quarta-feira, 8 de julho de 2015

Como Jesus se tornou Deus




Descobri o livro numa coluna do Felipe Pondé (19/01/2015), articulista da Folha de São Paulo. Não sei se por sinceridade ou para vender o livro, ele se derramava em elogios, afinal, como formador de opinião, sua apreciação de uma obra tem peso. Desconhecia a obra, mas como apreciador do tema, não tive dúvida em comprá-la.
Pondé se mostra entusiasmado. Em suas próprias palavras: “Seu livro (o autor tem vários sobre o tema) tem outra grande qualidade, além de ser escrito por um cara que entende do traçado. ‘Como Jesus se Tornou Deus’ é gostoso de ler e não serve apenas como objeto de culto para iniciados. Qualquer pessoa que aprecie o tema e tenha o hábito da leitura vai aprender muito e se deleitar com ele.”
Então descubro o sr. Bart D. Ehrman, especialista em Novo Testamento e História do Cristianismo Primitivo. Professor de Estudos da Religião na Universidade da Carolina do Norte. Também se define como ex-cristão e agora agnóstico.
Sobre sua profissão de fé (ou não fé), nenhum problema. E é verdade que se apoia em muita informação reconhecida na academia. Em vários momentos sinto que ele pisa em ovos. Afirma não poucas vezes que muita coisa sobre Jesus, em particular sobre sua deidade que ele tenta destrinchar com suas ferramentas históricas, não pode ser afirmada ou negada por um historiador. Talvez uma sensação de honestidade o persiga. Mas nem tanto.
O texto de Ehrman está cheio de palavras como “possivelmente”, “provavelmente” e afirmações equivalentes a essa: “reconstruir da melhor forma possível o que provavelmente (olha a palavra outra vez) aconteceu no passado, com base nas evidências sobreviventes, e admitir que existem muitas coisas que não só não sabemos, como também não podemos saber em termos históricos” (p. 234). Não que ele devesse mostrar provas contundentes do que pretende provar, mas essa espécie de mea culpa fragiliza enormemente a tentativa do autor e o joga numa vala de especulações.
Há trechos de interpretação totalmente subjetiva. Entre tantos, ele afirma: “Para Lucas, porém, parece que o corpo ressurreto de Jesus era simplesmente o cadáver reanimado” (p.245). Ele não explica de onde retirou essa interpretação nem tampouco em que se baseou.
Ainda sobre Lucas afirma: “Possivelmente (de novo a palavra que é um pé em falso) ele (Lucas) inventou essa narrativa.” (p. 279). Aqui ele comenta – não sem jogar dúvida sobre autoria do livro de Atos a que se refere assim: “o autor do livro de Atos – vamos chamá-lo de Lucas...” – sobre a ascensão do Senhor que Lucas descreve em Atos com detalhes e coloca no lugar um grande grupo de testemunhas. Então ele relembra ao leitor de que Lucas, em seu Evangelho, já havia se esforçado para descrever um Jesus ressurreto que comia pão e peixe.  
Sobre a ressurreição de Jesus o doutor não chega nem a ser criativo e original. Sua teoria está muito próxima dos muçulmanos que consideram Jesus como um profeta, porém negam sua divindade e ressurreição, e explicam, entre outras coisas, que ele não morreu de fato, portanto não ressuscitou. Tudo não passou de histórias que foram inventadas e que ganharam versões e acréscimos ao longo do tempo e foram, muito depois, escritas no que nós chamamos de Evangelhos.
Sobre Paulo, acerca de quem ele é mais comedido na crítica, pois segundo afirma, não há dúvida quanto à sua existência e autoria de várias cartas, mas não todas as que compõem o Novo Testamento, diz: “Paulo escreveu a carta aos romanos para angariar apoio para sua missão.” Nas duas situações ele não se digna a citar fontes históricas ou nem afirmações de outros pesquisadores. No caso de Paulo, apenas sugere que o conteúdo da carta aos romanos indica que aquela era a intenção do Apóstolo dos gentios.
O livro é massudo (492 págs de texto) e, sim, Pondé tem razão, o autor não é pedante – preocupa-se em traduzir os termos técnicos – e a leitura é agradável. Contudo, a um razoável conhecedor da Bíblia e mesmo a um estudioso diletante de teologia que nem eu, fica claro que o autor manipula o texto bíblico no qual se apoia sem fazer a mais reles conexão com outras passagens, regra básica de estudo do livro Sagrado. Mas o objetivo dele é explicar que Jesus se tornou Deus porque as pessoas acreditaram assim, apenas isso. 
O livro vale a leitura? Eu diria que vale, pois há algumas boas informações do período histórico no qual Jesus viveu. Para mim, no entanto, Bart Ehrman, em seu objetivo de mostrar que Jesus só se tornou Deus por contingências especiais e uma fé cega de seus seguidores, falha fragorosamente em seu intento.

domingo, 5 de julho de 2015

Orelhão-humano



Clientes falam em celulares acorrentados a um guarda-sol em barraca de "minutero", vendedor de minutos em ligações telefônicas. As correntes servem para evitar roubo dos aparelhos desses típicos personagens das cidades colombianas.
Fonte: Rodrigo Bertolotto. Do UOL, em Leticia (Colômbia) (04/07/2015)
Costumava-se dizer que a necessidade é a mãe das invenções. Na América Latina e alhures, a pobreza é a mãe da esperteza e da sobrevivência.
“Um poquito mas allá. Muy bien. Puede hablar, pero no demasiado fuerte.” O falante era orientado pelo “minutero”, uma nova profissão que a tecnologia pariu. Não exatamente a tecnologia. A falta de oportunidade. Com o celular à mão e este amarrado por uma corrente firmemente agarrada à roupa do vendedor, o usuário despacha o falatório.
Outros acorrentam o celular a um paraguas gigante, daqueles de piscina. É para o caso do falante esquecer-se e levar o celular por engano, coisa difícil de acontecer, mas nunca se sabe. A ideia antifurto é genial, pois não? É um tanto inconveniente por um guarda-sol no bolso. Vá lá, mesmo carregar debaixo do braço para andar por aí ou, pior ainda, correr para evitar que o minutero, justamente, queira o celular devolvido.
Apesar da orientação do minutero ao falante, parece um tanto complicado fazer uma ligação e manter a privacidade. Até porque tudo isso acontece no meio da rua e em locais movimentados, posto que negócio escondido não vende. Assim que o usuário deste inacreditável serviço deve se valer de alguma artimanha para guardar sua intimidade, pois o falante vizinho, não raro, dez ao redor, acabe por prestar mais atenção à sua conversa do que na dele.
Falar intimidades de amores calientes, então: Mi amor, dime cosas calientes com tu boca roja. Muy dificil, pues. O negócio é falar por código. Fulano, sabe aquilo? Aquilo, lembra? Aquela coisa que a gente combinou. Como? Não sabe do que estou falando? Não posso falar claramente. Entendeu? O outro lá vai continuar sem entender porque é tanso em captar o código morse de palavras do seu amigo.
Pode-se falar apenas usando emoticons. Boa pedida. O danado é achar todos para expressar o que se quer dizer. Tem a vantagem de ser silencioso, mas a desvantagem de que a interpretação das carinhas não é exatamente uma unanimidade. Como é, aquela carinha era um riso? E como é que eu ia saber, pois parecia alguém com dor de barriga. Aquela nuvemzinha não era pum, mas alguém que saiu muito rápido do local. Aí você está querendo demais!
Os minuteros estavam fazendo a festa. Um sujeito começou sozinho, mas com dez celulares amarrado à cintura, estava difícil administrar o empreendimento. Colocou a mulher, o filho, o irmão e o cunhado mala. A família inteira minutera. Mas há neste comércio, diz o governo, uma distorção da telecomunicação nacional. Mais grave, bandidos descobriram o anonimato dos celulares dos minuteros. Nem se dão ao trabalho de disfarçar a voz para extorquir, cobrar supostas dívidas e mandar recado para familiares de gente sequestrada. A guerrilha FARC descobriu o nicho para suas comunicações secretas. Tudo isso sob o manto do populacho falador e o baratinamento das forças secretas governamentais. Os minuteros também são acusados de contribuírem com seu trabalho subversivo para o aumento do adultério, pois os amantes estão se esbaldando, enquanto seus celulares ficam longe da bisbilhotice dos companheiros e companheiras. 
Mas vida boa de pobre dura pouco. Estão se descabelando porque com o Whatsapp o povo tá falando menos e dedilhando horrores. Os celulares que usam são da geração olha a hora, disca o número. Os smartphones são a verdadeira ameaça, porque do governo desmancha-prazeres o sindicato dos homens-orelhão já está enfrentando. Aqui é um termo genérico, há também mulheres no ofício. Os colombianos ainda não descobriram que existem homens sapiens e mulheres sapiens, como descobriu a Dilma, assim bem separado e cada qual no seu quadrado para não confundir. O que soa válido, pois o mundo está meio louco nas definições de gênero e aquilo que você vê e pensa que é uma coisa, é outra. Estão aí Romário e Ronaldo (ex) Fenômeno que não nos deixam mentir.