segunda-feira, 21 de abril de 2014

Pessach

Domingo de Páscoa. Domingo da Ressurreição. As notícias, como sempre, estavam escabrosas neste mundo perdido de meu Deus. O arroz com feijão de sempre no quesito política brasileira: corrupção. De resto, a miuçalha das greves, mais corrupção e a insegurança onipresente – bastou a polícia entrar em greve na Bahia que as pessoas começaram a saquear lojas e supermercados. Não dá a sensação de que eles estão sempre à espreita como gatunos? No mundo, aberrações, desastres – doeu-me o naufrágio com um navio cheio de estudantes na Coréia do Sul – a Ucrânia, coitada, num desacerto patrocinado pelo Puto Putin que desanda falação de bons modos pelos outros países numa dança de gestos e palavras inócuos.
Então, deparei-me com um texto do Paulo Rosembaum, médico que mantém um blog no Estadão. Faço aqui uma homenagem a ele com a minha versão do Pessach e o suposto diálogo ocorrido entre Moisés e Deus.
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Deixa ver se eu entendi, agora que passou o espanto com a sarça queimando sem torrar. O Senhor quer que eu largue minha vida aqui e retorne ao Egito para libertar o povo, é isso? O Senhor teria, assim, pelo menos um esboço leve de plano para eu fazer isso? Tô sem plano algum. Tem certeza de que sou eu mesmo? Não errou de homem?
Desculpe, não quero ser insolente, não. Coloque-se no meu lugar. Um está levando sua vidinha pacata, cuidando de ovelhas. Vida dura, mas tranquila, e então recebe uma proposta dessas. Estou completamente fora da órbita dos grandes centros. Não tenho internete, smartphone, nem ao jornal do dia tenho acesso. Desconheço a política internacional e o Senhor diz que o negócio é comigo mesmo. Senhor, aqui pra nós, não leve a mal, mas esmola grande o santo desconfia. Sim, não encaixei o ditado muito bem, mas é que não sabia qual colocar.
Perdão, não fique irritado, eu não duvido de que o Senhor pode qualquer coisa, mas o problema sou eu, não o Senhor. Já lhe disseram que sou meio gago? De fato, reunião maior que três pessoas, travo, engasgo e não sai nada. Será que desenvolvi fobia social? Como? O Senhor fez a língua e o resto e que não preciso me preocupar? Não duvido. Mas... Trovão.
Tá bom, tá bom, não se fala mais nisso. Quer dizer, só uma última pergunta. Como exatamente o senhor vai me fazer ser eloquente? Aviso logo: não tenho plano de saúde e o SUS por aqui é uma lástima. Está bem, prometo, mesmo, não perguntarei mais sobre isso. O Senhor tem um tempinho mais pra mim? Posso mudar de assunto? Estou cheio de dúvidas. O povo que vai ser liberto está sabendo desse plano? Nãããão? Ah, meu Deus! Não seria bom avisá-los? Assim, me poupa um pouco de fala e trabalho. O Senhor não quer me poupar em nada? Tudo bem. Não está mais aqui quem falou.
Vejamos... O senhor pode me deixar ver como é que vai ser este futuro próximo? Acho que me preparo melhor, estou uma pilha com isso tudo. Ai, ai, vai ser assim? O Faraó não vai deixar o povo sair e vai acontecer aquele monte de praga? O povo vai reclamar e perturbar, se desviar várias vezes? Não seria mais fácil começar tudo de novo? A ideia do dilúvio já está meio fora de moda... um meteoro vai bem. Certo, o Senhor não precisa de ideias. E o dilúvio não funcionou muito bem, não é? Por favor, falo do ponto de vista do resultado... Torre de Babel logo em seguida e tantos eventos ruins. Ok, entendi. O assunto não tem nada a ver.
Senhor, eu não me vi entrando na terra prometida. Não vou entrar? Por quê? Vai demorar tanto assim? Não tem nada a ver com demora, mas com outra coisa? Posso saber? É verdade, tenho mania de fazer montes de perguntas ao mesmo tempo. É que não costuma aparecer muita gente pra conversar nesse deserto, fico ansioso. Dê um desconto pra mim. É tudo muito repentino e novo. Estou tentando me acostumar. Ter uma trabalheira dessas e na hora H não entrar, é dose.
Quando partimos? Sei que pergunto demais. Por que não? Minha família também diz isso. No final, então, tudo vai dar certo? Trovões. Calma, perguntar não ofende.

Feliz Páscoa, queridos leitores e leitoras.