sábado, 7 de novembro de 2009

Estudante expulsa da universidade



Nem bem postei o texto abaixo e deparei-me com a notícia de que a garota da minissaia foi expulsa pela universidade que frequentava. A diretoria alega que a moça sempre se vestia de forma não apropriada, apresentava comportamento incompatível com o ambiente universitário - a ser explicado o que seja "comportamento incompatível" - e gostava de provocar os rapazes com andares e cruzadas de pernas pra lá de provocantes. Além disso, alega a universidade, no dia do tumulto, a moça, supostamente, levantou a já diminuta minissaia de modo que se podia ver suas partes íntimas, sem contar que entrou em sala de aula que não era sua, pois, segundo consta, queria conhecer um rapaz que estava interessado nela.
Postas as razões da universidade, fica ainda o espanto diante da reação dos alunos que, por pouco, não atacaram fisicamente a moça. Permanece mal explicado como é que alguém, conforme foram expostas as razões da universidade, tem comportamento não recomendado durante todo um tempo sem que nenhuma medida tenha sido tomada. Ora, se a moça perturbava a tal ponto os rapazes, talvez impedindo até que aprendessem, ou ainda atrapalhava as aulas com suas performances sensuais, é responsabilidade da instituição de ensino conter este tipo de abuso. 
A emenda agora parece pior que o soneto. É mais fácil chutar a mulher para a rua do que repensar o evento que revela e muito do ambiente da universidade e mais ainda das pessoas que ali estudam.


Acima, foto da moça envergando o malfadado vestido.

Entre a minissaia e a Marcha para Jesus

O país inteiro assistiu surpreso ao que aconteceu na Uniban, uma universidade particular em S. Paulo. Uma aluna, Geyse, 20, foi assistir aula com uma microssaia, se assim preferirem. Não se sabe como, a peça de roupa detonou – a palavra aqui tem que evocar algo explosivo – uma onda de fanatismo, intolerância, hostilidade que envolveu, segundo contam, professores, cerca de 700 alunos e até os seguranças da instituição de ensino.
O episódio é revelador do comportamento idiossincrático das pessoas nesta sociedade que se gaba de ser liberal, sem preconceito e outros epítetos com que as pessoas gostam de se intitular. Só para constar. A faculdade referida não faz parte de um complexo religioso fundamentalista. É laica, dizem.
A sociologia e a psicologia explicam. Como uma manada estourada, não há mais razão porque correm, nem para onde, apenas correm. Há um efeito tipo “siga o líder”. Um véu se instala no centro de processamento do raciocínio e de escolhas, os lobos frontais. Uma afirmação dita ganha peso de verdade incontestável, faz todo sentido naquela circunstância, daí para a ação pertinente, violenta ou não, é um pulo.
A notícia circulou rapidamente e logo todos acreditavam que a minissaia era, sim, uma das maiores afrontas morais, sexuais, um atentado à dignidade humana, feita às pessoas naquele lugar. Os nossos preconceitos, por mais descolados que sejamos, estão todos debaixo do rabo. Aqui numa alusão à nossa condição primitiva. A todo o momento pedem para sair, mas as convenções sociais, morais, educacionais, nos impedem, se temos tempo suficiente para pensar. Do contrário, um centro de ensino superior, lugar do cultivo de coisas elevadas, se torna num piscar de olhos, em algo próximo de um campo de reeducação chinesa, um gulag ou, no limite, num campo de concentração.
Pensar o contrário da turba exige uma quantidade de energia incomensurável. Pede esforço hercúleo. Subjaz a este tipo de oposição, crescimento pessoal, firmeza de caráter e opinião, espiritualidade sensível, empatia pelo outro, coisa de cultivo pessoal ao longo de anos e nem isso garante nada. A história está cheia de casos assim, cujo exemplo mais eloquente e verdadeiro laboratório é a Alemanha no período do 3º Reich. Toda a sociedade foi colocada em cheque. A igreja cantava Glória a Deus sob o manto do estandarte nazista. A maioria absoluta delegou a outros sua capacidade de pensar, julgar, comparar e escolher. Daí porque se ouviu muitas vezes nos tribunais: Eu só fiz o que me mandaram.
Ninguém escreveu melhor sobre isso do que Hannah Arendt. Ela cunhou a frase lapidar: a banalidade do mal. Noutras palavras: o demônio, devidamente maquiado, não é tão feio. Ainda mais se se ganha algo em troca. O filme “Um homem bom” tenta explorar esta vertente que “O Leitor” logra demonstrar de uma forma quase chocante, pois nos coloca o dilema de que a pessoa acusada não sabia ler e era uma simplória.
A despeito da recente Marcha para Jesus, patrocinada pela Igreja Renascer, cujo casal de líderes saiu recentemente de prisões americanas, por tentar entrar no país com dinheiro não declarado, inclusive dentro da Bíblia. O tema da Marcha era a derrubada de gigantes, que seus patrocinadores habilmente manipularam para comparar ao preconceito e perseguição que eles, supostamente, alegam sofrer. Trago este tema à baila porque um estudante da Uniban comparou a turba enlouquecida a, em suas próprias palavras: "Parecia uma igreja evangélica cheia de fanáticos. A hipocrisia era igual." Os promotores da Marcha queriam também combater o que eles julgam ser uma visão distorcida dos evangélicos no país. Parece que precisarão de muito mais que Marchas ufanistas.
Jesus também enfrentou fanáticos de sua própria Uniban judaísta. A turba, composta de jovens e velhos, exigia que ele julgasse uma mulher pega em flagrante adultério. Atirada ao chão, jazia a mulher. Eles, pedras nas mãos. Estavam certos que a lei seria obedecida de forma irrestrita. Quem poderia resistir à Lei sagrada que mandava apedrejar este tipo de escória? Era uma armadilha para Jesus, mas também os carrascos precisavam aquietar suas consciências com a aprovação do Rabi. A Lei era a verdade, mas se vivia tempos estranhos, verdades concorrentes, misticismo, política e religião abraçadas como se fossem irmãs siamesas; dinheiro e venalidade religiosa praticada à luz do dia sob mantos sagrados; ignorância e fanatismo cultivados como escorpiões nos corações das massas sempre prestes a fazer qualquer coisa, bastando que alguém dissesse “isca”.
Os preconceitos e, acrescento, pecados, estão debaixo do rabo, lembram? Precisam que se lhes chamem pelo nome, se lhes exponham para serem exorcizados à luz da verdade. Senhores, quem não tem pecado dentre vós que atire a primeira pedra. Mãos tremeram, lábios crisparam, as pedras foram apertadas com força. Era o impacto do confronto com as palavras de Jesus. O mundo deu uma volta com eles, como um carrossel. Os músculos retesados afrouxaram, as pedras caíram rente ao corpo das mãos inertes. Os pés hesitaram por momento para sair, por vergonha, muitos estavam absortos em seus pecados que lhes vinha à mente como ondas.
Mas eles sempre voltam com suas pecadoras. Acusam, escondem suas misérias sempre lustradas, debaixo de roupas vistosas e cabelos impecavelmente ensebados. Autenticam sua fúria, anônimos na turba. Adoram as luzes dos holofotes, são, diria Judas, recifes submersos à espreita de navios desavisados. Agora já não acusam tanto, porque alargaram a porta e pecador é só aquele que não lhe presta culto, de preferência em forma de dinheiro.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Formolizado, mas vivo




Depois de quase um mês do desaparecimento e de inúmeras buscas pelas ruas do bairro e no canil municipal, além de anúncios em rádios e jornais, uma estudante de biologia de Franca encontrou, por acaso, seu cachorro morto num laboratório de anatomia da universidade em que estuda.
Folha – Ribeirão Preto 28/10/09

“Procura-se por cão de cor branca com manchas pretas. Sem raça definida. Pelagem curta, cotó, olhar esperto e afável. Chama-se Perré. Quem encontrá-lo, favor ligar para o número abaixo. Excelente recompensa.”
Perré sumira três dias antes e ao longo de todo o mês, o anúncio foi divulgado no jornal local. Fotos de Perré foram espalhadas por quase toda a cidade. Nos postes, claro, vai que um amigo dele na hora de fazer uma necessidade visse... Até um anúncio na TV foi veiculado. Nem um telefonema. Nem trote. Marcinélia estava entre abatida e, às vezes, eufórica. A falta de notícia dava-lhe a esperança de que, sendo Perré um cão tão especial, de temperamento agradável, ativo, inteligente, alguém poderia ter caído de simpatia por ele e, por suposto, guardava-o em casa, daí porque não tinha notícia.
Por via das dúvidas, Marcinélia checou se havia alguma colônia de coreanos ou chineses, já que cães costumam visitar a mesa destes povos. Como prato principal, bem entendido. Mais aqueles que estes, embora, na tentativa de alimentar seu 1.2 bilhão de habitantes, este mimo de muitas casas visite as mesas chinesas mais vezes do que seria esperado, considerando-se apenas a cultura. O negócio deles é rato, ovo podre, escorpiões, grilos, cobras. Mas estamos no Brasil, e aqui estas comunidades não costumam beliscar os caninos. De todo modo, não havia comunidades asiáticas nas redondezas.
Marcinélia estava inconsolável – quem já perdeu um cãozinho sabe disso. Não era só um bicho de estimação. Pet para os mais globalizados. Perré era da família. Seu aniversário era concorrido. Ai dela se esquecesse um parente, era intriga na certa.
O pior de tudo é que Perré se foi sem deixar nem um bilhete, um descendente sequer. Havia planos com a cadela de uma tia solteirona, mas antes que o amor canino se consumasse, Perré sumiu. Será que era medo do compromisso? Se a futura fêmea puxasse à dona... Ademais, criar uma ninhada não está fácil. Leite caro – os filhotes de hoje já nascem com defeito de fábrica, é raro o que não tem uma alergia a alguma coisa. Depois viria escola, inglês, esporte e o diabo a quatro. Sem contar que nestas relações voláteis de hoje, um divórcio deixa o sujeito segurando as calças, se não ficar só de cueca. Experimente, mesmo por motivo justo, esquecer a pensão. É carrocinha na certa. É de se dar um desconto a Perré, ou não?
Amante de animais, Marcinélia, fazia veterinária. Um mês depois, ainda sob o impacto da perda, foi a uma aula de anatomia. Dentro de um vidro de formol, pronto para dissecação, estava Perré. Marcinélia, coitada, desmaiou. Recuperada, explicaram. Foi suicídio. Perré se atirara na frente de um carro, contou o chefe do setor. Foi levado ao hospital ainda com vida, mas não resistiu. Seus últimos ganidos deram entender à equipe que ele queria doar seu corpo para salvar a vida de outros cães. Marcinélia chorou mais uma vez, agradecida por ter conhecido um cachorro tão nobre. Dentro do vidrão, Perré seria (quase) eterno. Ela não o perdera afinal.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Censura ao Corpus Christi

Olha que coisa! Recebi um email de um amigo preocupado com um filme chamado Corpus Christi que supostamente estaria prestes a ser lançado no Brasil. Uma corrente de nomes abaixo do texto explicativo, incluindo este amigo, chegava a 634 nomes, eles precisavam de 750 que seriam remetidos a um obscuro homasg@softhome.net. Esta corajosa manifestação contra o que julgavam uma blasfêmia, afinal no suposto filme Jesus era retratado como gay e haveria cenas em que fazia sexo com os discípulos, engrossariam um movimento contra a exibição do malévolo filme nesta Terra de Santa Cruz e até em outros países, dizia o texto.
Não embarquei na lista, nem me alistei na cruzada para libertar a terra santa e proteger os melindres de fés sensíveis. Para minha surpresa, utilizando o oráculo Google, logo na primeira página deparei-me com vários sites e blogs em que se dizia que o filme NÃO EXISTE.  No jargão internetês, é um hoax (boato) e centenas de pessoas caíram neste conto do vigário aqui e alhures, apenas porque não se deram ao trabalho de checar.
O que existe? Em 1998 foi encenada uma peça com o mesmo título, na Brodway, Nova Iorque, EUA. Que sim, apresenta Jesus como líder de um grupo gay. Desde então a lenda ganhou vida. O autor, Terrence Mcnally, de quem nunca se ouviu falar além desta ousadia tola, continua no limbo artístico e até onde apurei, não há a menor chance do filme ser produzido. Talvez porque a “obra” seja muito, muito ruim e o tema, para além de causar pruridos em alguns, não convenceria muita gente a ir ao cinema. Acho que nem os gays o utilizariam como bandeira de suas causas.
Expliquei ao amigo minhas razões para não me alistar neste tipo de tática de guerra santa. Aqui ampliados.

  1. Tenho horror a qualquer tipo de censura. No meu entender isso vale para qualquer assunto, preservando-se, é claro, os espaços dos outros, as indicações de idade e todos os dispositivos que numa sociedade democrática se utiliza para preservar o convívio em comunidade.
  2. As produções artísticas, sejam elas quais forem, que se utilizam de temas explosivos como a fé, a sexualidade, o sagrado, revelam, na maioria das vezes, falta de criatividade do(s) autor(es). É o caminho mais rápido para a notoriedade que eles nem em 500 anos de vida terão. Desde que o mundo é mundo que aparecem estes tipos. Bateu escassez nas ideias, basta sapecar uma aberração pra cima de Deus ou Jesus, Maomé. Taí o Saramago, do alto de seu Nobel, que não me deixa mentir.
  3. 3.   A atitude, que até considero sincera, de quem assina listas e tenta este tipo de censura, é infantil e ditatorial, o que é quase um pleonasmo. Apenas reforça e dá vida ao que não tem, a saber, a obra considerada blasfema. Aliás, é justamente esta reação que os criadores esperam. Sem os ofendidos, não há divulgação. Veja-se o ridículo Je vous Salue Marie nos longínquos anos 80 de ninguém menos que o afamado Jean Luc Godard.
  4. 4.   A tentativa de proibir fere a liberdade de opinião, criação, manifestação, pedra de toque da sociedade ocidental democrática. A se levar a cabo este tipo de coisa, quem o faz iguala-se aos mais mesquinhos regimes ditatoriais que ainda existem no planeta. Cristianismo, em meu entender, rima apenas e tão somente com liberdade, embora algumas de suas representações, desgraçadamente, tenham patrocinado alguns dos mais hediondos regimes e/ou tenham tomado atitudes erradas com as liberdades civis. Aliás, toda intenção de impor uma verdade torna-a doentia e produz todo tipo de aberração.
  5. É de se perguntar. Em que mesmo esta obra, caso existisse e fosse exibida no Brasil, afetaria a fé dos que creem? A igreja, aqui em seu sentido mais pleno, sofreria o quê mesmo em sua integridade? A resposta é nada. Tampouco o filme levaria mais gente para o inferno. No máximo, ocuparia a grade de horários nos jornais – ou páginas inteiras, caso sofresse bloqueios histriônicos.
  6. Outra razão. Não vivemos num regime teocrático, como no Irã. Somos uma sociedade laica – Graças a Deus – e a despeito de nossas certezas, outros carregam as suas e tem tanto direito quanto nós de afirmá-las. Nós não os combatemos, nós somos e é neste tornar-se/ser que espalhamos a verdade em que cremos que, evidentemente, não se ilumina na repressão ao que quer que seja, mas na manifestação da Graça e da Misericórdia.