Desde sempre
falas de celebridades causam impacto. Nelas estão projetadas tudo aquilo que o
indivíduo comum gostaria de ser ou ter. Elas são, neste sentido, algo entre
humanos e semideuses. A fantasia rasteira é a de que não sofrem das agruras
banais da patuleia. Tem reconhecimento, dinheiro, amores e sua vida simula uma
espécie de perfeição que aos pobres mortais sequer se pode imaginar.
Não admira que
uma fala sobre banalidades ou sobre temas que tocam aos demais seres
rastejantes também causem grande impacto. Então, quando Scarlett Johansson diz
que “monogamia não é natural” ouvimos um Ohhhh! estupefato, admirados com
tamanha ousadia, independência e, sim, todas as fantasias sexuais que isso
evoca em nossos sonhos enlouquecidos por peyotes imaginários. Nem se fale nas
projeções que as personagens que costuma encarnar, que esbanjam sensualidade. Ou
alguém não gostaria de tirar uma casquinha com aquela Viúva Negra e seus
cabelos vermelhos?
A apimentada
atriz tem, vejam que coisa, dois casamentos no currículo. O último dos quais
lhe nasceu um rebento, mas durou apenas dois anos. Estando recém-divorciada,
dou-me a liberdade de crer que a declaração tem algo de chifre ou como diria
alguém mais educado: algo de prática adulterina por parte do ex ou dela mesma.
A negação
daquilo que se deseja é tão velha quanto Freud em suas primeiras incursões pela
mente humana. Dispositivo de defesa óbvio como o resultado de dois mais dois.
Como é óbvio também a reação das revistas de fofoca e tudo que lhe reverbera.
Imaginem a contribuição para a sociologia humana este devaneio
sócio-erótico-filosófico!
A agora senhorita
Johansson é como a raposa que observa o cacho suculento e maduro de uvas, mas,
muito alto e por resta razão impossibilitada de comê-lo, malgrado muitas
tentativas, cansada e frustrada diz: estão verdes!
Como foi uma
frase solta, ao sabor do momento, pelo visto, não há que se levar a sério? Sem
recorrer a um possível ato falho da atriz, o fato é que, independente da
cultura e do tempo, a outra opção à monogamia, a poligamia, sempre foi fonte de
sofrimento, ciúmes, abandono afetivo e indiferença. A Bíblia é um catálogo de
versões desastradas das multirrelações.
O que dona
Scarlett não percebe em sua fala à toa, bem como todos os que com ela partilham
desta fantasia patriarcal em seu pior momento, é que nossa inadequação a esta
prática é de natureza. A natureza humana que é possessiva, exclusivista e tem
preferências. Na prática, não se pode amar a dois senhores, pois há de se amar
mais a um que outro. Os que insistem em quebrar esta regra se enchem e aos
outros ainda mais de dores emocionais terríveis.
Que dona
Scarlett desnaturalize a monogamia no contexto presente nada há de estranho. O
que, pois, é natural em nós? Ou melhor, o que é não natural? A palavra cabe
infinitas possibilidades de sentido, depende apenas da perspectiva. Mesmo uma
parafilia que a ninguém incomode, nem cause sofrimento ao seu praticante, é
natural. Veja-se o fetiche que muitos têm por pés, como já lembrava o Bruxo do
Cosme Velho em seu A Pata da Gazela no século XIX.
Natural lhe
parecerá se acostumado estiver. Natural será se culturalmente estiver definido
para o grupo ao qual pertence. Seria natural dar nove vacas ao pai da noiva
como dote ao pedi-la em casamento? Seria ridículo e bizarro entre nós, não em
muitas comunidades na África em que é obrigatório ou já era a noiva.
Se não é
natural a monogamia, seria então a poligamia? Ora, mas já é em muitos países.
Se legalmente nos países ocidentais ainda há um interdito legal e cultural,
mesmo que alguns mórmons ortodoxos insistam em quebrar a regra, em dezenas de
países é tão comum quanto caminhar sobre os pés.
Sim,
por aqui se fala em poliamor: muitas pessoas juntas tendo relações em todas as
direções imaginadas – transversais, mão dupla, na contramão – mas que no raso
mesmo é outro nome para suruba comportada e de amor mesmo nada tem. Fora da
curiosidade sócio-sexológica, ninguém vê isso como um padrão que se estabelece,
mas como moda, experimentação e tédio. Ah, um monte de gente junta num mesmo
espaço diminui as contas pra caramba.