sábado, 26 de março de 2016

A grande aposta (The big short)

Remar contra a maré deve ser uma das coisas mais difíceis de fazer em qualquer sociedade ou grupo que tenha características de coesão, seja ela motivada pelo dinheiro ou por valores morais. O nível de energia emocional e psíquica exigidos na manutenção da posição quando todos ao redor estão cheios de certezas condicionadas por anos de prática é devastador: sempre foi assim; nunca aconteceu antes; a solidez das teorias estão provadas, etc.
Ao lançar o Titanic havia uma certeza arrogante de que nem Deus o afundaria. À parte das alusões religiosas que isso tenha, não foi o castigo de um Deus enfurecido em defesa de sua honra aviltada que afundou o navio na viagem inaugural, ele tinha fragilidades que simplesmente os engenheiros sequer pensaram e só o fizeram após o desastre. Onde há uma falha, o desastre está pedindo para acontecer, espera apenas a ocasião oportuna.
A dêbacle financeira de 2008 ainda pede muita história para ser contada. “A grande aposta” é um filme, baseado em fatos reais, que desvenda os bastidores de um pequeno grupo de homens que, quais profetas, anteviram a quebra do sistema. Talvez não agrade a muitos, mas há lições universais a serem aprendidas. As muitas de expressões e termos acessíveis apenas a iniciados do mundo das finanças são desvendados à pessoa comum de várias formas interessantes, algumas bem humoradas, sem escorregar para um didatismo aborrecido.
O diretor conseguiu, a meu ver, dar um tom de aventura numa história que seria tediosa dando-lhe ritmo, mostrando as questões pessoais de alguns dos protagonistas. A cruzada quase moral de Mark Baum (Steve Carell) passa honestidade, mesmo num mar revolto em que tubarões pensam somente em ganhar dinheiro – muitíssimo dinheiro – e gastar com mansões, mulheres, barcos e o que há de mais sofisticado. Mas tudo parece vazio e sem sentido. Há sempre um: e depois?
Numa cena importante, o personagem de Ben Rickert (Brad Pitt), que vive recluso por desilusão com o sistema, acaba com a alegria de dois jovens que perceberam o problema e a quem ele, por alguma razão, resolve ajudar. A dupla está feliz porque estavam certos e anteviam o ganho de milhões de dólares em sua aposta contra o sistema. Em sua tola alegria festejam cantando e dançando, então Ben manda-os parar e lhes pergunta se eles percebiam que estarem certos representava a quebra de milhares de empresas, o desemprego em massa e a pobreza de milhões. Nós não tínhamos pensado nisso, dizem eles.
Claro que ganhar dinheiro é bom, mas qual é o limite? Até onde estaríamos dispostos a ir e o que aceitaremos sacrificar? Dinheiro tem moralidade e ética? Talvez não, mas as pessoas que ganham dinheiro deveriam ter. Como é que aqueles malandros jogadores dos bancos poderiam fazer o que fizeram colocando milhões de pessoas em risco de perda de emprego e na miséria sem sentir nada por isso? Parece que todos cinicamente estavam anestesiados. O cidadão comum tampouco estava se importando com o amanhã. Se o banco oferecia crédito lastreado em vento, ou permitia o cara fazer a hipoteca da hipoteca da hipoteca para comprar uma casa maior e mais confortável do que a que tinha, como um drogado que quer mais e mais da droga, que mais dá?
O filme termina com uma previsão sombria. A despeito da hecatombe financeira em que foram evaporados mais de 11 trilhões de dólares, parece que ninguém aprendeu a lição. Outra armadilha está formada. Parece que temos que apenas esperar o próximo desastre. Desta vez o Brasil, feito à imagem e semelhança do petismo ensandecido e irresponsável, não aguenta.