Nenhum
país vivencia o carnaval como nós. Isso você já sabe. Não me refiro
especificamente ao despojar-se de muitos dos limites cotidianos, regras morais
e sociais ao dançar nas ruas, travestir-se do que seja, refiro-me ao título. A
sensação que se tem é que o mês de janeiro é um mero figurante no calendário.
Ele espera fevereiro, mantém as coisas em banho- maria e mesmo o país se
organiza para funcionar de verdade só depois do carnaval.
Suspende-se,
por assim dizer, os compromissos mais sérios, os planos, ganha-se um tempo onde
se pode esquecer ou nem tanto, anestesiar-se contra o real. Embora o carnaval
seja parte de um contexto profano-religioso, no plano psicológico talvez atenda
a nossa tendência aprendida em procrastinar. Fato que não é fruto de nossa
brasileira e macunaímica forma de ser, atinge outros países também e certas
categorias de pessoas mais que outras.
Procrastinar
é adiar, delongar, prorrogar, postergar, pospor, protelar, prolongar, retardar,
protrair, espaçar. Apesar de tanto sinônimo, rima com preguiça física e mental,
mais esta que aquela. Deriva da palavra latina procrastinatus: pro- (à frente) e crastinus (de
amanhã). Em português rasteiro significa empurrar com a barriga, faço depois,
deixar para depois ou para a última hora.
A procrastinação
pode ser uma negação, uma defesa, uma esquiva. De acordo com a necessidade, nós
a usamos. O estudante é, talvez, o maior praticante deste comportamento. Todos
sempre acham que não haverá tempo para estudar tanta matéria. Pedem sempre mais
tempo para cumprir suas tarefas que eles desperdiçam, porque não querem ou não
sabem usá-lo. Como estão mais preocupados com o desafio que em efetivamente
enfrentá-lo, sentem ansiedade que se une à preguiça e então, postergam.
Nas relações, as
pessoas adiam um desfecho que está patente, mas como fingem não ver, delongam.
Por pena do outro, por mau caratismo, por dificuldade de lidar com a verdade
que sempre pede uma postura assertiva - e esta exige energia emocional que a
pessoa não tem ou não aprendeu a usar. Alguém sempre sai ferido nestas
circunstâncias, sentindo-se traído. Todos preferem o desfecho, mesmo negativo,
a uma vã esperança.
Não é engraçado
que a gente vê mais gente gabando-se de que com ele ou ela a coisa é ali, na
lata. Não deixa almoço pra janta. O que tem que dizer, diz e ponto final. Em
grande parte das vezes, só consegue ser mal educado e confunde isso com
assertividade. A maior parte do tempo é um procrastinador. Mandam para as
calendas a arrumação do quarto ou escritório que ganhou uma cara de chiqueiro,
mas diz que é o caos organizado, ali ele/ela se acha e sabe onde está cada
camisa ou papel.
A
procrastinação revela um abismo entre o presente e o futuro. Mostra uma forma
de funcionar. A pessoa está na frente, no sonho, ignora que para obtê-lo deverá
atravessar dura jornada. Este descompasso é tremendamente gerador de culpa. Nem
sempre expressa, pois envergonha e é a forma de dar de frente com o fracasso
especialmente quando se vê comparado ou se comparando com outros.
O
fracasso, por sua vez, pede responsáveis e nem sempre o incongruente quer ou
pode enfrentar a realidade de que ele é o único responsável. Novamente, para
fugir da verdade nua e crua, ele diz para si mesmo que realizará, o sonho é
trazido para o presente e ele se conforta com a promessa que nunca cumprirá, de
que se esforçará mais, planejará melhor, realizará cursos, treinamentos. Um
círculo vicioso se instala. Esta é quaresma particular do procrastinador.
Postergar atende ao
princípio do prazer. Voltar à vida comum com suas demandas diárias, realizar
agora o que precisa ser feito atende ao princípio da realidade. Não há dúvida
do que é melhor, mas somente o equilíbrio entre estes dois polos antagônicos
pode gerar uma vida produtiva, realizada e significativa.