E lá vamos nós
outra vez! O ano que se vai deixa um rastro de perplexidade, o que o tornará
inesquecível. A lista de eventos é exagerada para um ano só. Tenho a sensação
que vivemos vários anos em um. Como se vive um continuum e as demarcações
temporais são meras ficções, os desdobramentos que virão em 2017 podem ser
ainda mais assustadores. Não agouro. Prefiro manter a porta aberta para o que
for.
Outra
curiosidade deste ano excepcional. Ele ganhou um segundo a mais. Ajuste de rotina
realizado pela instituição Tempo Atômico Internacional. A explicação é que é curiosa.
Caso não fosse acrescentado este segundo, estaríamos mais rápidos que a rotação
terrestre. É como se você estivesse dentro de veículo e chegasse ao destino
antes do próprio que lhe carrega. Uma bizarrice, convenhamos.
Talvez fosse
este mesmo o desejo de todos nós. Sair o quanto antes de um ano que nos
descabelou de preocupação e sustos. Minha percepção é que a ordem das coisas
que estava mais ou menos segura, a duras penas certamente, sofreu severo abalo
e ainda ameaça uma desconjuntura no ano que chega, donde me pergunto se a
pressa para sair do convulsionado 2016 nos levará a algo melhor, para além de
nossos desejos protocolares.
Acho que todos
temos este sentimento de um ano que se arrasta e como cada segundo dele nos deu
eventos horrendos aos borbotões, como se a cada curva de seu tortuoso caminhar
um desastre iminente nos espreitasse. Pergunto-me se lhe dar um segundo a mais
não é uma temeridade. Sei das consequências para satélites, posicionamento
global do transporte, a economia, enfim. E daí?
Que mais dá
tudo isso quando parece que num segundo se repetirão as mortes aos milhares de
afogados no Mediterrâneo, nos atentados terroristas cada vez mais brutos e
diversificados, nas convulsões políticas – e nós que o digamos –, na ampliação
da tentacular Lava Jato com suas centenas de delações premiadas que de tanta
corrupção começa a se tornar banal, nas quedas de aviões por ganância ou falta
de manutenção, nos fenômenos climáticos cada vez mais perturbadores.
Um segundo a
mais e países inteiros se desfarão como vimos acontecer, exceção para a
Venezuela que insanos e marginais estão destruindo devagarzinho, um segundo
após o outro, com método, loucura e insensibilidade. Um segundo é tudo que se
precisa para uma escolha desastrada... ou não. É de se perguntar por que a
terra atrasou ou nós nos adiantamos. Como conseguimos este feito? Ocorre-me uma
explicação mais simplória: nossos relógios enlouqueceram. Contaram tempo a mais
e deixaram a terra para trás. Então nos demos conta que durante um ano inteiro
apressamos acontecimentos, precipitamo-nos adiante no futuro sem estarmos
preparados ou resolvidos no básico.
Entre nós e a
terra ficou um espaço vazio que precisamos encher com um segundo, nos tornar
mais pesados nessa carreira desabalada para um sem rumo que é como as coisas
parecem estar. O atraso, quem sabe, nos poupe de outros desastres, pois na hora
exata de seu acontecer ainda não teremos chegado ao local e momentos fatídicos.
O segundo a mais talvez nos faça
refletir sobre nossa brutalidade, alheiamento, desumanização.
Em um segundo,
a terra caminha ao redor de si 465 m, parece pouco, mas é a essa distância que
estaremos do ano próximo quando a hora da mudança chegar. Caminharemos todo um
segundo como quem atravessa uma fronteira em terra de ninguém. Voltaremos a
caminhar como bípedes, um metro por segundo, um passo de cada vez. Talvez nos demos
as mãos. Talvez olhemos para o outro que está ao lado. Quem sabe percebamos o
caminho e a paisagem e, na contemplação, descubramos nossa verdadeira dimensão:
grãos de pó com síndrome de onipotência carregados de hubris.
PS.
Obrigado pela companhia. Desejo a todos um novo ano em que aprendamos a ser
melhores. Isso nunca vem sem dor, sem luta, sem esforço. Que Deus tenha
misericórdia de nós.