quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Interestelar

Peguei o filme pela metade, mas como o assisti assim que estreou, não havia problema, estava situado na história. Mas uma segunda vista em Interestelar me cutucou ideias novas.
Uma das coisas mais instigantes para mim é a questão do tempo que o filme trabalha à luz dos limites de nosso conhecimento da física. Outros temas como velocidade da luz, a singularidade produzida pelos buracos negros, buracos de minhoca, outros universos passeiam pelo filme. O enredo conta a aventura de um grupo enviado numa missão para investigar a possibilidade de achar um planeta viável para nós, pois a Terra está morrendo.
A Terra se esfarela numa multiplicidade de fenômenos meteorológicos extremos. Está exaurida. A nave é enviada às cercanias de Saturno numa viagem sem volta – mas eles não sabem – para visitar e entrar num “buraco de minhoca” que, supostamente, foi plantado ali por seres alienígenas que se penalizaram de nossa condição agonizante no planeta azul.
Em sua busca, avaliam um planeta, entre os doze que eles tinham como opção, que está à beira de um monstruoso buraco negro. Essa proximidade, num planeta onde não há um único torrão de terra seca, causa um tipo de distorção temporal que a cada hora ali, equivale a sete anos para o companheiro que ficou na nave mãe.
        Algo, porém, salta aos olhos e sei lá se essa foi a intenção do diretor/roteirista.  Cooper (Matthew McConaughey) é um Moisés que se lança num caminho sem volta em busca da terra prometida. Com a diferença que deixa os filhos para trás. Muitas reviravoltas temporais e aquilo que se imaginava ser a ação solidária de seres alienígenas evoluídos, somos nós mesmos que no futuro criamos a saída. Se pensarmos um pouco, a coisa é circular e ficará acontecendo eternidade afora.
        O filme engrandece o gênio humano. Seria bom se assim fosse. Fronteiras fechadas, pessoas morrendo afogadas às centenas numa viagem sem volta em busca de uma terra. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Mas sofrêssemos nós no Brasil uma invasão desse tipo, seríamos solidários? Se bem que nem os sírios, com uma pequena exceção, querem vir pra cá. 
Um ligeiro olhar ao redor e trombamos com toda sorte de ameaça que por nada pode nos levar à extinção. Ver pessoas se explodindo em nome da religião – fosse uma autoimolação sem levar ninguém junto, vá lá –, por valores nacionais e territoriais, pela ideologia que se tornou um deus. Assim, tudo o mais é relativizado, inclusive nossa própria sobrevivência como espécie. Somos primitivos.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Fetiche

Um homem na cidade de York, noroeste da Inglaterra, recebeu uma ordem judicial que determina que ele precisa avisar à polícia com 24 horas de antecedência quando quiser ter relações sexuais.
Fonte: BBC (25/01/2016)

Todo mundo tem seus dias de inferno astral, eu estou morando num, uma cobertura com vista para o lago de fogo e enxofre. Não fosse aquela louca feminista, rata chauvinista, eu não estaria nesta encrenca. Levar o sexo consentido ao limite de ter que se perguntar por cada ação realizada – não vou tecer detalhes, vocês que imaginem em suas mentes pervertidas – é o máximo do ridículo que o politicamente correto pode impor à vida das pessoas. Mas foi isso, apenas isso. A certa altura, fiz algo que no calor da refrega ninguém lembra de perguntar. Coisinha de somenos, nada nem parecido com ato diverso da conjunção carnal ou uma felação no olho. Pois deu um escândalo. Subiu nas tamancas. Como é que eu ia saber que aquela era dessas xiitas dos direitos femininos? Não estava escrito na testa.
Embora tenha sido absolvido de coisa pior, recebi uma OPRS. Traduzo aos leigos: ordem provisória de risco sexual. O que significa? Ao pé da letra, nada. Mas quer dizer que devo informar ao juiz toda vez que eu planejar ter sexo. E devo informar com 24 horas de antecedência. Que preciso informar o nome da mulher, endereço, telefone, cpf, identidade e, eles frisaram, data de nascimento, mas já estará num destes documentos, pois não?
Vejam vocês a que ponto do ridículo chegamos! Se pintar uma possibilidade de afogar o ganso devo indagar tudo isso da dita fulana. Imagine a cara de espanto dela porque é óbvio que vai perguntar por que diabos eu quero saber estas informações. Vai pensar que quero dar um golpe financeiro, ou ainda pior, roubar sua identidade como se tivesse um fetiche e quisesse me trans qualquer coisa.
Perceberam o prazo? E se aparecer uma transa fortuita, ocasional? Uma destas antigas namoradas pode dar o ar da graça e bater aquela saudade. E se nós quisermos conferir antigas brincadeirinhas? Olha lá o que vocês estão pensando... é a segunda vez que me preocupo com isso. Acho que estou ficando paranoico. A coisa pegando fogo e eu: você topa adiar este momento para daqui a 24 horas? Diante da cara perplexa: é que tenho que avisar ao juiz. E se não avisar, pego cinco anos de cana. Preso, pelo menos não terei mais que me preocupar com essa loucura.
Ah, vocês pensam que isso é bastante para a justiça? A OPRS avança até numa possível escapadela virtual. A internet tem milhares de mulheres vendendo sexo, pois imaginem que eu queira aliviar a situação por este meio. Também estou sujeito às regras draconianas. Tenho que avisar o site, a bunda que vi, seu endereço virtual, etc e tal. Celular a mesma coisa. Se eu tiver uma conferência mais picante com alguém, também devo avisar. Eles querem checar com a pobre mulher se eu fiz algo bizarro ou disse, né? pois fazer, convenhamos, por pior que seja, no máximo causaria engulhos nela.
Todo esse calvário apenas porque não perguntei se era hora de colocar aquilo naquilo. Pareceu à louca um estupro ou algo pior. Estou no limbo. Não tenho uma condenação, aguardo julgamento, vivo sob essa ordem que escarafuncha até meus pensamentos mais secretos. Um olhar errado e vou direto para a cadeia. Um assobio para uma mulher na rua e me enquadram.
Se for absolvido levarei a marca do medo. O que devo fazer e como numa relação que não afete os melindres da pessoa com quem estiver? Quer dizer, devo adivinhar? Tenho que fazer uma anamnese, uma entrevista? E se a pessoa esconder algo por pudor, mas que no meio do rala e rola, baixadas as censuras, ela se lembre que isso, para ela, é um tabu, um interdito? E se eu comprar uma boneca inflável?
Posso escolher que, livre, terei sexo só comigo mesmo. Mas se eu tiver algo escondido, um limite qualquer e eu fizer algo comigo mesmo que não goste? E se meu eu interior se revelar sensível e excessivamente pudico com certas práticas e me denunciar de mim mesmo? Acho que tentarei o suicídio...