sábado, 1 de fevereiro de 2014

Bolsa gato



Billy, um gato com 4 anos de idade, foi cadastrado no Bolsa-Família como Billy da Silva Rosa, e recebeu durante sete meses o benefício do governo, R$ 20 por mês. A descoberta ocorreu quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a casa do bichano convocá-lo para a pesagem no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de crianças: "Mas o Billy é meu gato", disse a dona da casa ao agente.

Fonte: AE - Agencia Estado (24/01/2014)

Vai parecer estranho, reconheço. Mas foi assim que aconteceu. Não mais esquisito do que o fato que resultou na involuntária entrevista. Mais um monólogo do que um diálogo com perguntas e respostas. A entrevista deveria acontecer com o criminoso, o perpetrador do ato corrupto, mas não foi possível, pois se evadira para lugar incerto e não sabido. Seria com sua mulher, mas antes dela aconteceu o inusitado encontro com Billy da Silva Rosa que, depois me disse, nunca gostou desse nome. Preferia Astor. Não explicou a razão.
Na sala acanhada da casa, Billy estava ancho no sofá desgastado. Entre um abrir de boca e um espreguiçar-se, um esticar-se e virar-se para o outro lado para continuar dormindo, nossos olhares se cruzaram. Acho que houve um raio que alterou a realidade e que caiu justo no momento que ele me olhava sem me ver, pois tive a sensação de que seu olhar me vazava. Eu era indiferente para ele até que, naquele instante, o ouvi dizer: quem é esse otário que fica me olhando?
Não alucino leitores. Ouvi claramente. Não consta que Billy tenha engolido um papagaio como o fez o gato do rabino. Olhei em volta e estávamos apenas nós dois na sala. Sem pensar no ridículo ou louco que pareceria, olhei direto para Billy e disse que otário era ele. Agora foi ele que se surpreendeu, tanto que deu um salto do sofá como se tivesse sido picado por uma tocandira.
Você me ouviu? Perguntou-me de olhos esbugalhados. Disse que sim. Assumi o fantástico da situação e indaguei se ele queria dar sua versão do fato. Por que não? Respondeu. A polícia esteve aqui à procura do flibusteiro. Deram uma baita pressão na mulher. Mas troncha como é, garanto que não sabia de nada. Não fosse isso não teria dito de modo tão tolo que Billy era eu, seu gato de estimação, quando o fiscal veio ver se eu existia. Como gente, claro. Preconceito, digo, porque não posso ter uma bolsa gato? Ou não sou tão gente quanto você, apenas em forma diferente?
A polícia acha que ela está mentindo, mas não, como eu, que tive meu nome enxovalhado em coisa tão mesquinha, nem desconfiava que o patife do marido o utilizava para arrancar vinte contos do bolsa família. E o golpe durou sete meses. Até filho fantasma o homem inventou, além de mim. Pergunte quanto ganhei nisso. Nada.
Ganhei uns bons cascudos, telefone, choque e afogamento da polícia que achava que eu estava de conluio com o infeliz. Não fossem minhas sete vidas, ai de mim! Todo mundo tem seu rabos de palha. Comi o passarinho do meu dono, mas tenho álibi e nunca fui descoberto. Fora isso, roubei nacos de carne da pia, mas em troca, quantos ratos não evitei que empesteasse a casa? Sinto-me traído. Quantas vezes ronronei para aquele larápio miserável. Deixei-o me afagar. Permiti que me botasse no colo. Para isso? Ser tragado por trama tão infame quanto essa?
Fosse eu um angorá, aqueles metidos, com cara de sonsos, bichos disfarçados e esnobes, sei que participariam desta patifaria. Eles, sim, se prestam para ser laranja de quem queira, eu não. Eles merecem o verdadeiro nome de gatunos – o que penso ser um trocadilho asqueroso –, pois se lá uma vez pegamos algo furtivamente, é por necessidade. E o princípio da bagatela, não conta? E a sobrevivência?
Tenho sido tratado pior que o gato do Poe, mas... toc, toc, toc Deus me livre de reencarnar cego e endiabrado. Parecença com o gato demoníaco só queria na parte do miado denunciador do bandido. Aí sim, queria ver a cara dele. 
Escolherei novos donos. Estou pensando num dos mensaleiros, já que é para ser de malandros. Tenho simpatia pelo bigode novo do Delúbio. Eles estão um passo além na arte de fazer dinheiro. Essa gente dá nó no Código Penal, mas não escondem isso. Não que me importe muito. Vou colocar um site para arrecadar uma grana para pagar advogado. Fácil levanto coisa para mais de milhão.