sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Miss Violence - 2013

Depois de assistir ao filme do diretor grego Alexandro Avranas – Miss Violence, 2013 –, esqueça a ideia de violência hollywoodiana com efeitos especiais espetaculares, com explosões ou litros de sangue arrancados do corpo em cada tiro dado. Como nos personagens do Tarantino. Basta lembrar Django Livre, sem contar os Kill Bill. No caso desse diretor, o sangue jorrando é uma linguagem estética, exageradamente proposital.
O suicídio de uma criança de onze anos é o ponto de partida do filme. Ela se atira da sacada da casa no dia de seu aniversário. Morre com um sorriso no rosto. O fato em si seria suficiente para destroçar uma família, não a família personagem. Ao contrário, há um esforço incrível em manter esta morte no limbo.
O espectador tem esse primeiro mistério, mas a própria família é outro mistério. O pai de meia idade – único provedor da casa –, a mãe – uma mulher com cara de cansada da vida, cujo olhar sugere uma enorme indiferença com tudo ao redor. Seu passatempo predileto é assistir documentários de animais. Uma filha adulta ainda jovem, mãe de três crianças, inclusive a que se suicidou e uma adolescente. Sobre esta personagem não há qualquer informação. Ela perambula pela casa, vigiada para não chorar ou mostrar qualquer sentimento de perda pela filha morta, mesmo quando é visitada por uma vizinha.
O pai é uma espécie de demiurgo daquele mundinho oprimido. As pessoas quase não se falam entre si. Os olhares, as ações comedidas, como se cada um, menos o pai, pisassem em ovos. Há algo de terrível naquele lar. O homem se esforça para manter uma normalidade: assistir TV ao lado da esposa, jantar em família, alguma fala banal sobre as crianças que lhe chamam de avô e que por ele são educadas com rigidez excessiva.
O ar é sufocante. Tem-se a sensação de vertigem, como quando se espera um acontecimento ruim. Mas quando e onde? Ao mesmo tempo o mal e a violência estão ali, na cara do espectador. O diretor, com maestria, mantém o espectador ignorante, embora se suspeite que algo está errado. Medo, submissão, prisão emocional são boas pistas, mas apontam para onde, já que há uma normalidade medíocre como tantas outras? Aos poucos, a história vai clareando. Parece que se é arrastado para conclusões aterradoras de que ali, sob o manto da vida comum, espreitam dois dos maiores tabus de nossa sociedade: incesto e pedofilia.
A certa altura, o diretor escancara com duas cenas: a adolescente que se veste no banco de trás do carro que ainda é esmagada pelo pela fala de desprezo do pai(?) avô. A porta de um quarto que se fecha na casa de um amigo do avô com a filha mais jovem que restou.
A mãe, a envelhecida mulher, carrega um ódio que se torna ainda mais impressionante pelo enorme esforço que a levou a controlá-lo como se levantasse um caminhão com um dedo. A filha tonteia de um lado para o outro, alguém que se perdeu e virou um molambo sem vontade. A única que ainda tenta se afirmar, não sem sofrer represálias, é a adolescente.
A cena mais reveladora. No fim de mais um dia, o “bom” homem chega depois de um dia de trabalho. A mulher, com a frieza de sempre, limpa cuidadosamente uma colher com um pedaço de flanela. O homem puxa conversa, abre um pote de sorvete. A mulher resmunga respostas. Outra colher. O homem come o sorvete. Uma pequena faca é esfregada com precisão. Termina de comer e diz que vai deitar. Outra faca enorme é limpa, mas sem o cuidado anterior. O homem olha, entre admirado e curioso. Os utensílios são colocados metodicamente um ao lado do outro.
O desfecho da história se pressente como um bote de serpente prestes a atacar sua presa. É como se não fosse possível outra saída ou para onde aquele ódio da mãe iria?

domingo, 7 de dezembro de 2014

Soldado mandado...


Identificados como os autores das fotos com mulheres nuas e seminuas em cima de um carro da PM de São Paulo, dois policiais militares foram afastados por cinco dias, a partir desta quinta-feira (4), na Corregedoria da corporação.

Fonte: Folha de São Paulo – Cotidiano (05/12/2014)

Os dois permaneciam cabisbaixos enquanto eram inquiridos. As fotos, não se sabe como, vazaram para a rede mundial. Eram explícitas, piores que as delações premiadas do petrolão. Um dos policiais aparecia na carroceria da viatura com cinco mulheres de biquíni, cujo principal atrativo exposto não era o rosto, mas o traseiro. O juiz militar que os indagava, que era das antigas, estava furibundo. Era do tipo que dormia de pijama com medo de ofender a moral pública e aos bons costumes. Entre os dois guardas, um era chefe do outro na patrulha rural. A este, o juiz se dirigia com mais frequência.
Filho, explique, como é que vocês arranjaram, ahammm, estas moças seminuas? Descobriram uma nova tribo de amazonas em pleno litoral paulista? Eu acho difícil, algumas tem cara de que fazem ponto no Vale do Anhangabaú. Mas de qualquer forma, eu gostaria de entender. Os senhores deveriam patrulhar uma área para impedir roubos aos moradores rurais e preservar a mata dos ladrões de madeira e palmito. Mas onde vocês estavam? Em cima da viatura com quase uma dezena de bundas. Macularam a corporação de forma indelével. O senhor sabe o que é indelével? O que era chefe do outro balançou a cabeça em negativa. Imaginei, disse o juiz enfadado.
Vou deixá-lo na ignorância, pois é como estou neste episódio, enquanto os senhores se recusam a explicar o inexplicável. O juiz mandou que as fotos fossem projetadas, disse que era para aclarar as mentes dos réus. A pequena plateia se alvoroçou, doidos que estavam para ver as sujeitas, mas também a desgraça dos dois meganhas sem noção. A primeira foto era uma confissão de culpa. O policial aplastrado e escorado na camionete por cinco mulheres. É o senhor ali com a farda desta briosa corporação? O réu levantou a cabeça e fez que sim lentamente. Muito bem.
Por momento, o policial teve o ímpeto de falar algo. A camionete era emprestada, não era a viatura em que trabalhamos, disse para piorar a situação. Era alguém pego com milhões de reais na cueca – no roubo da petrobras não dá mais, porque se rouba agora na casa dos bilhões – e dizer que foi ali na esquina tomar uma meia com metade de um pão na chapa. O juiz ignorou. Seguinte.
A plateia se deliciava com o espetáculo. Até que as tiazinhas não eram de se jogar fora, embora fosse difícil o reconhecimento, pois quase todas preferiram mostrar as partes glúteas ao rosto. E eram tantas, que havia variedade de formas e cores desta parte da preferência nacional. Ah, ali os senhores tiveram o cuidado de encobrir a placa... dá um zoom na foto. Aquilo é a peça de baixo do biquíni encarapitada na placa, senhor? Mas ainda se lê “patrulha rural” na lataria. As peças eram pequenas para encobrir? Ironizou o juiz.
A cada foto, as meninas se tornavam mais ousadas. Começaram encostadas na camionete e tomaram o veículo de assalto e cada vez mais nuas. Os senhores eram os que faziam a sessão de fotos? Pois não os vejo mais com as “modelos”. Por fim, o que permanecera calado e era o mandado da dupla, pediu para falar e foi logo dizendo que queria o benefício da delação premiada. Como é moda, o juiz concedeu incontinenti. 
Doutor, nóis foi atacado. Eu disse para meu companheiro pra não passar nesta região porque é perigosa. Ele não me ouviu. Essas mulheres fazem isso com todos que passam perto. Me agarraram, mesmo eu dizendo que era pai de família respeitador. Mandaram eu tirar as fotos. Meu companheiro resistiu, mas depois ele gostou e mandava eu ficar tranquilo que elas não faziam mal. Eu disse que ia dar encrenca. Minha mulher me largou e agora tô preso. Mas só fiz o que me mandaram.