segunda-feira, 7 de maio de 2012

Saco de gatos


Crematório da Vila Alpina sofre com falta de urnas de madeira há dois meses. A licitação deveria ter acontecido no início do ano, mas só será realizada em maio. A prefeitura disse que o atraso ocorreu por que as empresas aumentaram em 137% o valor do produto.
Fonte: G1 (30/04/2012)
Olha esse pé na minha cara! Calma, amigo, estamos todos em igual situação, o lugar é apertado. Tira essa mão boba, disse uma voz feminina em algum lugar mais abaixo. Olha, isso aqui não é o trem da Central do Brasil, não, ouviu? Tenha um pouco de compostura, seu descarado, insistiu a voz feminina. Ô, companheiro, vou chamar a polícia, ameaçou outro. Pode chamar, eu não passei mão na bunda de ninguém, essa moça é muito sensível, aliás, nem sei onde foram parar minhas mãos, ó. Mostrou os cotocos. Então quem foi? Exasperou-se a mulher. Silêncio.
Alguém sabe dizer porque fomos amontoados que nem restos neste lugar? Faltou urna, dizem lá. Outro completou. Ouvi dizer que uns capitalistas, verdadeiros urubus, aumentaram o valor das urnas em mais de cem por cento. Mas isto não é da época do Sarney? Sunab neles! Que coisa mais antiga. Sei lá, alguém ponderou, o tempo aqui é meio estranho. Em que ano estamos? 1978, disse uma. 2003, disse outro. Viu só, estamos num limbo. Os caras das urnas são uns pilantras, vociferou uma voz aguda. Ok, e nós é que temos que pagar o pato? Incompetência! Gritou um que se dizia louco.
Uma voz gutural, lá no fundo, falou como se estivesse espremido por toneladas. Precisamos reclamar sobre este descalabro. É muita falta de respeito nos colocarem todos amontoados sem a menor cerimônia. Houve um coro de vozes concordando. Uma voz afetada e cheia de requebros gritou perguntando o que se iria fazer. Outro silêncio. A mesma voz deu a solução. Olha, eu e as monas minhas amigas fomos espremidas horrores por aquela sociedade preconceituosa e homofóbica. A saída é subir no salto e fazer uma parada. No meio da confusão, alguém perguntou: alguém viu um pezinho com um anelzinho no dedo mindinho? Ih, mais um, um sujeito gruniu. Enquanto isso, a ala masculina chiou com a sugestão do rapaz da vozinha. Era mais quem dizia que não subiria em salto nenhum. A vozinha deu uns muchochos amuados. Nós aqui nesta situação e vocês estão preocupados com uma metáfora? Incompetência! Clamou o louco, agora para risos de alguns.
Senhora, senhora, por favor, sou um homem casado. E daí, sua esposa está por aqui, por acaso? Não, ficou... Então, tolinho... mas você não faz o meu  tipo e esta encoxada aqui não tem nenhuma segunda intenção, é que não posso evitar, aliás a coxa nem é minha. Pelo menos não lembro dela nesta cor. Como não sou o seu tipo? Incompetência! Interrompeu o louco para gargalhada geral, embora alguns o tenham mandado calar a boca. O que que eu não tenho que os outros tem? Que outros, seu coitado? Está me estranhando como uma dessas piriguetes que estão no meio do espremido? É que ela reconheceu uma zinha qualquer que foi sua desafeta lá no meio do bolo de gente. Além de causar reclamações de algumas que se sentiram atingidas, a tal zinha prometeu-lhe uns bons bofetes nas fuças e por pouco, não fosse a contenção de alguns, o lugar se tornaria um octógono feminino.
Por momento, a paz reinou em meio a gemidos e bufos. Bateram minha carteira! Alguém gritou em algum lugar. Claro, todos que ouviram queriam saber quem roubou e quem foi roubado. Uma mulher disse que era para chamarem o Janjão. Quem??? O guarda, ela respondeu. Eu o encontrei quando estávamos sendo jogados aqui. Quer dizer, o que reconheci por aquela pança.
Quase todos. Janjão! Janjão! Aqui, disse uma voz sonolenta. Ô Janjão, uma balbúrdia dessas e você aí, cochilando. Cochilando, não, comigo é sempre alerta. Levantou a mão direita para fazer o símbolo dos escoteiros, mas faltavam os três dedos. Acho que aquela feijoada pouco antes de vir para cá pesou. Justificou-se. O que é? Bateram a carteira de alguém. Estou fora. Você é única autoridade aqui, precisa fazer alguma coisa, basta o que passamos lá fora com a falta de segurança. Não é possível que numa comunidade tão pequena haja uma batedor de carteira desavergonhado. Janjão sem poder sair de seu lugar. Aê pessoal, estou a procura do larápio, qualquer informação passem aqui para meu setor e voltou a cochilar alheio ao banzé. A turba ficou aparentemente satisfeita, inclusive o suposto furtado.
Noutro plano, bem próximo, dois barnabés discutiam o destino das pessoas. Já fizeram a licitação? Sei não. Que vamos fazer com esta gente? O saco já está transbordando. Vamos esperar a licitação. O que é isso? Perguntou o mais burro dos dois. Acho que um jeito de comprar as urnas. É por que eu não aguento mais espanar cinzas da roupa e cabelo. E do chão, ó, do chão!