A felicidade é
um produto. Há um mercado que, parece, é imune à crise, por razões que suponho
óbvias. De fato, tanto pior a situação, mais a felicidade vende. E um monte de
gente se lança nessa busca frenética a vida inteira e se torna cada vez mais
infeliz porque a felicidade-miragem que lhe vendem é medida em coisas que possa
ter. O candidato a felicidade está sempre no vácuo dos vencedores, quase nunca
no pódio.
O curioso é
que ela é um produto versátil e que tem múltiplas fontes de definição e
fornecimento. A indústria da autoajuda, especialistas de todo tipo imaginável –
quase todos hoje levam o prenome coach –, as próprias pessoas umas para outras
ofertam formuletas de como ser feliz. A diferença é que não cobram.
Para
sobreviver aos felizes das redes sociais e propagandas que esbanjam a imagem dos
agraciados e que se comportam como se vivessem uma Shangrilá particular, muitos
aceitam uma felicidadezinha menos tunada. É isso ou a consumição de comparar-se
o tempo todo e perder de goleada como num Brasil x Alemanha.
A felicidade
como estado imutável, um espaço de plenitude que, uma vez alcançada, não acaba,
é um mito. Uma utopia que continua a ser explorada por tudo quanto é corrente
filosófica, por correntes políticas – especialmente as populistas – e
religiosas que continuam a apontar o paraíso por aqui mesmo. Eis uma mentira
difícil de nos livrar.
Há razões
porque esta felicidade é impossível.
1.
Nós temos um mecanismo chamado “habituação” que
depois de um tempo aquilo – coisas, lugares e dinheiro disponível – se torna
banal e produz tédio.
2.
Nosso mecanismo fisiológico do humor varia
naturalmente. Às vezes estamos mais borocochôs, às vezes mais alegres. Isso
independe de quanto você tem.
3.
As circunstâncias da vida tem em seu seio uma
coisa chamada “imponderável”. Uma hora algo de ruim acontece, mesmo no paraíso
que criamos.
A felicidade é
um lugar estático. Um ponto de chegada. Um final de uma caminhada, quase sempre
antecedido apenas por dor, esforço, cansaço e, às vezes, muitas tentativas
fracassadas. Parece depender da sorte. Alguns sugerem que pode ser adquirida,
que há uma fórmula que, naturalmente, é vendida. Precisa de um tipo de
iniciação, também paga.
A felicidade
saudável teima em não se encaixar nos “para sempre” humanos. É feita de
momentos e estados que duram um tempo e logo se desfazem acossadas pelas
circunstâncias cambiantes. Quem quer isso ante a felicidade fosforescente e
gorda de alegrias com que nos acenam?
E se em vez de
buscarmos a felicidade que é fugaz, fluida por natureza, impermanente,
desenvolvêssemos a atitude interior de contentamento? R. C. Sproul diz que
contentamento é o remédio de Deus para a frustração. Embora seu artigo seja
mais amplo, reduzir o contentamento a mero contraforte à frustração é torná-lo
o que não é. A palavra autarkeia
usada por Paulo em Filipenses 4.11 é traduzida por estado de espírito ou
percepção de plenitude ou contentamento com o que se tem ou se vive.
Contentamento, assim entendido, está mais próximo de uma filosofia de vida, um
princípio existencial.
Em termos psicológicos, pode-se dizer que o contentamento
advém do encontro consigo e da aceitação que equivale a um autoconhecimento
mais profundo. Um verdadeiro encontro consigo mesmo é o que diz Martim Bubber: “O
ser humano se torna eu pela relação com o você, à medida que me torno eu, digo
você. Todo viver real é encontro.” (do livro Eu e Tu)
Entre os
gregos, quem mais se aproxima do conceito contentamento é Aristóteles e sua eudaimonia, que é definida como um estado
de plenitude do ser. Outras duas correntes filosóficas gregas também ofereceram
suas versões de uma vida boa e feliz: o estoicismo e o epicurismo.
Os estóicos
defendiam que a indiferença era o caminho mais adequado para vencer a
impotência em relação ao destino sobre o qual não se tem controle algum. Esta
imperturbabilidade seria o lugar da paz e da superação sobre os eventos
externos e, portanto, a chave para a felicidade.
Os
epicuristas, por sua vez, ensinavam que se deveria minimizar a dor e maximizar
o prazer, só assim se alcançaria a felicidade. Embora, advertia Epicuro, o prazer
não deveria ser buscado de maneira indiscriminada, pois poderia resultar em dor.
A própria dor não deveria ser evitada, pois poderia gerar prazer.
Tenho a
sensação de que vivemos num mundo de epicuristas – apenas a parte da busca do prazer
–, pois tudo ao redor funciona no afã de mascarar, esconder, medicalizar e
reprimir toda tristeza e dor. Esta é uma das razões porque muita gente prefere o
caminho rápido de um ansiolítico, por exemplo, à jornada de aprendizado e
crescimento que a terapia psicológica pode proporcionar.
Os epicuristas
modernos tem algo que seus congêneres há mais dois mil anos não tinham: eles
são marcados pela instantaneidade. Não suportam o processo, todos anseiam pelo
resultado antes até de ter feito alguma ação ou qualquer esforço que lhe
produza.