sábado, 30 de novembro de 2013

Agente Bond Bode



A Polícia Civil de São Caetano, no Agreste de Pernambuco, deparou-se com uma história no mínimo inusitada nesta quinta-feira (28). Dois homens foram detidos em um posto de gasolina na BR-232, após a denúncia de que eles teriam furtado um bode. Ao chegar ao posto, os policiais encontraram o animal e prenderam os suspeitos.
O dono do bode informou à polícia que os bandidos teriam abandonado um veículo em uma estrada. No local, foi encontrado o carro que teria sido roubado de um feirante momentos antes, na BR-232, em Caruaru, também no Agreste.

Fonte: Do G1 Caruaru (29/11/2013)

De acordo com pedido de V. Sa. passo a relatar o inusitado acontecido. É fato que os meliantes capturados fizeram verdadeiro rendez-vous em nossa comarca e adjacências ao roubar carro de pequeno proprietário com o fito de cometer suas ilegalidades movidos tão somente pelo espírito de porcagem de que são praticantes rematados.
Nessa desabalada carreira de marginalidade roubaram, intimidaram, bateram em gente e distribuíram medo e susto entre os pacatos moradores de mais de quatro cidades do sertão, semelhantemente aos bandoleiros que infestaram esta região em eras distantes e de tão triste memória.
Devo dizer que, quanto a sua pergunta sobre contratação de auxiliares, seja de que marca for, não é verdadeira. Tampouco temos praticado qualquer nepotismo conforme chegou aos ouvidos de vossa veneranda chefia. Clarimundo de fato, é meu, por bem dizer, afilhado, protegido, como se diz. Permita-me dizer que é pessoa de absoluta confiança e de esperteza acima da média e capaz de proezas dignas das maiores inteligências.
Digo pessoa, não é por desmerecer as pessoas propriamente ditas, visto que Clarimundo, por demais conhecido por estas redondezas, é um bode, pai de chiqueiro dos mais afamados e com a peculiar capacidade de um instinto policial de fazer inveja aos mais preparados detetives da capital. Não me tome por desrespeitoso com V. Sa., mas no caso aqui referido o ás da captura foi o bode Clarimundo que se fez de sonso e disfarçado de bode comum, deixou-se capturar para que, ao abordar os vadios, a identificação, sem sombra de dúvida, fosse feita apenas por que o bode estava lá, assim não havia como os ladravazes inventarem mentiras e se passarem por cidadãos de bem.
Desculpe se tudo parece estranho. Quase não acreditei na ardilosidade de Clarimundo. Eu mesmo não teria pensado nisso, ainda mais correndo o perigo que correu, pois a mercê dos marginais poderia sofrer alguma lesão fatal. Mas qual, revestido de coragem sobrehumana deixou-se ficar ali, quase se fazendo de facínora também tão somente para na hora exata dar o bote que nem uma sucuriju esfaimada.
Em todo o tempo, Clarimundo manteve a discrição e frieza que só se encontram em policiais excepcionais. Não deu um berro. Os bandidos pensavam que, ao final da destrambelhada ação, comeriam um bom churrasco de bode, mas era o bode quem os comia disfarçadamente.
Enquanto isso, eu e meus companheiros empreendemos caçada por todos os recantos da região sem detença. Por onde passávamos as pistas, como migalhas que iam sendo deixadas pelo bode, eram recolhidas no modo de informação, visto que o bode, quero dizer, Clarimundo, era reconhecido e assim se determinava o destino dos patifes que pretendiam, se bem entendi, colocar a região inteira numa rota de assaltos e malfeitos de toda sorte.
Por fim, como soubessem que estávamos em seu encalço, resolveram despistar de toda maneira, mas não deu, isto porque Clarimundo ali, funcionava quase como um tipo de rastreador de satélite. Então, parados para uma necessidade qualquer num posto de gasolina, chegamos sorrateiros. Na carroceria, olhando displicentemente e numa postura muito profissional, encontramos Clarimundo que sinalizou com um bonito balido e o resto foi só dar ordem de prisão aos malandros que, boquiabertos, só então foram entender que o bode era sua desgraça. 
Esclareço por último que Clarimundo agora serve regularmente na delegacia, pelo que lhe comunico e ao mesmo tempo peço permissão para arregimentá-lo formalmente como manda as regras de nossa briosa organização. Finalizo dizendo que não haverá aumento de gastos, exceto para os passeios do bode num curralzinho aqui perto onde residem umas meninas de sua mesma raça e preferência. Sem mais, às suas ordens este seu criado.

domingo, 24 de novembro de 2013

Amorosidade



Tradicional compilado de atos técnicos e burocráticos, o "Diário Oficial" da União teve seu toque de sensibilidade na edição de ontem. Em uma portaria assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, apresentou o conceito de "amorosidade".

Fonte: Folha de São Paulo (Johanna Nublat, de Brasília. 21/11/2013)
A ouvidoria central estava atulhada de reclamações naqueles dias. Na semana anterior, o Diário Oficial publicara um princípio que doravante regeria as ações da política nacional de educação popular em saúde. Era uma tal de “amorosidade”. Alguns dicionários definiam a palavra, lacônicos assim: qualidade do que é amoroso. Convenhamos, não dizia muita coisa. Ao desconhecedor dava na mesma, mas havia ali uma pista. Ser amoroso era até fácil saber o que é.
Para chegar a este primor de paradigma, o Conselho Nacional de Saúde debatera o tema por anos. E definiram tanto o termo como a política que ele inspiraria. Amorosidade significa “a ampliação do diálogo nas relações de cuidado e na ação educativa pela incorporação das trocas emocionais e da sensibilidade, propiciando ir além do diálogo baseado apenas em conhecimentos e argumentações logicamente organizadas.” Sim, você sentiu cheiro de tolice, palavrório, marmotagem.
A definição da política parece tão escalafobética quanto a amorosidade mesma. É a glorificação das meisinhas, das simpatias e artes mágicas e benzimentos? É barato, já está pronto e testado, agora é só ensinar ao povo do “mais médicos”.
O inusitado para a ouvidoria era que não recebia mais reclamação de maus tratos, descaso e os maus bofes dos servidores. Não havia um erro médico sequer. Era excesso de carinho e de amorosidade de que o povo se queixava. As equipes de saúde das clínicas e hospitais foram pegas de surpresa. A prática da amorosidade seria obrigatória. Ninguém dizia exatamente como. Você, leitor, sabe como se dá amorosidade pros outros? Um disse: meu coração num vai guentar! Uma mais assanhada queria saber: com ou sem sexo? E quem era que sabia?
Uma senhora, estupefata, dizia que o enfermeiro, depois de um curativo, tascara-lhe um beijo na boca. De língua, arrematou. Estava indignada porque esperou pela segunda bocaça que não veio. Requeria o tratamento completo, sob pena de acionar o Ministério Público por desídia do profissional que a deixou no vácuo.
Um homem reclamava que sua mulher o esconjurou e pedia o divórcio porque chegou justo quando a enfermeira lhe abraçava de forma lasciva, assim entendeu. Mesmo imóvel, outras partes ganharam vida e ele protestava inocência. Inquirida, a enfermeira disse que apenas seguia o protocolo determinado pelo SUS. Ela mesma, se pudesse, não abraçava nem beijava ninguém, mas era seu sustento e apenas seguia ordens. Que não sabia como demonstrar a tal da amorosidade se não daquele jeito.
Com ou sem preliminares? Preliminares? Um monte de gente não sabia o que era aquilo. Eu só pego na mão, reclamava uma solteirona “misandrópica”. O sindicato manifestou-se contra esta amorosidade excessiva. Temia dst’s e gravidez indesejada. Tinha que ser amoroso todo dia? E nos dias de mau humor? O ministro não queria saber. A amorosidade era para todos e todo dia, da uti à recepção. Da atenção básica à alta complexidade.
Para além das logorreicas definições, os servidores se apegavam apenas à definição de amoroso: que sente amor; terno; carinhoso, meigo. Propenso ao amor. Se era isso tudo, não havia como ser amorável se não com atos concretos, pois se na tal política recomendava ir para além do diálogo, quer dizer, a sugestão clara era para se deixar de lado os entretantos e se se ir direto para os finalmentes. 
O Ministro da Saúde que chancelou a patacoada toda se viu espremido pelas críticas e correu para dar explicações que, naturalmente, só pioraram as coisas. O fato é que o povo não estava preparado para tanto amor assim.
PS. A ilustração é do Alpino