranhamento. O que eu tenho de comum com estas pessoas? Se alucinar um pouco mais, se perguntará: quem são essas pessoas? Precisa relembrar que foram da escola, são do trabalho, da igreja, do condomínio... Os grupos escolares viraram moda. São enormes. Vivem numa espiral nostálgica que abusa como quando se come mel além da conta. Entre os membros, alguns tentam ressuscitar brincadeiras adolescentes, outros suspiram o tempo inteiro pelos velhos e incríveis tempos e ali se torna uma bolha que oferece um parêntese entre os desacertos, os fracassos, os desastres e tudo aquilo que a vida lhes fez. Pode ser um espelho da rainha má a dizer quão errado deram aqueles seus planos de ser alguém na vida, já que alguns dos colegas chegaram lá e você, não.
Algo une todos esses grupos: você sente uma vontade enorme de sair simplesmente batendo a porta e pronto. Então, um fenômeno sinistro: desconfia que está preso por teias invisíveis que lhe impedem de sair. Pensa um pouco e nomeia algumas das armadilhas, pois são o que são. Vergonha. Culpa. Pensa: o que dirão se eu sair assim? Falarão mal de mim. E, mais horrendo, pensarão mal de mim. E se corrói com o dilema: que desculpa dar?
Descobre que apagar as mensagens e imagens sem lê-las é como uma pequena vingança. Uma forma de dizer para si mesmo: olha o que faço com vocês e suas tolices rematadas! A vontade de sair, porém, não acaba. Mas um constrangimento avassalador lhe toma de assalto, aquele que é seu e o que lhe incutem. Ao final constata: o grupo virou uma prisão. Sair é mais que ousadia, é uma traição aos demais. Eles se parecem a uma... Coreia do Norte.
Assim estava minha amiga que encontrei à porta do elevador. Subimos alguns andares juntos. Você ainda está no grupo tal? Afirmei que sim, mas que iria sair. Ela aproveitou: Como tu vai fazer isso? Há tempos quero sair e não consigo! Já marquei data e tudo e na hora faltou coragem. Respondi: Direi que foi legal, desejarei algo de bom e tchau. Faça assim, aconselhei. Então, desolada, ela perguntou: Mas se eles me colocarem de volta no grupo?