segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A vida começa depois do carnaval


Nenhum país vivencia o carnaval como nós. Isso você já sabe. Não me refiro especificamente ao despojar-se de muitos dos limites cotidianos, regras morais e sociais ao dançar nas ruas, travestir-se do que seja, refiro-me ao título. A sensação que se tem é que o mês de janeiro é um mero figurante no calendário. Ele espera fevereiro, mantém as coisas em banho- maria e mesmo o país se organiza para funcionar de verdade só depois do carnaval.
Suspende-se, por assim dizer, os compromissos mais sérios, os planos, ganha-se um tempo onde se pode esquecer ou nem tanto, anestesiar-se contra o real. Embora o carnaval seja parte de um contexto profano-religioso, no plano psicológico talvez atenda a nossa tendência aprendida em procrastinar. Fato que não é fruto de nossa brasileira e macunaímica forma de ser, atinge outros países também e certas categorias de pessoas mais que outras.
Procrastinar é adiar, delongar, prorrogar, postergar, pospor, protelar, prolongar, retardar, protrair, espaçar. Apesar de tanto sinônimo, rima com preguiça física e mental, mais esta que aquela. Deriva da palavra latina procrastinatus: pro- (à frente) e crastinus (de amanhã). Em português rasteiro significa empurrar com a barriga, faço depois, deixar para depois ou para a última hora.
A procrastinação pode ser uma negação, uma defesa, uma esquiva. De acordo com a necessidade, nós a usamos. O estudante é, talvez, o maior praticante deste comportamento. Todos sempre acham que não haverá tempo para estudar tanta matéria. Pedem sempre mais tempo para cumprir suas tarefas que eles desperdiçam, porque não querem ou não sabem usá-lo. Como estão mais preocupados com o desafio que em efetivamente enfrentá-lo, sentem ansiedade que se une à preguiça e então, postergam.
Nas relações, as pessoas adiam um desfecho que está patente, mas como fingem não ver, delongam. Por pena do outro, por mau caratismo, por dificuldade de lidar com a verdade que sempre pede uma postura assertiva - e esta exige energia emocional que a pessoa não tem ou não aprendeu a usar. Alguém sempre sai ferido nestas circunstâncias, sentindo-se traído. Todos preferem o desfecho, mesmo negativo, a uma vã esperança.
Não é engraçado que a gente vê mais gente gabando-se de que com ele ou ela a coisa é ali, na lata. Não deixa almoço pra janta. O que tem que dizer, diz e ponto final. Em grande parte das vezes, só consegue ser mal educado e confunde isso com assertividade. A maior parte do tempo é um procrastinador. Mandam para as calendas a arrumação do quarto ou escritório que ganhou uma cara de chiqueiro, mas diz que é o caos organizado, ali ele/ela se acha e sabe onde está cada camisa ou papel.   
A procrastinação revela um abismo entre o presente e o futuro. Mostra uma forma de funcionar. A pessoa está na frente, no sonho, ignora que para obtê-lo deverá atravessar dura jornada. Este descompasso é tremendamente gerador de culpa. Nem sempre expressa, pois envergonha e é a forma de dar de frente com o fracasso especialmente quando se vê comparado ou se comparando com outros.
O fracasso, por sua vez, pede responsáveis e nem sempre o incongruente quer ou pode enfrentar a realidade de que ele é o único responsável. Novamente, para fugir da verdade nua e crua, ele diz para si mesmo que realizará, o sonho é trazido para o presente e ele se conforta com a promessa que nunca cumprirá, de que se esforçará mais, planejará melhor, realizará cursos, treinamentos. Um círculo vicioso se instala. Esta é quaresma particular do procrastinador.
Postergar atende ao princípio do prazer. Voltar à vida comum com suas demandas diárias, realizar agora o que precisa ser feito atende ao princípio da realidade. Não há dúvida do que é melhor, mas somente o equilíbrio entre estes dois polos antagônicos pode gerar uma vida produtiva, realizada e significativa.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A coisa descartável


Pesquisadores japoneses vinham observando os hábitos de acasalamento inusitados da espécie Chromodoris reticulata, encontrada no Oceano Pacífico, há algum tempo. Agora, publicaram um estudo sobre o tema na Biology Letters, da Royal Society, relatando o registro pela primeira vez uma criatura que pode copular repetidas vezes com o que foi descrito com um "pênis descartável".

Fonte: BBC News (13/02/2013)

A gente morre e não vê tudo, disse. Tentava provocar uma conversa, chamar minha atenção. Eu que estava absorto sei lá com quê, não dei importância à admiração do meu velho amigo Ari. Inteligentíssimo, mas por desvios da vida, nunca chegou a lugar nenhum. Acho que faz inveja à Enciclopédia Britânica ou, modernamente, à Wikipedia. Mas para que serve este conhecimento enciclopédico? Para nada, digo, ele coleciona saberes por prazer. Tudo lhe chama a atenção. Talvez aí resida a pista de sua desdita. O mundo quer gente ultra especializada, cada qual no seu nicho.
Mas deixemos esta conversa desenxabida de lado. Por fim, voltei-me para ele que agora estava indiferente ao meu alheiamento inicial. Resolvi perguntar do que se tratava esta conversa fatalista de morte e conhecimento. Ele animou-se. Tu sabias que os japoneses descobriram uma lesma-do-mar que tem um órgão sexual descartável? Quero dizer, a parte masculina. Claro que eu não sabia. E porque deveria sabê-lo? Entre meus interesses, a vida sexual das lesmas está em trilhonésimo lugar, se não mais distante. Mas era, sim, uma curiosidade tautologicamente curiosa.
E daí? Perguntei. Ora, se a gente quer xingar uma pessoa dizemos que é uma lesma. Mas eis que as lesmas são bichos altamente sofisticados. Depois disso, se alguém quiser me chamar de lesma, tudo bem. Os nudibrânquios também são hermafroditas. Eles podem copular consigo mesmos, baita vantagem. Nudi o quê? Aquilo parecia mais uma ofensa, um insulto para alguém que queremos dizer burro, idiota, miolo mole e por aí vai. Experimente pensar só você mesmo sobre aquele desatinado que você conhece. Imagine-se dizendo. Seu nudibrânquio! E aí, gostou?
Tudo bem que o bicho seja hermafrodita, mas um pênis descartável?! Dei por mim com um cutucão do Ari. Um não, vários. E nós, já imaginou? Nós o quê, Ari? Imaginar o quê? Nem entendi como pode ser uma coisa dessas e você já está lá na frente pensando besteira. Não é nada disso que você pensou. Falo se nós homens fôssemos capazes de tal maravilha. Falhou? Descarta. O mecanismo elevatório vai mal? Descarta. Usou? Descarta.
Eu ainda não havia atinado naquilo direito e ele já emendou. Os japoneses disseram que um novo instrumento nasce em 24 horas depois de descartar o velho. Vixe! Você disse que os japoneses descobriram? E qual é a relevância científica? Eles são japoneses, sabe como é... Sei não, respondi logo. Os orientais tem a ferramenta pequenininha. Acho que eles querem compensar. Tudo bem ser pequeno, mas se conseguem fazer o troço descartável, eles vão ser os reis do pedaço. Cada vez que tiver um novo, créu! Pirou na batatinha, Ari, mas acho que estou entendendo.
Ah, você duvida? Será que os japas querem também se tornar hermafroditas? Como é que eu vou saber disso? Qual é a vantagem de uma coisa destrambelhada dessas? Os nudibrânquios... Dá para chamar de lesmas? Tudo bem. As lesmas – enfatizou, em tom de troça comigo – quando se encontram toda vez não tem conversa. Partem logo para os finalmentes e como tem as duas coisas, elas coisam as coisas cada qual no outro. Entendeu? Confesso, aquilo estava me dando voltas no juízo e agora, esta enrolação que o Ari falava por pudor de dizer as palavras nuas e cruas, piorou tudo. Mas ele, incansável com aquela ideia fixa: talvez a gente devesse aprender com elas. Nada de telefonar no dia seguinte, cada um para o seu lado, sem grilos, sem expectativas, mas todo mundo satisfeito... duas vezes... ao mesmo tempo.
Ari, você bebeu? Esqueceu de tomar os remedinhos? Deixa eu sonhar. Os gregos é que estavam certos. Eles inventaram esta história de hermafroditismo. Sabia que o Hermafrodito nasceu de um rala e rola entre Hermes e Afrodite e que... Chega, Ari. Daqui a pouco você me convence a ser hermafrodita, deus grego, nudibrânquio e sei lá que esquisitice... mas a história do descartável...