sábado, 17 de janeiro de 2009

Igrejas sob medida


Igrejas sob medida são relativamente recentes. Digo porque a meros vinte anos atrás não se via isso. Certo, as igrejas evangélicas funcionavam meio como guetos culturais-religiosos, tinham pouca visibilidade social e política. Em meados dos anos 90 a situação mudou. A “renovação” de vários grupos dentro de igrejas ditas tradicionais propiciou o aparecimento de novas denominações. Os grupos nem podiam ficar em suas antigas denominações, tampouco queriam ir para as pentecostais na praça. Pode-se dizer que muitos anteviam seu próprio protagonismo denominacional e assim foi.

Dentre estes vários grupos, e põe variedade nisso, apareceram igrejas com características bem próprias, cujo paradigma, tomo como exemplo aqui, a Bola de Neve Church, assim mesmo em inglês. Nasceu voltada para os jovens, surfistas – em São Paulo, o púlpito é uma prancha de surf – e outras tribos jovens. Deu certo, a igreja alternativa lotou. Não faço uma crítica negativa, prefiro ficar com a prudência de Jesus que alertou: quem não é contra nós é por nós (Mc 9.40; Lc 9.50), mesmo que algumas coisas que vejo me façam torcer o nariz.

Bem, toda igreja voltada para um público específico em sua fase infantil e adolescente, termina por se tornar uma senhora que abraça todo tipo de público, é fato. Perde assim suas características, digamos, mais 

transgressoras. A questão é que como relata reportagem recente da Folha de São Paulo, alguns estão tomando isso muito ao pé da letra. Não bastassem igrejas aplicando todo tipo de técnica empresarial e marketeira para crescer, agora isso, igrejas de perfil. Mas é parte natural de um processo, penso.

A reportagem fala da igreja 242, movimento nascido na Inglaterra e que está no Brasil a pelo menos dez anos. Ah, 242 refere-se a Atos 2:42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.” A igreja congrega jovens, especialmente. Pratica a “teologia da inclusão” que significa “Jesus ama a todos”. Fora esta há outras tantas que reúnem emos, góticos, metaleiros, etc.

Lembrei de Mica e sua igreja (ver trecho Juízes 17.1-13). Mica morava na região montanhosa de Efraim, talvez não houvesse igrejas por perto, um ponto de pregação ou simplesmente estivesse cheio da igreja presente no mercado. A partir de um nebuloso fato em que rouba uma quantidade de prata de sua mãe e que depois parte dela são transformados em ídolos do lar, nasce uma igreja, com direito a estola sacerdotal e tudo mais e um sacerdote, seu filho – ainda existe muito este tipo de coisa, ministério hereditário.

Há uma guinada na igreja Micalina quando, por acaso lhe bate à porta um levita. O que um levita (pastor) anda perambulando fora de sua função é de se perguntar. Mas com este profissional do púlpito a igreja ganha outro status. A coisa toda vai bem por certo tempo até que o levita, ante uma proposta tentadora, bate asas e deixa Mica na mão. Não se sabe se ele construiu outra igreja.

O que fica disso tudo é que tanto num passado remoto como no presente, as coisas andam mais ou menos iguais. Uns fazem igrejas à sua imagem e semelhança, outros à semelhança do público que desejam atrair ou ainda as duas coisas. No meio há sempre o perigo de que os valores mais caros do Evangelho sejam instrumentalizados para agradar a uns e outros sem mais essa de que agradar, primeiro e acima de tudo, é ao Senhor. Mas eles sempre dizem que, na linha direta que tem com os céus, a sua maneira é que é a certa.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

FRASES


“Tem um botequim no Rio que tá vendendo linguiça com trema e linguiça sem trema. Com molho e sem molho! Rarará!”

José Simão, na Folha (13/01/09), a respeito da bagunçada reforma ortográfica.

“Talvez seja mais um sinal dos tempos: estamos tão pressionados pela vida, a política,as circunstâncias, as dificuldades,os medos e sustos,que por qualquer coisa explodimos. Penso que somos uma geração doente da alma.”

Lya Luft em artigo semanal da revista Veja em que fala sobre a guerra nas estradas e ruas do Brasil – As mortes poderiam ser evitadas.

“O que vem a ser proporção em um conflito armado? Há algum critério, alguma tabela, que a caracterize? Será que existe um consenso universal segundo o qual Israel teria o direito de matar "y" palestinos se contasse "x" mortos por foguetes?”

Salomão Schvartzman e Zevi Ghivelder em artigo na Folha – edição de 13/01/09.

“A impaciência é cada vez mais uma obsessão visual; queremos ver uma coisa instantaneamente e depois esquecê-la.”

Harold Bloom em Anjos Caídos.

“Entre o sono e sonho,/ Entre mim e o que em mim/ É o quem eu me suponho/ Corre um rio sem fim.” 

Fernando Pessoa - Cancioneiro

"A guerra contra o terror envolve Saddam Hussein por causa da natureza de Saddam Hussein, da história de Saddam Hussein, e a sua determinação de aterrorizar a si mesmo."

George W. Bush, em uma de suas centenas de gafes. Grand Rapids, Michigan, 29 de janeiro de 2003

Ilustração - Urbano, Dos Sete Mares - 2006

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A metamorfose ambulante que é perigosa


Faz tempo que aqui nesta coluna lembrei uma música do Chico Buarque que tem uma frase mais ou menos assim: ”tem dias que agente se sente como quem partiu ou morreu”. A frase faz alusão a estados de espírito cambiantes que nos acometem de tempos em tempos ou até mesmo ao longo de um dia. Os estudiosos da área neurológica dizem que ora são ondulações nas quantidades de serotonina, ora excesso de dopamina e basta uma destas maravilhas da farmacologia para se dar cabo destas inquietações da alma.

Estes estados ondulantes, mais em uns que noutros, certamente revelam algum desequilíbrio que não é só fisiológico, mas de um ser inteiro, visto que não se pode esquartejar uma pessoa e isolar suas partes como se uma nada tivesse que ver com outra. A verdade é que não se sabe dizer onde começa estas assimetrias funcionais e muitos as julgam apenas pela sua manifestação sintomatológica no corpo físico. Fui redundante aqui para não deixar dúvida. 

Às vezes, eu já vivi esta experiência, é tal o desencontro em nós, que chegamos a estranhar este outro que em nós está. Recordo, não penso ser disparatado, que as incontáveis abordagens artísticas literárias e cinematográficas que tentam dar conta desta característica tão humana, têm mais verdade do que alguns cartapácios científicos. Ser e não ser um mesmo, eis a questão.

A história de um ser humano dividido foi explorada por diversos autores, talvez o mais célebre deles tenha sido Robert Louis Stevenson que no século XIX escreveu “O médico e o monstro”. O bom médico chama-se Henry Jekyll, e sua sombra e versão diabólica, Edward Hyde. David Banner e seu alter ego verde, Hulk, é uma versão moderna da história explorada nos quadrinhos. O próprio autor, Stan Lee, afirmou que se inspirou em Stevenson.

Gosto especialmente de um personagem tido como menor, por representar uma literatura desconsiderada pela academia: o Homem Aranha e sua versão em negativo, o monstro extraterrestre Venom (a história está no filme Homem Aranha 3). O nome é apropriado, pois Venom, em inglês, significa veneno, peçonha e também malignidade, malevolência. O monstro se mimetiza em seu hospedeiro e pouco a pouco assume a personalidade daquele que é consumido por ele. É, pois, uma espécie de parasita que ao fim destrói a persona na qual se instalou. Por outro lado, potencializa as características malévolas daquele a quem domina. E tanto maior este novo ser do mal, mais de veneno terá em seu corpo, podendo-se dizer que do antigo eu quase mais nada restará.

Digam-me se isso não acontece com inúmeros de nós? Não é raro se ouvir as pessoas falarem de um outro eu, dentro de si mesmas, contra quem lutam, pois aquele de quem falam como se fosse outro, lhes arrastam  para práticas e caminhos que não desejam. É, por se dizer, diferente do que defende um livro recente, “Multiplicidade – a nova ciência da personalidade” de Rita Carter, que trata cada ação de uma pessoa, suas manifestações emocionais, como fossem personagens diferentes, de modo que todos nós, segundo ela, somos feitos por muitos outros, cada qual independente, às vezes com uma personagem central dominante, às vezes uma verdadeira comunidade.

Discordo do livro, ressalvando que existem sim, distúrbios de múltiplas personalidades, devidamente registrados no DSM IV e CID 10, sistemas de classificação de doenças psicológicas. Num sentido teológico, parece-me que não há a possibilidade de uma mesma pessoa ser mais de uma, exceto nas possessões demoníacas. O homem de Gadara no encontro com Jesus, nos arredores do Mar da Galiléia, afirma quando perguntado pelo seu nome: “Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos.” (Mc 5.9 – ARA) A palavra legião, neste contexto, descreve um batalhão do exército romano constituído de 6.826 homens, entre estes 726 cavaleiros. A ciência trata de negar este tipo de realidade. Nomina com termos técnicos. Ela precisa de prova da existência do diabo e seus asseclas, mas, sabemos, no sentido científico, não há. Por isso negam o que não sabem.

O gadareno perdera qualquer vestígio de humanidade. Andava nu, entre os sepulcros. Atacava as pessoas e nenhuma cadeia conseguia prendê-lo. Se automutilava com pedras e vagava num moto contínuo como máquina. Tornou-se apenas uma pocilga em que os demônios chafurdavam. O irônico é que não é o homem quem reconhece Jesus e diante dele se ajoelha, mas os demônios que clamam por uma pausa, para não serem castigados. Jesus, de imediato, expulsou-os e logo foi devolvida àquele homem a sanidade. O relato bíblico é quase poético: “Quando chegaram perto de Jesus, viram o homem que antes estava dominado por demônios; e ficaram espantados porque ele estava sentado, vestido e no seu perfeito juízo.” (Mc 5.15 – NTLH).

O endemoninhado de Gadara e o Homem Aranha-Venom têm muito em comum. Falo no sentido daquilo que se apossa de um ser, desfigurando-lhe a imagem. Este é o papel do diabo, arrancar a imagem de Deus no homem despedaçando-o em fatias não congruentes, inimigas entre si. Mas é também o que acontece em nosso fatiamento interno do ser.

A salvação, que dissemos ser saúde no último texto, atua aqui na sanidade mental também. Paulo sabia disso, não canso de repetir sua fala: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto.” (Rm 7.15 – ARA). Este homem dividido traduz a guerra entre aquele que conhece a Graça do amor de Deus e o outro religioso, carnal, cada qual puxando para um lado. Admite nosso esfacelamento congênito. A salvação reconstrói, junta cacos, monta o quebra-cabeça que somos cada um de nós, portanto, produz harmonia.

Paulo sabe que há apenas uma saída, amoldar-se em Cristo. Ele, o homem inteiro, sem variação, sem mudança, sem humores alternantes. Ao mesmo tempo, este é um processo de aprendizado e prática – não existe fé abstrata como nos lembra Tiago – sob a Graça que é a ajuda de Jesus quando falhamos, quando nos desconhecemos, quando fazemos aquilo que agrada ao homem perecível, cheio de apetites e por estes dominado, em contraposição àquele que se realiza em agradar ao Senhor. Não por seguir leis, regras, mas por deixar-se levar pela liberdade de ser aquele ou aquela que lhe reflete a glória.

A ilustração acima: Metamorfose de Narciso - 1937 (Óleo sobre Tela; 50,8 X 78,3) Salvador Dali 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Síndrome de coitadinhos


Ser coitadinho é legal. Verdade. Conheço várias pessoas que detestam isso, rol no qual me incluo. E há aqueles que negam de forma peremptória não gostar da posição de coitados, mas agem o tempo inteiro como se fossem. E ai de quem lhes disser isso na cara.

São os reis da tática de superdimensionar suas pequenas desgraças. Uma topada é quase um pé quebrado. Exageram, chantageiam, dão deixas de suas desditas, até verbalizam sua falta de sorte ou sua condição menor. Nunca de forma direta. A culpa de sua situação é sempre do outro, alhures: um ET, a queda da bolsa na Bósnia-Herzegovina, um terremoto na ilhas Aleutas. É o mundo contra ele/ela. Sente-se perseguido, nunca é ele/ela o incompetente ou que não se esforça.

Por que há tantos coitadinhos? Ora, porque há um monte de gente de coração mole ou que agem em sua ajuda por culpas sabe-se lá de quê. Socorrem o coitadinho e o defendem. Fazem coisas para e por eles. Sim, os coitadinhos têm lucro com sua condição, e altos. Se forem ladinos o suficiente, manterão sempre uma casaca de que não precisam de ajuda. É uma forma astuta de esconder sua vergonha. Eles são uma armadilha para quem ajuda, grudam pior que carrapato.

Ser coitadinho publicamente e de forma consciente é mais difícil de encontrar. Um bom número age sem se dar conta, mas a maioria sabe o que fazem e porque fazem. Neste meio tem de tudo. Preguiçosos, vagabundos, pilantras, aproveitadores e doentes.

A síndrome do coitadinho ataca em tudo que é canto. Pode ser individual, mas é fácil encontrar em planos maiores: sociais, internacionais. Ser coitadinho e ter gente que acolha esta demanda por colo é um traço da condição humana. Montes de países estão corroídos por toda sorte de miséria, depende de seus cidadãos a mudança. Mas continuam ali, a esperar que os outros façam por eles ou acusam as potências por seu estado.

Etnias, grupos religiosos e partidos faturam alto agindo como coitadinhos. Às vezes, precisam provocar uma situação, dar uma mãozinha ao destino para que lhes aconteça algo e assim serem notados, ajudados, poderem aparecer. Ato contínuo, a imprensa inteira os trata como pobrezinhos, vítimas do despautério do destino ou de um suposto algoz.

Tem coisa melhor que uma catástrofe natural ou uma carnificina de uma guerra para os coitadinhos? Perguntem ao Hamas e grupelhos semelhantes, eles entendem bem do assunto. Se for difícil, pergunte ao coitadinho ou coitadinha do seu lado.

FRASES

“Namorei o jornalista Renato Machado (da Rede Globo) e casei com Carson, que fazia motocross. Não falava só de vinho e ostras com Renato e nem só de moto com Carson. O Marcelo me beijava muito. Imagina se eu não gostava? Eu, que sempre gostei de sexo, amor e carinho? Se ele me completava nesse departamento, não precisava falar de museu.”

Atriz Susana Vieira, em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja (14/01/09). A mulher é camaleônica. Ora parece uma ingênua apaixonada que foi enganada, ora uma mulher vivida que defende seu direito de ter o homem que quer de do jeito que for. As sessões de terapia com uma psiquiatra (apenas 4) não ajudaram muito em diminuir a bola dela, inflada por um ego enorme e quem sabe uns fármacozinhos.

"Aqui quero ser realista: não poderemos fazer tudo o que falamos durante a campanha com o ritmo que tínhamos esperado".

Barak Obama em discurso em que admite que o buraco é mais embaixo. Coisa de político. Em campanha, promete o céu e a terra, na hora do vamos ver começa a dizer que vai demorar, pede sacrifício, paciência... Obama, o primeiro presidente americano negro, assume dia 20 de janeiro.

“Nós aplaudimos os donos do City Crab and Seafood por sua decisão compassiva em permitir que este nobre ancião viva seus últimos dias em paz e liberdade. Esperamos que seu gesto gentil sirva como exemplo de que esses intrigantes animais não merecem ser confinados em pequenos aquários, ou fervidos vivos.”

Ingrid Newkirk, dirigente do Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais), elogiando o dono de um restaurante em Nova Iorque, que depois de comprar uma lagosta – que ganhou o apelido de George – de estimados 140 anos, devolveu-a ao mar.

“O segredo é manter a fé e evitar que a angústia tome conta dos pensamentos”

José Alencar, vice-presidente do Brasil, em sua primeira entrevista do ano, depois de mais uma cirurgia para extirpar um novo tumor. O vice-presidente luta há 11 anos contra o câncer e já fez doze cirurgias desse tipo.

“Tenho, no entanto, algo a lhes dizer: vocês se impressionam demais com Tamanho, Poder e Influência. Vocês são impacientes com os pequenos e os vagarosos. Vocês não discernem muito bem entre os caminhos do mundo e os meus caminhos. Aborrece-me o fato de que vocês copiam de modo acrítico as atitudes e os métodos que fazem suas vidas nos bairros nobres e afluentes funcionarem tão bem. Vocês se apegam a qualquer coisa que funcione e tenha boa aparência. Vocês fazem muitas coisas maravilhosas, mas com exagerada freqüência vocês as fazem à maneira do mundo ao invés de fazê-las à minha maneira; e isto compromete seriamente a sua obediência.”

Texto de Eugene Peterson sobre as igrejas de classe média, originalmente publicado pela Christianity Today, reproduzido na Cristianismo Hoje.

“O país tem a maior inflação do mundo (231.000.000% ao ano) e acaba de anunciar o lançamento da cédula de 50 bilhões de dólares zimbabuanos, suficientes para comprar duas baguetes de pão.”

Trecho de editorial da Folha (Dramas humanitários) em que cita a desgraça no Zimbábue dirigido, desde 1980, pelo ditador sanguinário Robert Mugabe. Para completar o país vive uma epidemia de cólera que já matou mais de 1.500 pessoas.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Nem rastro de cobra, nem couro de lobisomem


O sueco Jan-Olov Ågren, que vive na cidade de Luleå, havia solicitado ao fisco sueco que trocasse seu nome para Jan-Olov Madeleine Ågren. No entanto, a instituição negou o pedido, argumentando que não seria apropriado para um homem ter um nome de mulher.

Em uma decisão inédita, o tribunal da região de Norrbotten, no norte da Suécia, determinou a anulação da decisão do fisco sueco.

Fonte: BBC Brasil

           

Desde quando me recordo, meus pais desejavam uma filha. Nem tanto meu pai, que não apitava em nada, mas minha mãe, sim. Lembro que ela me chamava carinhosamente de Maria Flor. Vestia-me em vestidinhos, lacinhos de fita na cabeça. Queria vê-la ficar contente era quando alguém, que não me conhecia, trocava minha identidade. Meu nome de batismo é dúbio, Darci. Não foi à toa. Os cachos no cabelo e o corpo de criança que nada denunciavam da sexualidade faziam o resto.

Que me lembre, gostava das brincadeiras de minha mãe. Não nego, houve um momento que aquilo me confundiu, mais pela troça dos moleques vizinhos que me chamavam de mariazinha. Ora, este era precisamente o nome pelo qual me chamava minha mãe. Assim, antes de causar raiva, era um elogio. Mas cresci normal. Eu mesmo sempre soube: sou homem.

O psicólogo ouvia em silêncio até que perguntou. E agora, quem é que me conta sua história? É o Darci. Quero dizer, o meu primeiro eu. O senhor sabe explicar porque me foi encaminhado? Sim. Acham que estou com algum tipo de distúrbio de múltiplas personalidades. Até concordo que sou vários, não que isto seja um distúrbio, uma doença... Também não tem nada a ver com espiritismo. Olhe, desde meus tempos do “teco, teco, teco na bola de gude” como canta a Gal que sou assim. Qual é o problema, minha gente?  De fato, nós estamos organizados aqui dentro, apontou para o próprio corpo. Dependendo da ocasião, entra em cena quem melhor vai se atar com ela. Antes de ser um mal é um bem. Quantas vezes Sebastião, que hoje é porteiro de boate, não me salvou de confusões de rua?  

Senhor Darci, a questão é que o senhor quer um documento oficial que enquadre pelo menos quatro de suas personalidades. A Receita, a Previdência não querem aceitar e, convenhamos, nem podem. Um diz que não sabe a quem cobrar, o outro diz que não sabe a quem aposentar. Simples, cobrem os quatro, aposentem os quatro. Por que não posso ter todos os nomes? Doutor, não sou o primeiro a ter muitos nomes no nome. Dom Pedro I teve quatro vezes mais nomes do que o que estou pedindo, nem por isso deu confusão. Verdade que todos eram masculinos, mas tirando este pequeno detalhe, não peço nada demais. Como é que vou explicar para Madalena, coitada, logo ela que é tão sensível?

Fale-me um pouco da Madalena. Ah, ela é um doce de pessoa.  É de quem mais gosto. Ela assume às quintas e sextas, mas podemos substituí-la por qualquer dos outros personagens se um destes dias cai naqueles dias dela. Madalena de TPM não há quem agüente. Aliás, digo aqui só para o senhor, não leve a mal. Madalena acha o senhor um gato.

O psicólogo pigarreou, ficou meio sem jeito. Sim, senhor Darci... que Darci o quê! Desculpe. Quem fala? É o Aderbal, a seu dispor. O senhor faz o quê? Vivo aqui com este molenga do Darci, a gostosa da Madalena e meu desafeto, o Sebastião. Sujeito ordinário, tá me devendo uns cobre aí e não paga. Outro dia cantei aquela música para ele “Por que tu não me paga sacana, por que tu não me paga?” e o malandro, cheio de razão, ainda me deu uns catiripapos. Mas somos família, uma hora resolvemos na boa. O que o chefia manda?  Bem, eu estava falando com o Darci, dá pra chamá-lo? Agora não, foi ao banheiro, é um frouxo, basta a coisa esquentar e tem desarranjo.

O senhor sabe que preciso dar um laudo sobre seu pedido de um documento com quatro nomes. Pois não. Então, quero entendê-los, para que possa dar uma resposta aos órgãos do governo. Mas claro que sou normal (coloca a mão ao lado da boca), não posso dizer o mesmo de outras pessoas aqui dentro.

Olhem, preciso falar com todos. Estou disposto a concordar com os nomes nos documentos, mas é importante que todos se manifestem. Por mim, tudo bem. Quem fala? Sebastião. Olá Sebastião, então você concorda com os nomes num mesmo documento? Menos o do Aderbal. Aquilo é um imprestável. Vive de dar golpe nos outros de nós. Até eu, que me imponho bem, já fui vítima dele. Acontece, atalhou o psicólogo, que se o Aderbal continuar a aparecer, o nome dele deve constar também. Taí, até que a idéia dele desaparecer não é ruim não. O psicólogo arregalou os olhos. Desculpa, força do hábito de outrora, é só uma brincadeira.

Sei que hoje é segunda, mas alguém aí poderia avisar a Madalena que preciso falar com ela? Silêncio. Então, saca um lenço do bolso e diz chorosa: Eu sou a Madalena. Oh, muito prazer. Você também concorda com a petição de seus companheiros? Sim, desde que me tratem melhor. São uns ingratos, uns machistas...

Gente, desculpem, mas porque vocês só deixam Madalena aparecer dois dias na semana? Uma voz pareceu sair do fundo daquele corpo de homem com o som nítido de um coro: é porque são os dias de faxina e explodiram numa gargalhada. 

Estes texto foi publicado na Coluna Eudes Alencar no Jornal Pequeno.

Ateus saem do armário

Quem diria? Depois da onda de livros em que os ateus destilaram suas opiniões sobre tudo que cheira a Deus nos últimos dois anos, resolveram usar as mesmas armas de propaganda dos crentes, digamos, com um fervor religioso. O mais incrível é que recebeu apoio maciço da população londrina a ponto de encherem a cidade com a frase que expressa uma sacudida da poeira na crença divina.

Não é engraçado que para ateus militantes – alguns raivosos – e para uma frase de uma campanha que pretende negar Deus e convidar as pessoas a viverem segundo esta “verdade” eles deixem uma fresta de dúvida na existência de Deus? Sim a frase começa com “Provavelmente Deus não existe...”

Veja a reportagem abaixo.

§                       Iracema Sodre

§                       6/01/2009, 05:29 PM


"Deus provavelmente não existe. Agora, pare de se preocupar e aproveite a vida". Este é o slogan de uma grande campanha, com anúncios em ônibus e metrôs da capital britânica, que pretende estimular os ateus a saírem do armário.

A idéia começou com um certo tom de brincadeira, quando a comediante Ariane Sherine

 (foto) sugeriu que condenavam os não-cristãos ao inferno.

Ela começou a que um "ônibus ateu" circulasse pela cidade como contrapartida às propagandas religiosas coletar doações para a campanha com a meta de arrecadar 6 mil libras, o equivalente a R$ 20 mil. Nem ela acreditou quando, em menos de dois dias, a conta do banco já registrava 87 mil libras.

A modesta campanha planejada para os ônibus londrinos se transformou em um mega esforço publicitário de mais de 135 mil libras, com anúncios extras no metrô - citando ateus famosos como a atriz Katharine Hepburn e a poetisa Emily Dickinson - e mensagens em telas eletrônicas no centro da cidade.

Alguns teólogos elogiaram a iniciativa dizendo que o slogan encoraja as pessoas a pensarem sobre a existência de Deus e pode dar início a discussões interessantes em torno das religiões, mas há quem diga que a coisa boa dos ateus era justamente que eles não tentavam convencer ninguém de sua não-crença.

Agora, eles teriam se igualado aos pregadores religiosos... 

http://www.bbc.co.uk/blogs/portuguese/2009/01/ateus_saem_do_armario_em_londr.shtml