As pessoas
estão, de algum modo, familiarizadas com o fenômeno psíquico chamado déjà vu.
Mas até recentemente era um enigma para os cientistas da mente. Talvez porque
fosse difícil o estudo de algo que ocorre sem avisar e nas circunstâncias mais
diversas. E não falta quem lhe dê ares místicos como se fosse reflexo de algo
sobrenatural, quando não de um dom extrassensorial explicado pela
parapsicologia.
Akira
O’Connor, pesquisador da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, descobriu
uma forma de reproduzir o déjà vu em laboratório. Mais ainda, foi capaz de
“fotografar” o cérebro no exato momento em que as pessoas viviam a sensação
perceptiva.
Segundo a pesquisa, o déjà
vu é nada mais, nada menos que uma checagem do cérebro para verificar se uma
memória está errada. Se há alguma incoerência entre aquilo que vivemos de fato
e o que achamos que vivemos. Curiosamente, o centro principal de memória, o
hipocampo, não participa desta checagem, mas a área de julgamento e escolhas, o
córtex orbitofrontal.
Pessoas aprisionadas a
lembranças traumáticas ou interpretadas como tal não vivem um déjà vu, esta
simulação do cérebro, esta lembrança espelho. Elas têm aquela percepção
particular sobre o evento passado como verdade, mesmo que seja só aumentada. Por
angustiar, esta tal verdade aciona defesas que, aos poucos, se tornam parte
daquilo que a pessoa é. Uma espécie de versão 2.0 (malévola) de si mesmo. Assim,
no presente, a pessoa se torna quase fruto exclusivo das estratégias
defensivas, das evitações e esquivas que lhe formataram a forma de viver.
As lembranças
angustiantes passam a ditar a qualidade de vida. Determinam comportamentos,
acuam as relações. O labirinto consiste em muitas perguntas que levam a becos
sem saída. Quase sempre começam com um “e se...”. Sensações, emoções nascem
destes circunlóquios mentais, aprisionando a pessoa numa teia quase infinita.
Lutar contra o passado é seu presente. A pessoa se torna um D. Quixote: vendo
dragões onde haveria moinhos.
Enquanto o déjà vu
simula e produz, se muito, um ligeiro incômodo com uma quase certeza, as
lembranças ruins chicoteiam, amarguram e desequilibram a vida. Caminha-se
enviesado cumprindo a profecia do anjo torto drummoniano: “Vai, Carlos! ser gauche
na vida.”
A pesquisa citada
conclui que ter um déjà vu é um bom sinal de funcionamento do cérebro. As
lembranças aprisionadoras fundadas em experiências verdadeiras ou não, é uma doença.
Mas ninguém precisa ficar à mercê de seus devaneios, de um cérebro que parece
ter vida própria, ou de um segundo eu que simula ser nosso carrasco e torturador.
A boa notícia é que há ajuda disponível. O cérebro sempre trará à consciência
milhões de coisas disparatadas e se não tiver objeto onde se ancorar, ele
passeará por aí, vagabundo.
Não há nada de errado em
vaguear mentalmente, às vezes é até necessário. Confabular consigo mesmo. Ter
tempo sozinho. Sei, muita gente detesta a própria companhia. É um ilustre
desconhecido de si. Ao menor silêncio, se enche de barulhos: tv, música, computador.
Então comece devagar. Quem não se aguenta é péssima companhia para os outros.
O
passado ameaçador precisa ser trazido à luz do presente tal como foi. Despido das
fantasias que lhe agregamos. Real e sofrido como foi. Ser olhado de frente.
Mesmo com medo, pois aquele que sofre sabe as emoções ruins que ele desperta. Olhá-lo,
porém, no espaço seguro da ajuda, facilita superá-lo, permitir-se pacificar e
se reintegrar. Somos colchas de retalhos, mas uma colcha não é o retalho
sozinho, costurado centenas de pedaços ganhou função, aquecer e proteger o que
nela se abriga.