O júri do concurso de fotografia Wildlife Photographer of the Year desclassificou um
concorrente premiado na última edição do certame ao descobrir que sua foto
mostrava um animal empalhado. A imagem, do fotógrafo brasileiro Marcio Cabral,
foi ganhadora na categoria de Animais em seu Entorno, em 2017. É
intitulada The Night Raider (O Invasor Noturno) e mostra um
tamanduá-bandeira avançando na direção de uma colônia de cupins no parque
Nacional das Emas, no Brasil. (BBC -
Paralisado, ou
melhor dizendo, eternizado numa mesma posição, você há de convir, dá todo tipo
de dormência e desconforto. Tem vantagens, a pose, por exemplo, pega meu ângulo
mais fotogênico e me mostra em plena ação, o que produz ilusão de movimento e
até assusta. Mas basta mais três segundos de olhar fixo em mim e a dura
verdade: estou empalhado.
Você deve se
perguntar embatucado: como estou falando se, tecnicamente, estou morto? Bom
isso é uma longa história que nada tem que ver com espiritismo, isso eu
asseguro. Algum tipo de consciência tamanduaniana permaneceu em mim e, de algum
modo, desenvolvi esta habilidade psíquica de falar na mente de meus
interlocutores. Não todos.
Fui, involuntariamente,
personagem de um escândalo. Não daqueles do tamanho da Lava Jato que a tudo redimensionou:
valores de roubo, dimensão e extensão da gatunagem, sofisticação dos desvios do
erário, quantidade da gente envolvida e importância de seus cargos. Mas ainda
assim um escândalo.
Minha vida
atual, pela própria condição em que me encontro, é viver na área de recepção
dos visitantes do Parque das Emas. Sou um host nessa nova fase da vida. Pois
vamos à história rocambolesca em que me meti e que é o estado da arte da
natureza do brasileiro. Um verdadeiro case sociológico.
Marcio esteve
aqui várias vezes e nos tornamos amigos. Outro dia ele disse que eu poderia
fazer carreira como modelo. Desconfiei. Estou empalhado, não burro. Esse golpe
é velho. Lembrei o serial killer dos patins. Mas neste estado de paralisia, um
faz o que quer com a gente. É um tanto humilhante. Vocês não imaginam o que
alguns idiotas fazem comigo. E quem se importa?
Voltando.
Certo dia, no final da tarde, Marcio chegou com seus aparatos de fotografia e
me carregou literalmente até um cupinzeiro que tantas vezes ataquei os
deliciosos cupins. Enfiou minha cabeça no cupinzeiro e me colocou em tudo
quanto foi posição. Um empalhado não cabe em qualquer postura, somos sestrosos.
E foi foto daqui, dali, até anoitecer. Depois me deixou no meu canto. Ainda
bem, não fez nada esquisito comigo como desconfiei no princípio.
Passados uns
dias, ele retorna esfuziante. A foto comigo ganhou um prêmio internacional – Wildlife Photographer of
the Year. Marcio ficou famoso e eu junto, embora com pouca repercussão
neste fim de mundo aqui. O nome da fotografia: The Night Raider.
Chique, não?
O que eu não sabia é que fui vendido como se
vivo estivesse. Os gringos descobriram tudo e ficaram danados de raiva.
Chamaram especialistas a partir de uma denúncia de que o tamanduá da foto era
eu e que, bem, não estou exatamente vivo.
A justiça no estrangeiro não é essa loucura daqui
com seus Gilmars, Lewandoviskis e Marcos Aurélios, cujas intenções inconfessáveis
à luz do dia escapam em palavras e atos numa cornucópica enxurrada de atos
falhos. Cassaram a foto e puseram o Márcio à merecida execração internacional
e... eu junto. Que vergonha! Vocês acreditam que o cretino jura de pés juntos
que é inocente? Se ele disser que eu fui sozinho ao cupinzeiro não vai prestar!
Bastava a foto do cupinzeiro que, isso eu
asseguro, ele não falsificou como um produto paraguaio ou chinês. Mas me
falsificou. Tornei-me o tamanduá fake da foto. O diabo, dizem, está nos
detalhes. Tenho milhares de fotos espalhadas nesta maldita posição. Alguém
achou parecida. Um especialista internacional em empalhamento comparou as fotos
e pimba, decretou: É um tamanduá empalhado! Soube que até posição de tufos de pelo
o infeliz comparou.
Marcio é brasileiro. Ele não desiste
nunca... de querer ser mais esperto que os outros. De inventar atalhos e
jeitinhos para se dar bem. A corrupção está no dna do brasileiro médio. Ele
estrila com a corrupção sistêmica do alto de sua hipocrisia moralista, mas passa
na frente da fila, paga propina para o guarda, cola na prova e tudo isso sem
tremer um músculo de sua cara sem vergonha.
A única coisa que lamento é que meu bom nome e imagem foram para o lixo.
Acho que mereço uma indenização. Agora, além dos visitantes do parque
intrusivos que passam a mão até em lugares impróprios, sou alvo de chacota,
como se eu fosse o autor desta patifaria fotográfica.PS. Desculpem ilustrar meu desabafo-denúncia com a foto malfadada, mas é que fiquei tão elegante e bonito que não resisti. Neste mundo de aparências, de parecer e não ser, permitam-me tirar uma casquinha. Mas é falsa, vocês sabem.