terça-feira, 13 de dezembro de 2016

É o que não pode ser: não é!

Existe a verdade, a mentira e... a “pós-verdade”. O dicionário Oxford incluiu esta palavra em seus verbetes, destacando-a como a palavra do ano de 2016.
A pós-verdade parece não funcionar no nível intrapessoal. Ela é para ser experienciada na coletividade das redes. Quer dizer, você não pode dizer uma pós-verdade para um amigo. Tecnicamente até pode, mas ela precisa do ambiente virtual para ser transmitida. Isso porque o amigo que diz a pós-verdade não é seu autor e ela nunca se refere à subjetividade do transmissor, nem às suas emoções. Essa é uma característica do termo: ele nasce por partenogênese. É como um miasma que se espalha com o vento.
A curiosidade aguçou, não é? Afinal, o que vem a ser uma pós-verdade? Não é meme, nem hoax. Ela parece uma verdade que se esqueceu de acontecer. Eis a explicação do dicionário. A expressão se refere a um momento no qual as emoções e crenças importam mais do que o fato que é noticiado. Vejam, a pós-verdade precisa de um ambiente propício para aparecer. Quanto mais louco for o momento, mais pós-verdades nascerão.
Todo mundo quer punição de corrupto, então se uma notícia alega que haverá uma ação do exército para acabar com esta pouca vergonha, a ânsia social por justiça ou punição passa a reproduzir esta pós-verdade como se verdade fosse e ninguém está se importando se o Comandante do exército veio a público desmentir o boato ou se não há em nem uma fonte segura qualquer menção ao fato.
A pós-verdade parece uma miragem. Ela pode se manifestar no frenesi político que tomou conta do país, talvez seu principal espaço de disseminação, ou na religião. As pessoas veem coisas que são meras projeções de suas crenças, suas necessidades mal resolvidas. O cérebro busca algo que atenda essa carência e, voilá, a visão se materializa. Daí em diante outros verão coisas também que associarão à sua necessidade brutal de ser diferente, importante, destacado, respeitado, reverenciado, reconhecido e acalentado em sua parca miséria.
Suponho que, no caso religioso, a pós-verdade é a explicação para a maioria das manifestações que se vê na internete. Sinais no céu, aparições angélicas, óvnis, chupacabras, pé grande, criptoanimais... a lista é grande. Para o místico consumidor de pós-verdades, suspeito que vive em fuga da realidade indigesta. Ele se esconde nas nuvens de aparições e relatos fantásticos. A cada volta a terra, depara-se com seu fracasso, seus antidelírios e logo retorna à busca da nova ou velha pós-verdade do momento. Aliás, esta é outra característica da pós-verdade. Ela hiberna e reaparece como novidade de tempos em tempos, basta que os sentimentos se tomem de febre.
Amores doentinhos também criam pós-verdades como no caso daquela situação, contada como piada, em que a pessoa namora alguém platonicamente e no dia em que a outra pessoa namorável descobre, termina tudo. A doença mental pode esconder graves pós-verdades na forma de fantasias que vão das inócuas, até aquelas que dão bons roteiros de terror.
Às vezes é bom acreditar, espalhar uma pós-verdade de estimação para ver se se obtém alguma vantagem. Equivale àquele ditado nordestino: jogar barro na parede, se grudar... O danado na pós-verdade é que ela é diáfana, insustentável, é como folha seca que vagabundeia ao sabor do vento. No coletivo, ela nunca tem referencial nenhum. É de sua natureza ser dúbia, não se comprometer. É quase sempre órfã de pai e mãe.
Então, qual o poder da pós-verdade? Ela diz aquilo que queremos ouvir. Mexe com os sentimentos, especialmente aqueles que são partilhados por comunidades inteiras. Ela é um “como se”. Ela simula a possibilidade do desejo. Ela é uma verdade amputada, mas quem se importa?