Domingo de
Páscoa. Domingo da Ressurreição. As notícias, como sempre, estavam escabrosas
neste mundo perdido de meu Deus. O arroz com feijão de sempre no quesito
política brasileira: corrupção. De resto, a miuçalha das greves, mais corrupção
e a insegurança onipresente – bastou a polícia entrar em greve na Bahia que as
pessoas começaram a saquear lojas e supermercados. Não dá a sensação de que
eles estão sempre à espreita como gatunos? No mundo, aberrações, desastres –
doeu-me o naufrágio com um navio cheio de estudantes na Coréia do Sul – a
Ucrânia, coitada, num desacerto patrocinado pelo Puto Putin que desanda falação
de bons modos pelos outros países numa dança de gestos e palavras inócuos.
Então, deparei-me
com um texto do Paulo Rosembaum, médico que mantém um blog no Estadão. Faço
aqui uma homenagem a ele com a minha versão do Pessach e o suposto diálogo
ocorrido entre Moisés e Deus.
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Deixa ver se
eu entendi, agora que passou o espanto com a sarça queimando sem torrar. O
Senhor quer que eu largue minha vida aqui e retorne ao Egito para libertar o
povo, é isso? O Senhor teria, assim, pelo menos um esboço leve de plano para eu
fazer isso? Tô sem plano algum. Tem certeza de que sou eu mesmo? Não errou de
homem?
Desculpe, não
quero ser insolente, não. Coloque-se no meu lugar. Um está levando sua vidinha
pacata, cuidando de ovelhas. Vida dura, mas tranquila, e então recebe uma
proposta dessas. Estou completamente fora da órbita dos grandes centros. Não
tenho internete, smartphone, nem ao jornal do dia tenho acesso. Desconheço a
política internacional e o Senhor diz que o negócio é comigo mesmo. Senhor,
aqui pra nós, não leve a mal, mas esmola grande o santo desconfia. Sim, não
encaixei o ditado muito bem, mas é que não sabia qual colocar.
Perdão, não
fique irritado, eu não duvido de que o Senhor pode qualquer coisa, mas o
problema sou eu, não o Senhor. Já lhe disseram que sou meio gago? De fato,
reunião maior que três pessoas, travo, engasgo e não sai nada. Será que
desenvolvi fobia social? Como? O Senhor fez a língua e o resto e que não
preciso me preocupar? Não duvido. Mas... Trovão.
Tá bom, tá
bom, não se fala mais nisso. Quer dizer, só uma última pergunta. Como
exatamente o senhor vai me fazer ser eloquente? Aviso logo: não tenho plano de
saúde e o SUS por aqui é uma lástima. Está bem, prometo, mesmo, não perguntarei
mais sobre isso. O Senhor tem um tempinho mais pra mim? Posso mudar de assunto?
Estou cheio de dúvidas. O povo que vai ser liberto está sabendo desse plano?
Nãããão? Ah, meu Deus! Não seria bom avisá-los? Assim, me poupa um pouco de fala
e trabalho. O Senhor não quer me poupar em nada? Tudo bem. Não está mais aqui
quem falou.
Vejamos... O
senhor pode me deixar ver como é que vai ser este futuro próximo? Acho que me
preparo melhor, estou uma pilha com isso tudo. Ai, ai, vai ser assim? O Faraó
não vai deixar o povo sair e vai acontecer aquele monte de praga? O povo vai
reclamar e perturbar, se desviar várias vezes? Não seria mais fácil começar
tudo de novo? A ideia do dilúvio já está meio fora de moda... um meteoro vai
bem. Certo, o Senhor não precisa de ideias. E o dilúvio não funcionou muito
bem, não é? Por favor, falo do ponto de vista do resultado... Torre de Babel
logo em seguida e tantos eventos ruins. Ok, entendi. O assunto não tem nada a
ver.
Senhor, eu não
me vi entrando na terra prometida. Não vou entrar? Por quê? Vai demorar tanto
assim? Não tem nada a ver com demora, mas com outra coisa? Posso saber? É
verdade, tenho mania de fazer montes de perguntas ao mesmo tempo. É que não
costuma aparecer muita gente pra conversar nesse deserto, fico ansioso. Dê um
desconto pra mim. É tudo muito repentino e novo. Estou tentando me acostumar.
Ter uma trabalheira dessas e na hora H não entrar, é dose.
Quando
partimos? Sei que pergunto demais. Por que não? Minha família também diz isso.
No final, então, tudo vai dar certo? Trovões. Calma, perguntar não ofende.
Feliz Páscoa, queridos leitores e
leitoras.