domingo, 27 de dezembro de 2015

Da época que espaguete era só uma refeição leve.



A Nova Zelândia deu sinal verde para que a Igreja do Monstro Espaguete Voador a realizar casamentos no país.
Fieis da denominação religiosa se autointitulam “pastafaris” e acreditam que o mundo foi criado por uma criatura alada feita de espaguete e almôndegas de carne, embora o próprio site da igreja assinale que alguns deles consideram a doutrina uma “brincadeira”.
Fontes: BBC Brasil (25/12/2015), UOL esporte (25/12/2015)
Faz tempo que o Natal público das celebridades se tornou oblíquo. Algo que anda de lado e que desconheço. Evoca qualquer coisa, menos o significado que inspira a data. Numa mesma página da internet, me deparo com o natal de alguns atletas. Serena Williams, a imbatível tenista, vestida num body branco mostra seu corpo escultural e malhado e dá “bom dia” aos internautas, enquanto arregaça um dos lados para expor seu traseiro monumental. Isso em plena manhã do dia 25.
Mal desvio o olhar e vejo Neymar do alto de seus muitos milhões de dólares, sentado no colo de um papai noel com uma máscara daquelas que se vê em filmes em que acontecem cenas de assalto a banco. Uma ironia, pois não? Há mais. O craque usa um modelito onde se lê: “máfia”. A aparência do jogador muito à vontade não evoca algo lá muito bom. As tatuagens, o olhar entre cínico e debochado, lembra mais um bandido típico dos morros do rio. Só faltou o fuzil ou pistola banhada a ouro. Sim, ele pode pagar por uma.
Por fim, Cristiano Ronaldo, mas que pode ser chamado de CR7. Este, coerente com sua postura narcisista, megalômana e ostentatória, se exibe no que parece ser uma boate ao lado de noeletes sexies, mas que um olhar um pouco mais atencioso, descubro que são renas gostosas que zanzavam pelo ambiente com seus chifrinhos dourados e perucas louras de fazer inveja à Elke Maravilha.
Qual parte do natal eu não entendi? Costumava ser uma comemoração familiar e um momento de devoção. Devo me aproximar da onda? Mas cismo que deve haver uma religiãozinha para mediar o momento e não perder o costume.
E onde me tenho neste desarranjo? Pensei em fazer algo diferente. Mesmo agora depois da data, mas ainda com as luzinhas acesas. No mesmo pacote de notícias esquisitas vejo que, de acordo com o espirito do momento, a Nova Zelândia declara apta a igreja do Monstro Espaguete Voador para realizar cultos e rituais que lhe são parte da crença, se se pode chamar assim.
Parece que no país insular existe alguma coisa como um departamento de aprovação de novas religiões. Dizem que não se atêm à parte, digamos, teológica da coisa – não há problema de chamar “coisa” uma igreja com tal nome –, tão somente se dizem defender posições filosóficas que, mesmo vagamente, sugiram algo como defender o bem comum. No caso aqui, suspeito, é o riso, o que está declarado no site da instituição que chama de “brincadeira” o nome que se deram.
Outra religião, o zuísmo, na também insular Islândia, se diz politeísta e ressuscita antigos deuses sumérios. Do dia para a noite saiu de três membros para pouco mais de três mil. O sucesso estrondoso não se deve às indefectíveis redes sociais, mas a algo mais velho, dinheiro. Ali existe um imposto que sustenta as igrejas e é comum na Europa ligeira repulsa dos europeus pós-cristãos e certa resistência quanto a descontar imposto para igrejas. O zuismo, como religião formalmente registrada, recebe a parte que lhe toca e, em protesto, devolve aos seus fieis a parte descontada pelo leão deles lá.
Com tanta bizarrice nos dias de Natal pensei: vou me filiar à religião mais estapafúrdica. Acho que tem tudo que ver com o Brasil dos últimos tempos. Não pela cornucópica lista de traquinagens corruptas que a cada dia nos presenteiam os noticiários, mas pelas justificativas aos maus feitos que agora se tornaram notórios até mesmo no vetusto Supremo Tribunal Federal.
Não sei o mundo, mas a explicação da novel religião cabe no Brasil. O país surgiu pela vontade de uma massa espaguete voadora recheada de almôndegas. Foi a inspiração do tal Cabral. Secretamente, políticos e os insignes magistrados do STF e assemelhados, são todos pastafaris como doravante serei. Prestam loas ao grão-mor Lámen supremo. 
Acho que no ano vindouro posso começar por baixo, como um macarrão alho e óleo. Indaguei se eles têm missa do galo, disseram que vão providenciar, mas não a do galo, a da marmota. Está bom pra mim. Não se pergunte de onde tirei a louca mistura de temas aqui exposto, é o espírito da almôndega à bolonhesa operando.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

FELIZ NATAL E UM EXCELENTE ANO NOVO

Que neste Natal haja Paz e Alegria para todos. Desejo que o ano novo venha carregado de boas realizações e cada um tenha progresso profissional e pessoal.




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

No Coração do Mar

Os dois homens estão sentados à mesa. Um deles deseja ouvir uma história antiga e que se tornou, com o tempo, uma espécie de tabu. Assim descreve o livro de Nathaniel Philbrick, historiador e autor da obra “No Coração do Mar” que agora se tornou filme. Os efeitos especiais são incríveis, mas nada como nossa imaginação.
De qualquer modo, o filme é suficientemente fiel para dar ao espectador uma boa ideia da fascinante aventura que foi vivida pela tripulação do Essex, navio baleeiro que ousou ir longe demais na busca incansável pelo óleo de baleia, principal fonte energética nas primeiras décadas do século XIX.
O personagem Thomas Nickerson tinha apenas 14 anos quando começou sua vida de marinheiro. No filme, ele é o contador da aventura a ninguém menos que Herman Melville que, inspirado na história, criou sua obra universal Moby Dick. Esse detalhe é uma especulação que o livro detalha, pois admite que Melville tomou conhecimento da história para inspirar sua obra-prima.
Nickerson é um homem velho e consumido pelo que chama de abominações que praticou, no caso, o canibalismo de seus companheiros mortos. Nunca conseguiu contar para ninguém o que viveu como se o restante de sua vida tivesse se transformado num transtorno de stress pós-traumático eterno.
Por causa disso, mergulhou no álcool para anestesiar sua angústia. Preferiu calar como se, ao falar, seu segredo se transformasse num monstro que o devoraria. Melville quer obter a história para seu próximo romance. O velho marinheiro resiste até que, vencido por argumentos de sua mulher, decide enfrentar seu demônio pessoal.
A certa altura do relato, Nickerson parece que está a ponto de implodir e parar. Então o personagem Melville diz: “O diabo adora segredos não revelados. É isso que atormenta e adoece a alma.”  
Milênios antes, Davi, o rei, disse algo parecido. “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.”

O silêncio alimenta o mal. O calar faz a alma agonizar. Nickerson continua sua história e depois de contar toda a verdade, numa catarse que esperou décadas para acontecer, ele se transforma e tenta até devolver o dinheiro que receberia pela história.
Certos silêncios são abrigos para escuridão. A alma precisa voar, vir à luz do sol das palavras para se organizar, deixar o peso e passar a limpo o oculto. Eventos traumáticos e certos segredos amortecem o vigor, apodrecem os ossos como bem diz Davi. Falar é acertar contas com o inimigo íntimo. Enfrentar aqueles que nos fizeram mal, coisas e gente. Por fim, é libertador.
O filme é mais que um entretenimento, é um convite a uma viagem que pode ser a nossa mesma.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Nietzsche, Paulo, daesh e as baboseiras do Contardo Calligaris

Vejam o que uma sensação de futilidade não faz uma pessoa escrever. O psicanalista Contardo Calligaris, autor da série PSI produzida pela HBO, estava sob pressão para escrever um texto para sua coluna na Folha antes de partir e entre outros muitos compromissos. Ao mesmo tempo, vivia um momento particularmente importante em sua carreira. Sua série fora indicada para o maior prêmio mundial do entretenimento televisivo, o EMMY Internacional, concorrendo na categoria série dramática, além do que, o ator principal, Emílio de Mello, também concorria ao prêmio de melhor ator dramático.
É nesse contexto, com as malas prontas, que Contardo é tomado pela sensação de que tudo isso é fútil. Até diria mais. Do sem sentido de todo o aparato, enquanto o mundo se convulsiona com o Isis (daesh) detonando etnias – homens, mulheres e crianças indistintamente – em sua louca sanha religiosa. Pelo menos foi esse tema que ele evocou. Haveria também um sentimento de culpa no colunista? Dependendo da sensibilidade de cada um, nada mais normal. Embora, suspeito, essa sensibilidade seja daquelas que causa leve comichão, enquanto se assiste a notícia, mas encarapitado numa cobertura e tomando um vinho importado. Ah, fazendo cara de nojinho, como diria Felipe Pondé.
Escrevo bem depois de o evento ter se realizado em Nova Iorque. Depois das declarações de praxe: foi muito importante ter sido indicado, blá, blá, blá. Não deu nem para o seriado nem para o ator. A essa altura, suponho que a tal sensação de futilidade e o raciocínio destrambelhado do colunista tenham voltado ao normal. Imagino que o sorriso amarelo e o travo na boca por não ter ganhado o prêmio já tenha se extinguido.
Acertadamente, o colunista afirma que os fanáticos nos tomam a todos por fúteis. O recente ataque a Paris foi, de maneira declarada, uma ação premeditada contra o que julgam ser o suprassumo da frivolidade ocidental: esporte, arte, shows, a diversão no barzinho. Os assassinatos foram um recado ao que chamaram de algo como: um ataque à capital da prostituição mundial.
O texto sem verve até aí tem seu fio condutor e aponta numa direção até interessante, a despeito da falta de inspiração. Então, nosso colunista desanda. O texto já pedia consistência e então se torna num libelo contra, pasmem, o cristianismo!!!
Se o texto já era raso, passou para o campo do nonsense. “No campo cristão...” Daí pra frente o psicanalista se valerá da mais obtusa e arcaica versão de certa variante teológica, portanto, construção intelectual de um grupo ou vertente do cristianismo e a toma como verdade para desancar a Paulo, a quem ironicamente diz ser um apóstolo autoproclamado que enveredou o cristianismo numa cruzada, segundo ele, contra a futilidade e o prazer. Calligaris coloca o daesh e Paulo exatamente no mesmo saco de gatos de fanáticos em geral.
Quisera Calligaris se contivesse por aí. O daesh foi literalmente esquecido, pelo menos por momento. Primeiro, há uma ligeira digressão para mostrar a fala de um filósofo que é, de certa forma, positiva a Paulo, mas apenas para discordar e indicar seu herói, Nietzsche, aquele que anseia pela condição de super homem e deplora tudo o que julga fraqueza humana, como o amor, por exemplo. Ao passo que Paulo, segundo este sábio, odiava o humano que havia nele e incutiu o mesmo ódio nos cristãos de todas as épocas. No que nisso Nietzsche é contraponto positivo a Paulo, o articulista não diz.
Não sei se rio ou choro ante tamanho despautério. Talvez Calligaris conheça Nietzsche, mas certamente não conhece Paulo. Ou o sabe por terceiras mãos, leituras bissextas ou ainda, como o filho do Lula, da Wikipedia. Calligaris vomita ignorância, mas deve pegar bem ao seu público ou a certa intelligentsia da qual se julga membro, em que usar a Bíblia para debochar da herança cristã que moldou o ocidente é prática comum. Mas isso o Isis e assemelhados já fazem. Com um pouco mais de ênfase, diga-se, pois metralham e explodem inocentes.
O homem estava incontido. Não satisfeito, resolve até admitir que será irreverente – esta foi a última coisa que conseguiu ser em seu texto – e aventurar-se em afirmações para-históricas. Vá lá, uma piadinha tosca sobre a famosa queda do cavalo que sofreu Saulo a caminho de Damasco. Calligaris não poderia ter sido mais infeliz. Uma única leitura do livro de Atos e, se conseguisse entender, descobriria que o evento e seus desdobramentos acontecem com o homem mais improvável de todos.
Vá lá Calligaris, leia Atos dos Apóstolos, pois ainda que o tome como literatura de ficção, descobrirá que há um personagem e uma história que faz todo sentido e nos força a concluir que Saulo, não tivesse vivido um extraordinário encontro com Jesus Ressuscitado, jamais se tornaria Paulo.   
Queda por imperícia como cavaleiro? Usar isso como desculpa para forjar um suposto encontro com Deus? Às tolas afirmações, Calligaris tenta dar um toque psicanalítico de boteco: toda a experiência de Paulo foi um mecanismo projetivo, afirma. O diagnóstico é de tal disparate que me pergunto se Calligaris andou lendo outro Freud, de outra dimensão em que projeção não seja uma identificação artificial com coisa ou pessoa, mas surto em que o sujeito se torna naquilo que odeia. No caso de Paulo, se tornar cristão.
A projeção desembestou numa versão de um cristianismo sombrio, na crença do próprio Paulo, categoriza Calligaris. Como um Cavaleiro da Triste Figura que lutava contra moinhos, Paulo é reduzido a um jacobino quem sabe, pervertido, que perseguindo aos pecadores, ele mesmo aplacaria seus desejos carnais.
Calligaris, do alto de sua sapiência, conclui: desta impostura religiosa paulina deriva toda nossa culpa ao sentir o prazer, mesmo os inocentes. Paulo nos chicoteia com seu desvario religioso que nos força a ter que pensar o tempo inteiro, diz o psicanalista, e nos preocuparmos tão somente com o divino e o absoluto e ai de nós se não for assim.
Não sei se o Calligaris sofreu algum trauma numa escola católica pré Vaticano II ou se sofreu sevícias – não necessariamente físicas – inconfessas de algum grupo terrorista islamita, ou tão somente é fruto de uma intelectualidade frouxa que se vale da liberdade que tem para proclamar besteiras sobre o cristianismo. Esse tipo de gente é desonesta, pois é incapaz de reconhecer que a Bíblia forjou tão profundamente os valores da liberdade e democracia dos quais goza e que são, afinal, a essência de tudo que defendemos no ocidente, mesmo pós-cristão.
Hoje direi o que o roteirista de Psi reclamou que alguém deveria ter dito a Paulo. Get a life, Calligaris! Vá viver sua vida! A salada que fez de jihadistas, Paulo, seu avô morto e seu quase prêmio, não faz sentido nenhum.

domingo, 29 de novembro de 2015

A tara

O TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo absolveu, em decisão publicada na segunda quinzena de novembro, um homem que admitiu ter furtado mais de 20 calcinhas do varal de sua vizinha em Piracaia, cerca de 100 km da capital.
Fonte: Eduardo Schiavoni. Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (25/11/2015)

Era réu confesso. Que fazer? Havia sido pego com a mão enfiada na botija. Todo o mistério do sumiço das calcinhas fora desvendado por reles câmera que hoje qualquer camelô chinfrim vende na esquina. Só não está pior que o Delcídio e sua versão de ajuda humanitária a um delator que podia lhe causar um buraco gigante na sua reputação. Preso, não mentiu ao delegado, embora tenha como que acordado do transe e sentido um pouco de vergonha. Confessou tudo, num arroubo de sinceridade suicida.
Por bom tempo, aquilo fora um segredo daqueles que se vive o antegozo de quando se é o único a saber. Ouvir as fofocas da vizinhança, a sensação de estranheza das pessoas, o disse-me-disse sobre o suposto autor, quando se está ali, ao alcance da mão, dentro de um elevador, ou partilhando o balcão da padaria da esquina. Isso dá ao criminoso uma sensação de poder, de superioridade, de distinção ante seus próprios olhos. Era assim que se sentia o Silva.
Passada a surpresa dos vizinhos, a coisa já corria de boca em boca, a despeito de a vítima ter tentado manter os furtos sob sigilo, pois provavelmente se sentia envergonhada com a exposição. Pensava nas piadas de que poderia ser vítima. Temia ser vista como uma mulher que desperta a tara alheia.
Há coisas incoercíveis dentro de nós. Estão adormecidas. Parece que se fingem de mortas. Aguardam sorrateiras o momento oportuno para se manifestar como gatunas de nossa vontade. Uma vez manifestas, nem que seja por leve sugestão, crescerão como a mistura de fermento com bromato no pão. Infladas, elas nos carregarão para as profundezas das taras que açulam.
E de nada adianta pensamento positivo. Os chicoteios da culpa moral. A consciência berrará feito louca, e logo se dará uma luta sangrenta entre a compulsão da vontade e os, a essa altura, frágeis interditos que nos pespegaram o juízo e deram num castelinho de crenças, agora minadas pelo desejo que escoiceia como cavalo louco.
Dirão alguns, pelo visto de nada temos culpa, somos todos vítimas de nossas mazelas ocultas. Sim e não. A resposta é difícil. Veja o caso de Silva. Sujeito que se via normal. Um trabalho simples, vidinha besta como diria Drummond. Mas um dia a Besta dentro dele acordou. Foi só um olhar furtivo na calcinha que, como bandeira a tremular feromônios, espargia suas más intenções. Silva sentiu um calafrio que lhe subiu pela espinha e instantâneo o desejo surgiu. Pequenininha, arteira, travessa, buliçosa balançava suave à brisa da tarde.
Um plano louco se lhe tomou a mente. Tentou ver tv, comer, olhar o face, nada. Cada minuto o plano ia e vinha. Voltar e pegar calcinha. Sua mente perturbada via a mulher dos sonhos dentro dela. Todo tipo de pensamento veio como matilha de demoniozinhos a sugerir coisas das mais românticas até as mais assanhadas fantasias sexuais.
Cedeu ao primeiro ímpeto e então se tornou preso ao vício. Não eram só as calcinhas e os prazeres que elas proporcionavam. E toda a adrenalina de pensar planos para furtar o objeto do irrefreado desejo? O medo de ser pego? Não havia mais limite. A coleção foi aumentando, o rumor da vizinhança também. A fantasia assomou em vertiginosa rapidez e já não eram suficientes as horas de homenagem solitária, passou a vesti-las. Ia ao trabalho com elas, porque a fantasia estava descontrolada. Deu muitos bons dias à vítima vestido em sua calcinha, conversou com pessoas próximas até na tentativa de adivinhar quem era o tarado, enquanto gozava o prazer do seu segredo.
O que era prazer tornou-se logo um sofrimento, uma escravidão. Ficou cada vez mais ousado, pois a dose de perigo precisava ser aumentada para satisfazer ao vício. Sabia que seria pego. Mas vestido em três calcinhas? Foi um alívio! O chato agora é que virou meme. Sua foto de tanguinha vermelha foi usada até em propaganda de sex shop para um natal apimentado. Existe louco pra tudo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

De jumento a commodity

Durante missão na China, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, recebeu uma demanda inusitada de um empresário. O investidor disse ter interesse em importar 1 milhão de jumentos por ano. A história foi relatada pela própria ministra, pelo microblog Twitter.

Fonte: estadão Conteúdo (18/11/2015)

Juntar jumentos e chineses num mesmo texto é um desafio. Então, vamos lá. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, está na China. Diz que fazendo negócios para o Brasil. Estava ela no convescote, a provar dos exotismos culinários do Império do Meio, o passeio na Praça da Paz Celestial. De repente, ao caminhar pela icônica Muralha, saído do nada, um empresário chinês propôs à queima roupa: tem jumento pra vender? Tô precisando de um milhão por ano, por aí. A ministra riu, incrédula. Teve que perguntar ao tradutor o que diabos dizia aquele chinês. O tradutor assegurou que havia dito corretamente: o homem queria comprar jumentos.
A ispilicute ministra que, parece, voltaria contando mundos e fundos, mas de sério necas, abriu um sorriso desse tamanho. Voltou-se para o tradutor: pois diga ao nobre empresário que temos jumento pra vender. Jumentos made in Brazil. Quantos ele quer? Havia dois cifrões nos olhos da ministra. Em sua cabeça, as ideias passavam rápido. Uma frase saltou entre todas: era a libertação do nordeste de séculos de miséria que o jumento representava tão bem. Isso trabalhado por um marketeiro dava uma vaga na disputa pra presidenta. Lembrou que outro dia um Promotor recomendou churrasco de jumento como forma de dar um destino aos abandonados animais em estradas e pelo desemprego cavalar em que estão eles e nós. Povo pouco apegado às tradições, os nordestinos substituíram os jumentos por motos sem cerimônia. Um disparate!
O tal churrasco jumentício causou manifestações estridentes contra e a favor. O brasileiro, nordestino, ainda olha para o jumento com pena, como seu parente esquecido. Tudo bem ignorá-lo, largá-lo nas ruas e BRs, mas comê-lo, aí só numa seca braba daquelas de querer comer couro de tamborete. Estão quase chegando lá com o novo El niño que veio endiabrado dessa vez e a transposição do São Francisco que ficará para o próximo milênio.
Ainda em devaneios, a ministrete teve o semblante obnubilado por ligeira preocupação. Não correria o risco de, por engano, exportar os jumentos do governo, a começar pela presidenta jumenta? valha-nos! Seria um baita escândalo diplomático. Nesse governo pode acontecer de tudo. Ela queria se referir à jumentisse, naturalmente no sentido figurado, conotativo, pois não? Os jumentos emprestaram seu nome ao epíteto desinteligente pelas caras de parvos que têm. Eles, propriamente, podem ser acusados de razinzas, teimosos, empacadores, birrentos, lerdos até, mas não de retardados. Refiro-me à pessoa do jumento.

Auxiliares que souberam da alvíssara notícia, ainda que, convenhamos, um tanto despautérica, perguntaram à ministrete para que fim o chinês queria tanto jumento. Os chineses teriam descoberto um filão de ouro com nossos jumentos, o que nos colocaria, de novo-velho, na condição de meros fornecedores de matéria prima? A ministrete leu esse pensamento. Os jumentos seriam os novos insumos da cadeia produtiva de... do quê mesmo? Ela mesma estava disposta a ser garota propaganda mundo afora das maravilhas que só nossos jumentos têm. Eles seriam o mais novo ramo do agronegócio exportador. A commodity que seria negociada nas principais bolsas do mundo. Aliás, era só botar o pé no país e proporia a criação imediata da BFJ – Bolsa Futura de Jumentos medida pelo índice zurrotech. Se duvidar, acredita ela, teremos o equivalente a uma nova era da cana-de-açúcar ou pau-brasil.
E se os chineses quiserem falsificar carne? Vender jumento passando-se por boi, não vai prejudicar nossa exportação bovina? Cala a boca, meu filho! Nós aqui ante a conquista da China e tu pensando pequeno! A venda de jumentos livra o Nordeste dessa peste. Tu sabes que jumento virou peste, né? Gera divisas pro Brasil. A essa altura ela contava nos dedinhos cheios de aneizinhos. Alimenta a chinesada e, quem sabe, o mundo. Ah, vai dar emprego aos nordestinos.  
A caravana ministerial com quatrocentos e cinquenta assessores, fora maquiadores e puxas-saco – a ministrete não tem saco, sei, sei – estavam em estado de graça. Dilma já convocava a imprensa para uma coletiva em que diria que, sim, deu com os burros n’água, mas achou a saída nos jumentos. Sabe lá o que é descobrir a salvação do Brasil?

domingo, 15 de novembro de 2015

Nelson Rodrigues

Acho que eu o folheei algumas vezes. Ia à livraria, me deparava com aquele calhamaço, um livro robusto com a foto do Nelson numa camisa quadriculada e numa postura de, parece-me, tristeza, pois está cabisbaixo e a mão entre os olhos, como se meditasse ou aguentasse uma notícia daquelas abaladoras. Detestei o design da capa do livro. Um amarelo mortiço, com detalhes em preto. Encimando a capa, o nome Nelson Rodrigues no tal amarelo anêmico e abaixo, o título: O reacionário: memórias e confissões.
O que me detinha era o preço. Livro no Brasil é pela hora da morte de tão caro. Eu tinha dúvida sobre comprá-lo e ter que transformá-lo em calço de mesa ou peso pra segurar porta. Nos lugares mais civilizados do mundo, claro que tem livro caro, mas há sempre as opções mais em conta. Talvez a concorrência, a massa crítica de leitores, políticas econômicas que favoreçam as publicações, sei lá. O fato é que livro por aqui é artigo de luxo e num país de poucos leitores e uma grande massa de analfabetos funcionais, as editoras parecem que vão muito bem, obrigado, e pouco se importam. Talvez dirão as velhas desculpas de sempre: a culpa é dos impostos e da alta carga dos encargos trabalhistas. Sim, porque o autor mesmo ganha uma merreca. João Ubaldo dizia e ele não era qualquer um.
Sem mais lamúrias. O reacionário foi uma grata surpresa. Não que não conhecesse o Nelson. Conhecia muitas de suas frases antológicas, suas peças que viraram filmes ou minisséries na Globo, mas nada como ler o autor em sua fonte. Foi engraçado me deparar com certas expressões que só fazem sentido nos anos 1970. Bater máquina? Telegrama? Bater um telefonema?  
Nelson tinha uma aguda visão de sua época, mais que isso, da humanidade. Neste sentido, ele se mantém ainda válido e atualíssimo. Era quase visionário sobre o pensamento dos intolerantes, da esquerda – aqui um pleonasmo – que em seu tempo fazia a festa nos círculos intelectuais, entre os artistas e da classe universitária em geral. Eu mesmo posso me dizer culpado em meus verdes anos de faculdade, em pleno período de redemocratização. Mas aí, em meu favor, há que se dizer: nasci durante o período da ditadura e cresci nela, fazia todo sentido querer votar, participar da vida sócio-política do país, não querer a censura, etc. Os esquerdistas, de certo modo, fizeram do discurso da redemocratização um latifúndio seu. Até o Ulisses, personagem sobre a qual ainda falta o devido reconhecimento, a nós nos parecia suspeito. Que tolos!
Entre os autores brasileiros, Nelson deveria ser leitura obrigatória como forma de nos alfabetizar em Brasil. Sobre a esquerda brasileira daquele tempo, ele já percebia as incongruências, os disparates, o ridículo das ideias apenas por observar o mundo onde a ideologia esquerdista vingou – quase sempre pela ponta das baionetas e pisões dos coturnos, mas sempre pelo bem da população à qual logo em seguida submeteriam à fome, tortura e à mais abjeta miséria –, para desgraça dos habitantes dos países que foram tomados por eles. Isso num tempo em que Cuba era (ainda é para o delinquente PT) o paraíso caribenho. Engraçado, poucos dos exilados esquerdistas escolheram Cuba para se homiziar. Uns sem coerência e maus caráteres ainda dizem que Nelson defendia a ditadura, era um reacionário. Sim, ele se manifestou a favor do status quo, mas foi igualmente censurado em sua obra, coisa que o deixou possesso. Quisera tivéssemos mais reacionários como ele hoje.
O livro, uma coletânea de textos entre 1967 e 1974, foi organizado pelo próprio autor que, num ato de extremo bom humor, intitulou de reacionário de tanto que assim era chamado. Sua implicância com Alceu Amoroso Lima é hilária. Sua forma de escrever que dialoga com o leitor numa imitação de conversa, é estimulante. É um recurso que torna o texto a verdadeira crônica. Ao mesmo tempo, é de tal sofisticação que aquilo que era datado ganha contornos de permanência.
Ah, o texto rodrigueano pródigo em adjetivos precisos, bordões que ele mesmo admitia repetitivos, mas que lhe dava, de fato, a marca registrada. O olhar para além das aparências óbvias ululantes. A capacidade de rastrear os contrafatores que ele demolia dizendo que eram só pose. Um homem com especial habilidade de ver o absurdo onde ele estava e que miseravelmente produz tanto autoengano. Ler Nelson é, de certa forma, aprender a ver.
Nelson foi um frasista incomparável. Sua ironia fina tornava seu humor elegante e ainda mais ácido. O pensamento é de uma lógica e argúcia que não tem como o leitor não se encantar. Ele tinha cisma com os psicanalistas, com os críticos de quem dizia que “ou o sujeito é crítico ou é inteligente”, com a esquerda, com a burrice. Amava futebol e a seleção, a qual chamava a “pátria de chuteiras”.
E finalizo, repetindo uma de suas frases inigualáveis. É de 1968, mas tive a nítida sensação que a li no jornal na manhã de hoje: “Em nossa época, ninguém faz nada, ninguém é nada, sem o apoio dos cretinos de ambos os sexos”. Os desesperados por curtidas (likes) se contorceriam.

sábado, 14 de novembro de 2015

O rato mula

Policiais civis que faziam uma revista no presídio Barra do Grota, em Araguaína, no norte do Tocantins, se depararam com um rato treinado para transportar drogas e até cartas de jogo de um pavilhão para outro. O roedor tinha uma linha de crochê amarrada ao rabo.
Fonte: Estadão (04/11/2015)
É muito difícil conseguir relatos desse tipo em primeira pessoa. Óbvias razões explicam. Há que se vencer a barreira linguística. Não se encontra falantes em ratês em qualquer esquina. É mais fácil achar um fluente em uma língua morta. Ademais, tem a burocracia do sistema. Entenda “sistema” como esse ente kafkiano, que resulta de um emaranhado de leis, normas, costumes, jeitinhos e todo tipo de malandragem que empesteia as instituições brasileiras.
De qualquer modo, o meliante foi liberado para essa entrevista. O que se segue é sua fala, com uma ou outra edição, pois houve momentos de exaltação ou por efeito de drogas – ele agora se diz viciado – ou porque não quisesse ser explícito. Vai se saber.
Fui obrigado. Ou fazia o trabalho ou eles me dariam prum gato seboso que vivia pelas redondezas e que era meu inimigo figadal. Aprendi a palavra com o delegado. Sofri o diabo. Menos mal que não me transformaram na garota deles, se me entendem. Mas ser mula, traficante, não é menos pior. Tenho calo no rabo pelo nó do cordão que eles amarraram. Coisa totalmente humilhante. Nas vezes que me recusei a fazer o serviço fui puxado, digo, arrastado pela cauda por vários pavilhões. Então eu ia fazer o quê?
O pior é que a polícia, que se fingia de morta com essa zoeira acontecendo, me expôs publicamente na tv como chefe da quadrilha. Faziam cafuné em mim e ainda diziam que eu gostava. Como gostar? Acusado injustamente, cercado de meganhas armados por todos os lados... Cafuné foi na frente dos repórteres no quartinho dos fundos – ainda bem que não me fizeram de garota deles, se é que me entendem – me colocaram no pau de arara. Me deram choques nas partes íntimas. No segundo choque, eu entreguei até o que não sabia.
Como é que eu vim parar no presídio? Por puro acaso. Errei de prédio. Espantei-me já nas mãos dos facínoras que me propuseram carregar os produtos pra lá e pra cá. Agora olha meu tamanho carregando um quilo de coisas: celulares, trouxinhas de maconha, crack. Só de ficar perto eu ficava lombrado. Um dia errei o caminho quase fui parar na sala do diretor do presídio. Mas se tivesse ocorrido, tudo bem, ele é nosso chapa.
Tão dizendo que sou rato treinado. Que treinado o quê! Fui o-b-r-i-g-a-d-o. Não sei como, mas contrabandearam uns queijinhos de Minas e até da Suiça. Era sentir o cheiro e disparar pro pavilhão A. Depois era arrastado de volta. Vergonhoso. Mas um se acostuma com tudo. Principalmente nesse mundo cão que é a cadeia. Menos mal que eles não me fizeram de garota deles, se é que me entendem. 
Agora, digo com verdade, pela alma da minha mãe que morreu envenenada com chumbinho: o interrogatório foi muito pior. Convenhamos que um presídio que tem sistema delivery de produtos proibidos pega um pouco mal pra polícia, ou não? Pior ainda se um rato gerencia o negócio.
Como fiz delação premiada, vou sair já, já. Um xará meu entende pra caramba como burlar a tornezeleira eletrônica. Tamo pensando em botar num rabo de um gato que é bicho lerdo, fica só dormindo, eles vão pensar que estou congelado num só lugar, sacou?
Quero me endireitar. Constituir família. Quem sabe entrar numa igreja de crente. Qual é a boa dessas aí? Com a experiência que ganhei aqui tô pensando em colocar um serviço de entregas. Qualquer coisa! Tô entendido no ramo que você nem imagina.

domingo, 1 de novembro de 2015

Gretchen, a ET

Para a cantora Gretchen existe uma explicação de outro mundo para algumas de suas aptidões e boa saúde. Em entrevista ao apresentador Danilo Gentili, no programa The Noite, no SBT, Gretchen disse que sua mãe teria passado por uma “experiência genética alienígena” durante a gravidez. “Ela conta a história como verdadeira. E tem coisas em mim que não são comuns”, diz a cantora.

Fonte: Veja (16/10/2015)

A entrevista meio que fazia parte da promoção de uma biografia supostamente não autorizada, mas na qual tudo era dito pela própria biografada, inclusive o que nunca aconteceu. Ou talvez tenha acontecido, mas em delírio ou por uma dessas lembranças alucinatórias que a sujeita desconfia ser verdade, mas que, por conveniência, melhor vendê-la como fato verídico. Não sei se me entendem. Ficou confuso, eu sei.
De qualquer modo, as peripécias sexuais de Gretchen se tornavam absolutamente pueris ante aquilo que sua mãe foi submetida durante a gravidez da dançarina numa abdução, sem sair da terra ou talvez tenha saído, mas isso não importa muito. O que aqui se expõe é a conversa de bastidor, pois a entrevista tinha o objetivo comercial de vender o livro e nisso havia que seguir certas regras. Por exemplo, apenas insinuar o fator alien em sua genética privilegiada, segundo a própria. Deixar para a leitura entrelinhas, pois afirmações peremptórias de tais fatos costumam levar aquele que confessa ao ridículo ou à suspeita, não de todo errada, de que sofre de algum desvario. Isso não seria bom para os negócios.
Mas na conversa informal perde-se um pouco a censura, técnica que o polígrafo usa e abusa. Então a conversa foi mais ou menos assim. Parece que mamãe teve que passar uma temporada em Minas. Começou ela a contar a versão verdadeira do que foi só sugerido na entrevista. Morava numa chácara perto de Varginha. Ninguém nunca tinha ouvido falar em et. Mas eles já estavam infiltrados. Eles eram que nem o boto da Amazônia. Rapazes bonitos, elegantes e encantadores. Se aproximavam das meninas e quando uma se espantava... deu uma gargalhada.
Mamãe conta que todas as grávidas tiveram algo injetado na barriga. A experiência genética alienígena de Varginha era para melhorar a raça humana. Mas aí o governo soube da história e se meteu. Colocou dois ets na cadeia e extraditou não sei pra onde outros três. Eles pareciam gente comum como nós. Não, como vocês, eu sou diferente. Então minha mãe e as outras grávidas foram pesquisadas e depois se comprovou que os bebês tinham coisas diferentes, filhos de ets.
Como é que se explica a energia que eu tenho? Esse rosto não é plástica não. Quer dizer, eu fiz plástica, mas estou ficando a cara de meu pai, o et. Meu pai humano sabia que eu não era filha dele e era comunzinho que nem vocês. Conto no livro até porque meus cinco casamentos acabaram. Os oficiais. Tenho certas peculiaridades anatômicas sexuais. Os caras não aguentam, pedem pra sair! Esbaldou-se de rir.
Meu filho Thammy nasceu assim por causa desse sangue et. Ele vai continuar evoluindo. As coisas nele ficaram mais apuradas. Não tenho nem ideia no que ele vai se transformar no final. Mas aí será a prova definitiva. O mundo está cheio de et, meu filho! Por lá de onde vieram não tem essa besteira de gênero definido como só agora o povo tá se dando conta. Fizeram uma confusão com a Simone de Beauvoir, só porque ela disse que mulher não nasce mulher. Ela era et e lá cada qual escolhe o que quer ser e pode mudar quantas vezes quiser.
Aquelas músicas que eu cantava. Tem gente que acha que não tinha significado, mas ela língua eteia. Aprendi sozinha, como aprendi a ler aos três anos. Conga, conga, conga, melô do piripiri, vocês que pensam que nada significa.

Quando estive nos Estados Unidos, fui estudada pelos ufólogos americanos. Quase casei com um. Fui super bem recebida. Eles me mediram toda e concluíram que partes de mim não é desse mundo.  Fiquei dois dias incomunicável na área 51. Lá você encontra et toda hora. Sem disfarce. Voltei pra cá só para divulgar essa história que eles pediram pra eu contar pra acabar com esse preconceito. Inclusive, fundei uma Ong pra combater a discriminação e o preconceito contra os ets e descendentes. A receptividade da sociedade tem sido ótima. Fui até convidada pra fazer um filme sobre essa história, inclusive um novo filme do ET do Spelberg – é assim que se diz? Também vou gravar um novo cd que vai se chamar patchinchoola. O que significa? Nem morta eu revelo! E deu um sorriso malicioso. 

sábado, 24 de outubro de 2015

Descubra o bombom da Veridiana



Ganhou repercussão nacional o caso da faxineira de 32 anos e quatro filhos que comeu guloseima do corregedor da Polícia Federal em Roraima e tornou-se alvo de um procedimento. O caso do bombom do delegado Agostinho Cascardo, corregedor da Polícia Federal em Roraima, virou a ‘Operação Sonho de Valsa’ nas redes.

Fonte: G1. Por Julia Affonso e Fausto Macedo (13/10/2015)

Todos os dias, Veridiana entrava na sala do chefe para limpar, retirar o lixo, borrifar perfumador ambiental com o cheiro lavanda. O delegado federal fazia questão. A limpeza no banheiro privativo deveria ser minuciosa, nenhum fio de cabelo ou coisa parecida deveria ser encontrado e o delegado fazia inspeção com lupa e um daqueles óculos para se enxergar no escuro. Às vezes, com tempo, espargia luminol e usava luz ultravioleta para ver material biológico. Veridiana era a sexta “profissional da higienização” que a empresa terceirizada enviava. Todos os outros não tinham o perfil para atender às exigências do delegado.
Uma ordem expressa do delegado federal dizia que o “operário da limpeza” como ele chamava, não deveria, jamais, mudar a ordem dos papeis e outros apetrechos de escritório que ficavam sobre a mesa. Aquilo tudo era material de alta relevância para a resolução de casos, todos muito importantes. Isso era cláusula pétrea. O pano, lenço, o que fosse, deveria arrodear as coisas, quer dizer, limpava apenas a superfície vazia disponível da mesa e havia que fazê-lo com maestria e habilidade de malabarista. Os apetrechos e pastas “top secret” propriamente ditos, no máximo, receberiam uma ligeira espanada com um espanador especial de penas de avestruz. Este instrumento de precisão, o próprio delegado fornecia. Mandou fazê-lo depois de uma operação numa fazenda clandestina de criação de avestruzes de onde, por óbvio, recolheu algumas amostras de penas para a investigação e da sobra foi confeccionado o espanador carnavalesco.
Por azar, Veridiana estava faminta. Havia passado por dez outras salas e a do delegado deixara por último, para poder fazer com mais tempo a assepsia – ele falava assim quando se referia à limpeza de sua sala. Palavra que Veridiana nunca ouvira na vida e com a qual teve ligeira dificuldade como se fosse uma prova pra entrar na Nasa. O delegado não quis explicar. Disse que se ela não sabia do que se tratava, nem iria começar o serviço. Ela intuiu que teria algo a ver com limpeza. Perguntou aos colegas e ninguém sabia de nada. Davam de ombros e espichavam o beiço inferior ante palavra tão estranha.
Naquele dia, Veridiana deparou-se com um objeto novo sobre a mesa. Era uma caixa de chocolates sonho de valsa. Ficou como hipnotizada. A última vez que comera um daqueles fora quando seu ex-marido lhe pedira em casamento e lhe deu um só na ocasião. A caixa estava semiaberta. Tentadora. Sabendo que câmeras monitoravam seu trabalho e sabe lá o que mais, temeu pegar um daqueles. Mas ela tinha suas artimanhas. Limpou a mesa e usou as penas do espanador para cobrir a caixa, enquanto enfiava a mão para pegar um.
Correu para o banheiro e deliciou-se como se tivesse colocado o pé num pedacinho do paraíso. Quando saiu, havia quatro agentes armados com armas na direção da porta e o delegado com um ar de superioridade e um risinho no canto da boca. Teje presa, disse com autoridade. Tomou-a pelo braço e mostrou o vídeo por um ângulo que ela nunca imaginaria. A senhora era muito certinha pro meu gosto. Eu sabia que a senhora escondia uma bandida debaixo dessa máscara de eficiência. Confesse. Veridiana, atarantada, mal abriu a boca. Confessou! Berrou o delegado com olhos injetados de prazer. Veridiana balbuciou algo como: mas foi só um chocolate. É assim que começa, daqui a pouco vamos ter uma lava jato aqui. 
O caso espalhou-se. Denominou-se, talvez por troça: “operação bombom sonho de valsa”. O delegado adorou os holofotes e a “impopularidade” nas redes. Veridiana foi convidada para fazer umas páginas na playboy-antes-que-acabe. Diziam que debaixo da farda desenxabida e depois de quatros filhos, ainda tinha quilometragem para rodar. A seção de fotos já tinha até título: descubra o bombom da Veridiana.